Termo que 'autoriza' Polícia a revistar casa e celular 'fere a Constituição', dizem Defensoria e OAB

Moradores de um residencial receberam documento durante operação da Polícia Civil em Caucaia. Medida foi criticada por órgãos como Defensoria e OAB-CE. SSPDS diz que uso do termo é comum em ações estaduais e federais

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
operacao caucaia
Legenda: De acordo com a SSPDS, a Operação Sumé I foi deflagrada com o intuito de coibir práticas criminosas como homicídios e ameaças a moradores.
Foto: Isaac Macedo

Caucaia foi cenário de mais uma operação policial da Secretaria da Segurança Pública do Ceará (SSPDS) nesta sexta-feira (13). No entanto, uma novidade confirmada à reportagem por moradores do Residencial José Lino da Silveira, onde estiveram os agentes durante a manhã, vem repercutindo entre órgãos públicos. A entrega de documentos, dentre eles um termo de autorização de entrada em residência e acesso ao aparelho telefônico, desagradou Defensoria Pública do Ceará e Ordem dos Avogados do Brasil (OAB Secção Ceará).

De acordo com fontes da Defensoria e da OAB entrevistadas pelo Diário do Nordeste, o termo viola direitos básicos da população e chega a ferir a Constituição quando se assume que a casa é local inviolável. A SSPDS divulgou que durante a operação foram realizadas 450 abordagens no residencial e, ao todo, cumpridos dois mandados de prisão, sendo um por homicídio e o outro por estupro de vulnerável.

Consta no termo ao qual a reportagem teve acesso que quem assinasse, permitia as autoridades verificar se na sua residência existia algum ilícito penal e mexer no aparelho telefônico. Caso algum conteúdo ilícito fosse encontrado no celular, a pessoa autorizaria a extração e análise do conteúdo pela Polícia Civil do Ceará ou Coordenadoria de Inteligência da SSPDS.

Para o defensor público da área criminal com atuação na 4ª Vara de Execuções Penais de Fortaleza, Eduardo Villaça, não é usual que policiais estejam em posse de um documento deste tipo e a notícia da existência do termo preocupa a Defensoria Pública porque "representa uma violação sem precedentes dos direitos dos cidadãos".

"A Polícia portar um documento desta natureza é de absoluta temeridade. Como vai se garantir que se ofereceu amigavelmente, que a pessoa teve ou não opção de assinar? Para entrar em uma casa se precisa de uma suspeita específica e de um mandado específico. É completamente impertinente, não é competência da Polícia Civil fazer isso. Nunca ouvi falar desse tipo de ação. É criminalização da pobreza.  Autorização para devassar para a casa, autorização para devassar o celular?", questionou o defensor.

termo sspds
Legenda: O termo foi entregue aos moradores do residencial durante operação nesta sexta-feira (13)

Márcio Vítor Albuquerque, diretor de prerrogativas da OAB-CE, concorda que o termo se trata de uma ilegalidade e destaca que a constituição determina o sigilo da correspondência telefônica, esta só podendo ser "quebrada" por ordem judicial em caso de investigação criminal e com autorização do juiz.

"Isso mexe com o sigilo, com garantias constitucionais ninguém é obrigado a provar algo contra si mesmo. Não pode ser uma operação genérica com todos investigados, com todos na condição de suspeitos em uma comunidade, em um residencial. A Ordem vai se reunir com as comissões temáticas para questionar como isso vem acontecendo, quais locais com esse tipo de atuação da Polícia e solicitar e que isso não se repita", disse Márcio Vitor.

Questionário

Outros documento em posse dos policiais durante operação nesta sexta-feira (13) se tratava de uma espécie de questionário. No papel, os moradores se depararam com uma sequência de perguntas, como: situação do imóvel, escolaridade, qual o maior problema do seu bairro, se já foi vítima de violência ou não e se conhece algum deliquente no bairro.

Qualquer tipo de questionário precisa ser de livre e espontânea vontade, não pode desafiar garantias constitucionais e gerar constrangimento. Nós sabemos que a Polícia tem que agir, mas isso tem que ser pautado na lei e na Constituição Federal. A população tem que se sentir à vontade para procurar a Polícia, e não ser constrangida a assinar documentos de constitucionalidade questionável"
Márcio Vitor Albuquerque

A Defensoria Pública do Ceará acrescentou que irá reunir os materiais apresentados e pedir esclarecimentos oficiais à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social. Procurada pela reportagem, a SSPDS afirmou que dois formulários foram utilizados nessa sexta-feira (13). 

"Um deles se tratava de um termo de autorização de entrada em domicílio, que comumente é utilizado em operações das forças policiais tanto estaduais quanto federais. O outro formulário se tratava de um levantamento feito pelas equipes, junto aos moradores de alguns imóveis, para reprimir a prática de esbulho possessório, ou seja, os profissionais de segurança analisavam se as pessoas residentes no apartamento eram de fato os proprietários do local. Nenhum dos formulários é de preenchimento obrigatório e, ambos, visam ampliar o vínculo da população com o policiamento comunitário", disse em nota.

 

Cidade violenta

Caucaia é o município do Ceará que mais concentra mortes violentas neste ano de 2021. Já neste mês de agosto, aconteceu uma chacina na cidade. Cinco pessoas morreram e duas mulheres ficaram feridas. O principal motivo para tamanha violência na localidade seria, conforme fonte de identidade preservada, rompimento dentro de uma facção.

Em 2020, Caucaia foi tomada por policiais militares amotinados. Uma denúncia do MPCE divulgada pelo Diário do Nordeste no último mês de julho apontou que a escolha pela cidade foi proposital porque "paralisando PM morreria mais gente". 

Apesar dos índices ainda altos, a SSPDS afirma que neste ano já houve redução de 27,9% nos Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) na cidade. De acordo com a Pasta, o número é resultado das "frequentes operações, fortalecimento do trabalho de inteligência e de investigação, bem como o reforço de equipes policiais para ações ostensivas e preventivas com o envolvimento de equipes multidisciplinares".

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