Além da ficção: a rotina de um detetive particular há 21 anos disfarçado nas ruas de Fortaleza

Com 21 anos de experiência, profissional detalha os desafios, métodos de trabalho e o mercado voltado para a investigação particular

Todo mundo já fez alguma investigação na vida – seja para descobrir o perfil nas redes sociais de um desconhecido que chamou a atenção na rua ou para tratar de assuntos mais sérios, a exemplo de casos de infidelidade e até crimes. O que talvez poucos recordam ou saibam é que a profissão de detetive, longe da representação hollywoodiana, existe, possui cada vez mais procura e detém inclusive regulamentação.

Fortaleza não sairia do radar desse ofício. Profissional com 21 anos de experiência, o detetive Silva é um investigador particular atuante na capital cearense. Segundo ele, não é possível caracterizar como rotina a dinâmica de trabalho intrínseca a esse ramo. “Não tem dia certo e nem horário. Podemos sair de casa às 8h da manhã ou até mesmo às 2h da madrugada. Tudo varia conforme a necessidade do serviço”.

Há momentos nos quais existe a urgência de passar até 24 horas dentro de um veículo num território onde muitas vezes a localização é imprecisa. Nesses casos, a intenção geralmente é aguardar a pessoa investigada sair de um local para que, assim, a apuração dos fatos aconteça. 

O trabalho exige, portanto, um amplo esforço, abrangendo desde as vestimentas adequadas para a realização dos acompanhamentos até as maneiras mais perspicazes de utilização da tecnologia. No que diz respeito ao primeiro ponto, esqueça as pesadas e escuras roupas de Sherlock Holmes.

A depender do tipo e do ambiente nos quais acontecerá a investigação, os trajes podem ser leves e habituais ou, no extremo oposto, dotados de elegância e requinte.

Já com relação ao uso tecnológico na busca e resolução de missões, o detetive Silva se vale de escutas no veículo do indivíduo mapeado. Assim, o cliente solicitante do serviço pode ter acesso ao material colhido quando e onde quiser.

“Hoje existe também o localizador. Ele é um mini equipamento que utilizamos na bicicleta, na moto, no carro ou no caminhão, e sabemos em tempo real onde aquele veículo no qual instalamos a ferramenta vai estar”, diz. Isso não quer dizer, contudo, que a máquina trabalhará sozinha, uma vez que o investigado pode sair do veículo e começar a andar a pé. “Ou seja, a tecnologia é uma ajuda, mas não faz nosso ofício completamente”.

Formas de apuração

Câmeras fotográficas e gravadores de voz e de vídeo igualmente são utilizados durante os procedimentos – prezando, claro, pela discrição e pelo sigilo. Aliada aos recursos de ponta, está a fundamental relevância de agir corretamente nas horas propícias. Caso contrário, toda a operação pode ir por água abaixo.

“Para ser um detetive, o primeiro passo é ter força de vontade, gostar do que está fazendo e ser muito calculista, uma vez que as coisas acontecem em apenas um piscar de olhos e você já tem que ter a ação certa e exata para cada atitude”, enumera o investigador. “Em nossa profissão há muitos perigos, mas nos proporciona experiência, agilidade e uma grande satisfação após o objetivo alcançado”.

Em pouco mais de duas décadas de dedicação ao segmento, Silva ressalta as mudanças pelas quais o ofício passou mediante a inserção de aparelhos cada vez mais sofisticados na dinâmica de trabalho. Se antes tudo era feito quase que exclusivamente de forma manual, hoje os casos são resolvidos de modo mais otimizado. 

Isso não implica, porém, que haja um tempo certo para a solução de cada ocorrência. Como já deu para perceber, o terreno é movediço, se moldando a partir daquilo que chega até aos investigadores. “É muito imprevisível. Já passei mais de 20 dias sem pegar nenhum caso. Por outro lado, houve mês que ficaram dois clientes aguardando eu terminar um caso para me contratar. De todo modo, em um ano, praticamente toda semana aparece um serviço”, explica, ao destacar que conta com uma equipe própria para resolver as missões. O número de investigadores também é indefinido, variando de dois a cinco por operação.

Casos passíveis de investigação

Basicamente tudo pode ser alvo de investigação. Silva destaca, no entanto, serem os casos passionais os mais comuns chegados até ele, ocupando a ordem de 70% de procura. Estendendo o leque de serviços, um detetive particular atende dois tipos de clientes: as pessoas físicas e jurídicas. Em cada uma dessas vertentes existem diferentes áreas de atuação.

No caso das pessoas físicas, entram em cena a investigação conjugal – feita para descobrir traições em um relacionamento; de adolescentes, na qual geralmente os pais recorrem a um profissional após o jovem apresentar comportamentos estranhos; de babás, iniciada quando um responsável suspeita do caráter da pessoa que cuida do filho ou dos pais; de pensão alimentícia, para encontrar os responsáveis pelo pagamento da quantia fixada pelo juiz; ou de pessoas desaparecidas.

Já no que se refere às pessoas jurídicas, há a investigação de funcionários, área procurada por empresários que suspeitam de roubos, desvio de carga, vazamento de informações ou atitudes duvidosas dentro da empresa; de serviços prestados, quando os detetives agem como um “cliente oculto”, testando os serviços prestados pela corporação para saber se os funcionários estão trabalhando da maneira correta; investigação de ex-funcionários, caso algum funcionário processe a empresa por problemas adquiridos enquanto estava trabalhando, algo que o detetive vai averiguar a veracidade da situação; e cibernética, em caso de infiltrações de hackers nos servidores da empresa, a fim de desvendar a origem do ataque.

Dada a intensa capilaridade das ocorrências, distintos profissionais atuam no mercado da investigação – indo da Engenharia à Informática, passando por Contabilidade, Medicina e Odontologia Forense. 

Regulamentação e crescimento

Proprietário da Líder Detetives – agência localizada em São Paulo – Fabrício Dias situa que, diante da complexidade e necessidade do ofício, a profissão é regulamentada pela Lei nº 13.432, de 11 de abril de 2017. 

Ele percebe um crescimento contínuo da área em questão, sobretudo no que diz respeito à investigação empresarial – como, por exemplo, a contraespionagem. Porém, em virtude da tecnologia, hoje o trabalho de acompanhamento pessoal está em baixa.

“Existem cursos profissionalizantes para detetive. Não temos nenhum que seja autorizado pelas polícias; porém, desde 2017, a profissão é regulamentada e lícita”, diz. Quando existe o acesso ao veículo para instalação de escutas e câmeras durante o trabalho, a chance de obter um bom material é grande, conforme observa. Mas lembra que a instalação acontece apenas com a autorização por escrito do cliente. 

A investigação privada não tem nenhuma relação com o setor público ou algo do gênero. Polícia, por exemplo, não investiga traição conjugal nem roubo empresarial interno. Normalmente, essas práticas são as empresas de investigação que fazem.

E durante a pandemia de Covid-19, como agir no corpo a corpo? “Esse período fez cair absurdamente os trabalhos de acompanhamento em rua”, percebe Fabrício.

Questionado sobre como acontece a organização e a logística de uma agência de detetives, o investigador – igualmente com mais de duas décadas de experiência na área – é direto: “Isso varia de empresa para empresa. No nosso escritório, sempre que possível, trazemos equipamentos importados para auxiliar nas investigações, como, por exemplo, micro câmera, micro escutas, entre outros. Hoje temos 17 detetives que trabalham exclusivamente para a Líder Detetives”.

Acompanhamento total

Tendo iniciado no ramo por influência de um outro detetive – primeiro assumindo ocorrências menores até ir, aos poucos, ampliando as maneiras de lidar com o serviço – o detetive Silva afirma que o acompanhamento realizado com os clientes é máximo. Muitas vezes, abraça até perspectivas psicológicas.

“O detetive não é só aquela pessoa que vai descobrir algo. Tem momentos que atuamos feito psicólogos, uma vez que existem pessoas que não confiam em falar com qualquer um. Então, elas chegam para os investigadores e abrem tudo – falam da vida, do relacionamento, do trabalho, choram, riem”.
Silva
Detetive particular

Por outro lado, acende o alerta: “Vou ser bem sincero: todo cuidado é pouco. Quem investiga pode ser investigado, então tenho toda a atenção para não perceberem. Já trabalho com uma equipe justamente para dificultar essa percepção externa das pessoas”. A discrição, inclusive, foi acordada durante as entevistas para esta matéria, em que o profissional conta as histórias, mas não aparece nas imagens.  

Quanto ao seguir na profissão, o detetive expõe outra faceta de como encara o ramo. “Já tentei sair, e de todas as formas que você imaginar. Mas está no sangue. A gente sente falta e acaba voltando. Você se dedicando, sendo um bom profissional, atendendo o que o cliente quer, não vai faltar serviço. Quem trabalha é sempre bem procurado, não importa a área”.