Mesmo após os julgamentos referentes à 'Chacina do Curió' já terem iniciado e haver os primeiros condenados pela matança, um caso que antecedeu a sequência de mortes e que, conforme investigação, tem relação direta com a chacina, ainda segue sem desfecho.
Em 2020, a Justiça Estadual pronunciou (decidiu levar a júri popular) o policial militar Marcílio Costa de Andrade e Giovanni Soares dos Santos, o 'Lorim Giovani', pela morte do adolescente Francisco de Assis de Moura de Oliveira Filho, conhecido como 'Neném'. A execução é tida como o primeiro acontecimento de uma série de episódios sangrentos que culminaram na chacina.
Desde então, as defesas dos réus recorrem, já tendo o processo passado pelo 2º Grau do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e neste ano chegado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto os recursos são analisados nas instâncias superiores, o processo principal segue a 'passos lentos' e sem uma data para o júri acontecer.
O QUE ACONTECEU APÓS A PRONÚNCIA
Em junho de 2020, a defesa de Marcílio entrou com recurso da decisão de pronúncia. Em 2021, a Justiça manteve integralmente a ordem de levar a dupla ao banco dos réus. As defesas recorreram à instância superior.
No ano passado, no STJ não conheceu o agravo em recurso especial, nem o recurso extraordinário.
Os advogados do PM Marcílio levaram o caso ao STF. Em fevereiro de 2023, foi protocolado "agravo contra decisão de inadmissão do recurso extraordinário". A reportagem apurou que em 13 de março de 2023 foi intimado eletronicamente o procurador-geral de Justiça do Ceará e desde então não houve mais movimentação.
MOTIVAÇÃO
Consta no processo que no dia 25 de outubro de 2015, por volta das 22h, o pedreiro Raimundo Cleiton estava com a namorada, no bairro Curió, e encontrou com duas mulheres; uma delas a irmã do policial militar Marcílio. Cleiton confrontou as duas sobre um boato que elas teriam espalhado de que a namorada dele teria sido vista num motel com outro homem.
Conforme o testemunho de Cleiton, ao ficar diante das duas mulheres para "tirar a limpo" a história de que havia sido traído, ele é surpreendido por Marcílio, que desceu armado de um veículo Fox, de cor preta. Os homens teriam discutido e o pedreiro saído do local a fim de denunciar a agressão.
No caminho, encontrou uma viatura da PM e foi orientado a ligar para a Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops). Cleiton disse ter ligado várias vezes, mas antes da chegada das viaturas, foi abordado pelo adolescente Francisco de Assis Moura de Oliveira Filho, o 'Neném', que o questionou sobre o motivo de ele ter chamado a Polícia para o bairro, o que segundo 'Neném', poderia "causar problemas".
Conforme o processo, enquanto conversavam, 'Neném' e Cleiton foram surpreendidos pelo policial militar Marcílio e por Giovanni Soares. Consta na acusação do MP que, naquele momento, Marcílio e Giovanni efetuaram diversos disparos, que mataram 'Neném' e feriram Cleiton.
Dias depois, o pai de 'Neném' teve a casa invadida por homens encapuzados e foi executado. Os parentes das vítimas teriam prometido vingança. Marcílio teve o muro da casa pichado com ameaças e saiu do bairro escoltado por viaturas da PM.
Desde então, homens armados e encapuzados passaram a ser vistos andando pelo bairro e ordenando que as pessoas não saíssem de casa depois das 19 horas. O ambiente que havia se tornado propício para atuação de uma milícia teve ainda mais um episódio violento: o latrocínio (roubo seguido de morte) que vitimou o policial Valtemberg Serpa, no bairro Lagoa Redonda, vizinho ao Curió, no dia 11 de novembro.
Horas depois, entre a noite do dia 11 e a madrugada de 12 de novembro de 2015, ocorreram as execuções sumárias de 11 pessoas inocentes, sendo oito adolescentes. O episódio ficou conhecido como a Chacina do Curió ou da Messejana. Marcílio e mais 43 policiais militares foram acusados de participação na chacina.
Destes, 34 foram pronunciados (devem ser julgados pelo Tribunal do Júri). Quatro deles já sentaram no banco dos réus e saíram de lá condenados a 275 anos e 11 meses cada um.
O PRIMEIRO JÚRI
No último mês de junho, após seis dias de julgamento, o Tribunal do Júri condenou os primeiros quatro policiais militares réus pelas mortes de 11 pessoas na chacina. A decisão dos jurados foi tomada após os debates entre a acusação e defesa, leitura de quesitos e votação, que durou 13 horas.
O Colegiado de juízes confeccionou a sentença estipulando as penas, que foram de mais de 1.103 anos e 5 meses no total, e o regime de cumprimento, que foi inicialmente fechado.
VEJA AS PENAS DOS PMS:
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Wellington Veras Chaves: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar
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Ideraldo Amâncio: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar
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Antônio José de Abreu Vidal Filho: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar. Caso tenha desertado, fica prejudicada essa decisão. Como está nos Estados Unidos com a esposa, os juízes determinaram que ele seja incluído na lista de difusão vermelha da Interpol.
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Marcus Vinícius Sousa da Costa: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar.