O estresse profissional e o excesso de trabalho têm se tornado cada vez mais comuns, sobretudo durante a pandemia de Covid-19, e podem evoluir para condições mais graves caso não haja vigilância. Esses casos são traduzidos, muitas vezes, na Síndrome de Burnout, também chamada síndrome do esgotamento profissional.
Incluída na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019, caso não tratada, a Síndrome de Burnout pode causar quadros depressivos e ansiosos, visto que esses distúrbios possuem características parecidas.
Estudo realizado pelo portal de medicina PEBMED, divulgado em novembro de 2020, apontou que 78% de profissionais de saúde tiveram sinais de Síndrome de Burnout durante a pandemia.
A prevalência maior foi entre médicos entrevistados (78%), seguidos de enfermeiros (74%) e técnicos de enfermagem (64%). Em 2019, cerca de 20 mil brasileiros pediram afastamento médico por conta de doenças mentais relacionadas ao trabalho.
Mas como identificar a Síndrome de Burnout e diferenciá-la de outros distúrbios psicopatológicos? Psicólogos ouvidos pelo Diário do Nordeste pontuam que a condição vem associada à exaustão, queda no rendimento profissional e pensamentos negativos.
O que é a Síndrome de Burnout?
A Síndrome de Burnout é um distúrbio profissional — que se estende ao âmbito pessoal — e acontece quando o trabalhador já não consegue mais sustentar o estresse e a pressão advindos de demandas e cobranças profissionais.
Sem tradução para o português, o nome "burnout" vem da união das palavras "burn (queima)" e "out (fora)" em inglês. O professor de psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) José Olinda Braga* descreve a condição como uma "panela de pressão que estoura".
A OMS não caracteriza o Burnout como uma condição médica, porém, há a possibilidade do desenvolvimento de doenças caso a síndrome não seja diagnosticada e tratada devidamente com acompanhamento de especialistas.
O psicólogo avalia que um dos fatores mais latentes para o desenvolvimento da síndrome é a competitividade do mercado de trabalho. Mas, segundo ele, expectativas pessoais e pressão interna e familiar também são perigosas.
Profissionais de saúde, professores e jornalistas, conforme José Olinda, são profissões mais propensas a ter Burnout. O professor da UFC explica que isso deve ao fato de serem ocupações extremamente cobradas e vigiadas.
Quais os sinais e os sintomas?
Os sintomas da Síndrome de Burnout estão presentes tanto na vida profissional quanto pessoal. Um âmbito não é independente do outro, como pontua Iratan Bezerra de Sabóia**, doutor em Psicologia pela UFC.
Um dos primeiros sinais, segundo o professor José Olinda, vem na forma de exaustão extremada, na figura de muito estresse e dores de cabeça frequentes. Além disso, a pessoa é afetada com dificuldades de concentração, de sono e também pode desenvolver distúrbios de alimentação.
Principais sintomas da Síndrome de Burnout (e como diferenciá-la de estresse)
- Cansaço excessivo
- Sensação de que não descansou mesmo após dormir
- Dores de cabeça frequentes
- Queda no rendimento de trabalho
- Distúrbios da alimentação - alteração de apetite (ou come em excesso, ou muito pouco)
- Distúrbios do sono (poucas ou longas horas de sono)
- Dificuldade de concentração
Conforme o clínico psicoterápico elenca, a Síndrome de Burnout é uma confluência de vários sintomas e fatores.
Olinda pontua ainda que a tendência a ter sentimentos depressivos é bem comum com pessoas diagnosticadas com a condição, devido à exposição a longos períodos de estresse.
Causas
Segundo o psicólogo Iratan Bezerra, o excesso de trabalho e a pressão para a finalização de demandas cada vez mais complexas em curtos períodos são a causa principal da Síndrome de Burnout.
No entanto, o distúrbio não é atribuído somente a um fator, ele é sistêmico, ou seja, desenvolveu-se ao longo de extensos períodos de estresse.
O trabalho já é uma categoria de vida central das pessoas, desde a época da revolução industrial, como aponta o doutor em Psicologia. No advento da tecnologia e do avanço da globalização, as relações trabalhistas cada vez mais foram incrementadas e isso fez com o que trabalho “invadisse” todos os âmbitos da vida.
Um exemplo que ilustra isso é a chamada “colonização do tempo de trabalho sobre os tempos sociais”, tese sustentada pelo professor Cássio Adriano Braz de Aquino, do Departamento de Psicologia da UFC. É o famoso “levar trabalho para casa”.
A pressa que essas condições impõem na vida das pessoas e a sobrecarga de variantes é justamente o que causa o Burnout, avalia Iratan Bezerra.
Síndrome de Burnout no trabalho
A Síndrome de Burnout está diretamente relacionada ao trabalho, visto que também atende pelo nome de “síndrome do esgotamento profissional”.
A ânsia de empresas de ter cada vez mais produtividade acaba refletindo na saúde mental de funcionário, sendo preciso sempre estar atento aos sintomas. O professor José Olinda, da UFC, compara os diagnosticados com Burnout a pessoas intituladas workaholics (viciadas em trabalho).
Entretanto, workaholics podem mergulhar em obrigações e nunca desenvolver a síndrome, por terem válvulas de escape para aliviar a pressão. Mas, mesmo assim, esses indivíduos são “fortes candidatos” a desenvolver o distúrbio laboral.
Como tratar a Síndrome de Burnout?
O tratamento mais indicado para combater os sintomas da Síndrome de Burnout é a psicoterapia, de acordo com o professor José Olinda.
O especialista destaca que as sessões com psicólogos são o espaço mais indicado para descobrir o que causou a condição, além de ser um momento de compartilhamento de sentimentos.
Há a possibilidade ainda da prescrição de medicamentos antidepressivos e anti-ansiolíticos, a depender do grau de avanço da síndrome sobre a pessoa.
Mudança de rotina
No entanto, apenas os tratamentos não são suficientes para combater o distúrbio. O professor afirma ser preciso mudar os hábitos de trabalho. Caso a ocupação do indivíduo não ofereça oportunidade de negociar rotinas, a indicação é procurar “escapes”.
Olinda pondera que a inserção de atividades físicas regulares na vida, além de criar momentos de lazer mais constantemente, são de grande ajuda contra os sintomas do Burnout.
E o docente de Psicologia ainda destaca uma dica: se possível, tire férias do trabalho para dar um tempo de descanso à mente.
Como prevenir?
A prevenção da síndrome é um dos aspectos mais complexos sobre ela, e envolve não somente a responsabilidade pessoal, mas muito mais organizacional, por parte das empresas.
O doutor em Psicologia Iratan Bezerra ainda defende que a responsabilidade social, formada pelo mundo em que vivemos, também tem sua parcela.
Sozinho, um indivíduo não consegue ter gerência de pressão que recebe no trabalho. Por isso, é necessário que as organizações deem condições a seus funcionários e promovam características de trabalho mais saudáveis.
Porém, como citado, a modernização trabalhista e o sistema capitalista ainda são grandes entraves para que os tempos entre o trabalho e a vida social não se esgotem, como avalia Iratan.
O professor José Olinda defende também que um senso de autocuidado é essencial atualmente. “Se perceber, olhar para si e refletir sobre o tamanho dos pesos que você carrega”, elenca o docente de Psicologia.
Quais são os efeitos a longo prazo, caso não tratada?
A longo prazo, caso a síndrome não seja diagnosticada e tratada propriamente, as chances de evoluir para estados depressivos profundos são bem grandes. Essa é uma condição que evolui de forma muito agressiva, pontua José Olinda.
Isso abre margem para os sintomas físicos. Conforme o professor, as pessoas podem desenvolver diversas doenças, como síndromes gastrointestinais. Ele indica ainda que é possível que esses fatores cheguem a “níveis invalidantes”.
Por consequência de todo o peso gerado sobre as pessoas, o comportamento também muda. A alegria se transforma em tristeza constante, e quem é mais sociável acaba se isolando.
Quanto tempo dura?
Segundo os especialistas, a síndrome não tem um tempo fixo de duração. Ela pode durar anos ou poucos meses, a depender do diagnóstico e do tratamento. A mudança de ambiente e de rotina também é definidora para esse fator.
Por isso, é importante procurar o tratamento psicoterápico, e em casos específicos, até psiquiátrico.
Qual a diferença entre Síndrome de Burnout e depressão?
A diferença entre o burnout e a depressão é uma linha tênue. A síndrome, devido ao acúmulo de estresse, como visto anteriormente, pode desencadear síndromes depressivas.
A depressão é caracterizada pelo rebaixamento do humor, conforme Iratan Bezerra. Sintomatologicamente, as duas condições possuem algumas semelhanças, como distúrbios alimentares e de sono.
Para diferenciar os dois, é pertinente destacar que a tristeza e o isolamento gerado em pessoas depressivas é estendido a todos os âmbitos da vida de uma pessoa. Já a Síndrome de Burnout traz esses sintomas para as relações de trabalho.
*José Olinda Braga é professor do Departamento de Psicologia da UFC e possui pós-doutorado na Universiteé de Lyle, na França e na PUC de São Paulo
**Iratan Bezerra de Sabóia é doutor em Psicologia pela UFC