Quatro mulheres denunciaram terem sido "cobaias" de dois coaches estrangeiros em uma festa promovida em São Paulo, que funcionou como um "laboratório" de um curso que ensina homens a conquistarem mulheres.
Organizado por Mike Pickupalpha e David Bond, do site 'Millionaire Social Circle' (Círculo Social de Milionários), o evento ocorreu em uma mansão no Morumbi, zona sul da capital paulista, no último dia 26 de fevereiro. As informações são do g1, que ouviu as vítimas, entrevistou Mike e questionou se as mulheres presentes na festa sabiam que estavam sendo usadas como "cobaias" para um curso de conquista.
Em resposta, o homem, que se diz "especialista em namoro online e produtor de conteúdo digital", disse apenas que se tratou de um evento em que estavam adultos "que escolheram estar lá por livre e espontânea vontade".
Das quatro mulheres que relataram a história ao g1, duas foram ao evento por meio de convites em redes sociais e outras duas disseram ter conhecido alunos do curso no Tinder, um aplicativo de relacionamentos. Uma delas chegou a registrar um boletim de ocorrência eletrônico na Polícia Civil para denunciar que foi filmada sem autorização.
Segundo essa vítima, ela conheceu um homem no Tinder e foi convidada para jantar com "amigos dele". No dia seguinte, a brasileira foi convidada pelo homem para a festa na mansão. Lá, ela disse, estavam "muitas mulheres" e "nem todas sabiam falar inglês". "Havia funcionários, DJ, garçons. Uma das mulheres me disse que foi [à festa] por causa de um anúncio e aí achei estranho, porque ela disse que pagaram o transporte também. Eu achei que era algo mais reservado", contou a jovem.
Ela só concluiu o que tinha acontecido depois de ter visto vídeos publicados nas redes sociais em que ela aparece com os alunos da "mentoria" de conquista.
Menores de idade
A outra mulher que chegou à festa por meio de um aluno da "formação" relatou um modus operandi parecido. Depois de dar "match" com um americano no Tinder, ela foi convidada por ele para jantar. O homem disse que fazia parte de um grupo de negócios e a convidou para um primeiro encontro. Só lá a vítima soube que o "date" seria, também, com os "amigos" dele, que estavam com outras mulheres. Ela não sabia, mas todos eram alunos do curso.
"Conheci outras meninas brasileiras lá e até gostei, porque eu não sei muito bem inglês. Era um restaurante muito chique, até exagerado. O rapaz que eu saí me tratou muito normal, bem de início, criando um vínculo. Tinha gente de vários países. Não me senti desconfortável naquele momento", lembrou ela ao portal.
Contudo, dias depois, ela foi chamada para a festa na mansão. Disse que recebeu um convite para colocar seus dados pessoais e fazer parte da lista do evento. E, lá, chegou a ver uma adolescente circulando entre os homens.
Questionado pelo g1 sobre a presença de menores de idade no evento, Mike Pickupalpha não negou. Disse que, possivelmente, há câmeras de segurança no local, e que, no formulário de candidatura divulgado sobre a festa, "dissemos que era preciso ter mais de 18 anos e pedimos à segurança para fiscalizar e fiscalizar todos", respondeu.
Ele ainda concluiu o argumento dizendo que se tratou de uma festa "coorganizada com meus amigos brasileiros" e que alguns "trouxeram suas próprias namoradas". "Uma festa com adultos que escolheram estar lá por livre e espontânea vontade. Comida, segurança e transporte adequado foram fornecidos", concluiu.
Possíveis crimes
A advogada e desembargadora aposentada do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Cecilia Mello, ouvida pelo g1, disse que as condutas dos "coaches" podem ser consideradas "tráfico de pessoas e favorecimento da prostituição".
Segundo a especialista, o Tinder é um aplicativo de encontros voluntários e, por isso, a vontade dos envolvidos é o que deve prevalecer. "A fraude está no uso dissimulado e mentiroso do aplicativo para aquilo que não será um encontro voluntário, mas, sim, ‘um treinamento’ de relacionamento para homens endinheirados num projeto de afirmação de suas virilidades, incapazes de gerir as suas próprias vidas afetivas e amorosas, mas plenamente capazes de optarem pela prática de crimes voltados à exploração sexual de mulheres em território brasileiro", disse.
Além disso, a especialista reforçou que, por forjar um encontro voluntário, praticar exploração sexual e oferecer vantagens, os casos também podem ser caracterizados como tráfico de pessoas e favorecimento da prostituição.
Turismo sexual
Mike e David oferecem o "treinamento" a estrangeiros de diferentes países. A dupla cobra cerca de R$ 63 mil (US$ 12 mil) em troca de consultoria de conquista e viagem de duas semanas para algum país. Já o pacote com seis países, chamado de 'World Tour', sai por R$ 262,6 mil (US$ 50 mil).
Além do Brasil, já foram feitas edições na Costa Rica, na Colômbia e nas Filipinas. A próxima etapa será na Tailândia, em agosto.
No anúncio da viagem ao território brasileiro, os "coaches" escreveram: "Venha explorar com David e Mike e conheça as mulheres brasileiras ao redor do mundo, que são conhecidas por serem divertidas, curvilíneas e apaixonadas".
Em vídeo, a dupla exibe um "kit" que deve ser levado na bagagem dos participantes: pílulas do dia seguinte, usadas para evitar gravidez em relações sexuais sem preservativo, camisinhas e perfumes com feromônios. Mike chama as pílulas, em seus vídeos, de "plano B".
O Ministério do Turismo ainda não se posicionou sobre o caso.