Entidades pedem R$ 40 milhões à Zara por dano moral coletivo após episódio de racismo contra delegada

A ação tramita na Justiça do Ceará. Conforme o pedido, a indenização deve ser revertida ao fundo destinado à reconstituição dos bens lesados

As entidades Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes) e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos ingressaram com ação civil pública contra a Zara após o episódio e racismo sofrido por uma delegada em uma loja da marca em Fortaleza. As partes autoras requerem R$ 40 milhões de indenização por dano moral coletivo na ação que tramita na Justiça do Ceará desde o início desta semana.

O Diário do Nordeste teve acesso ao documento protocolado junto à Vara Cívil da Comarca de Fortaleza. Consta nos autos que o valor se deve a algumas peculiaridades do caso, como "a magnitude dos direitos aviltados, a ressonância do passado escravocrata do Brasil, o atentado à dignidade e à honra da população negra – e o caráter antissocial dos crimes perpetrados".

 

A Polícia Civil do Ceará investiga o episódio em desfavor da delegada Ana Paula Barroso. O inquérito está sob análise da Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza. Nos últimos dias, pelo menos cinco testemunhas já foram ouvidas.

A reportagem entrou em contato com a Zara sobre o pedido de indenização, e foi informada que a rede de lojas não iria se posicionar sobre


MEDIDAS

As entidades pedem que a indenização seja revertida ao fundo destinado à reconstituição dos bens lesados e destaca que a reparação integral de um dano dessa magnitude deve ir além da esfera indenizatória. Por isso, ainda acrescentam um leque de sugestões de medidas a serem adotadas com intuito de impedir novos episódios de racismo envolvendo o nome da marca.

Veja alguns dos pedidos:

  • Revisão dos contratos de terceirização da segurança para exigir das empresas contratadas rigoroso treinamento dos seus vigilantes e supervisão permanente das suas atividades

  • Devem ser inseridas cláusulas antirracistas em todos os contratos com fornecedores e prestadores de serviço das demandadas. Caso comprovado algum fato que implique em violação a direitos humanos, seu descumprimento deverá implicar na rescisão contratual;

  • As demandadas deverão exigir dos seus fornecedores prova da adoção de medidas internas antirracistas como condição para a celebração e ou manutenção de contratos

  • Expressa permissão a todos os clientes e terceiros para que filmem abordagens realizadas no interior ou nas imediações dos prédios da empresa demandada

  • Revisão imediata dos protocolos de abordagem de segurança no interiordas lojas. Os protocolos devem ser objetivos e de conhecimento dosfuncionários. Não deve ser admitido qualquer procedimento que viole adignidade da pessoa humana

  • Criação de Ouvidoria Interna e Conselho de Segurança com a participação de entidades da sociedade civil que atuam na área de Relações Raciais e Direitos Humanos

  • O uso de peças publicitárias contra o racismo e a violência institucional, com propagandas em emissoras de TV e redes sociais de largo espectro,proporcional ao tempo da prática do crime praticado, com assunção dos erros e gravames perpetrados, e comprometimento com dinâmicas que eliminem a cultura que parece ter se instalado na rede

     

" A comunidade brasileira é afetada a um só tempo por referido ato grave de racismo e violação a direitos humanos. A simples brutalidade da abordagem reforça a mais dolorosa mancha da história brasileira, a repercutir até os dias de hoje: os abusos cometidos contra a população negra"
Educafro e Centro Santo Dias de Direitos Humanos

 

"ELA FOI COLOCADA PARA FORA DA LOJA"

A delegada Anna Nery, que investiga o caso, detalha que a vítima registrou um Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOE) no mesmo dia do ocorrido. Segundo o relato, Ana Paula chegou à loja por volta de 21h20, no dia 14 de setembro de 2021, consumindo um sorvete. Contudo, ao tentar entrar, foi barrada por um segurança do estabelecimento. Ela questionou se o motivo seria o sorvete, mas não obteve resposta.

Fora da Zara, a delegada chamou um segurança e questionou novamente se o sorvete seria o motivo para ter o acesso travado. O homem disse que não e solicitou a presença do chefe de segurança do shopping no local. O novo agente reconheceu a delegada porque já havia trabalhado com a mesma em outra oportunidade.

Em entrevista à imprensa, Ana Paula disse que: "o medo que eu estou vivenciando é o de muitas vítimas: medo da impunidade, porque tô lutando pra provar que o outro errou; da revitimização, porque falar é sofrer o mesmo dano; medo do descrédito. Às vezes, a vítima acha melhor ‘deixar pra lá’. E é por isso que essas ações estão sendo perpetuadas"

Os vídeos das câmeras do estabelecimento foram recolhidos pelas autoridades e enviados à Perícia Forense, inclusive para checar possíveis adulterações. Os laudos devem sair entre 15 e 20 dias.