De 'bicheiros' presos a facção no controle das bancas: como o jogo do bicho se reconfigurou no Ceará

Em 2008, a Polícia Federal desarticulou o 'Bando Paratodos'. Agora, a Polícia Civil ataca esquema do 'monopólio do jogo do bicho'

Quatorze anos separam uma operação da Polícia Federal que pôs fim às atividades do grupo Paratodos e a operação da Polícia Civil do Ceará para desarticular esquema do 'monopólio do jogo do bicho'. O que antes se tratava de um crime contra o sistema financeiro, agora está estritamente ligado às facções criminosas.
 
Em outubro de 2008, a PF deflagrou a Operação Arca de Noé e prendeu empresários. Ali, era o capítulo mais sombrio da empresa que controlou o jogo do bicho no Estado durante 30 anos. Fonte de dentro da Segurança Pública do Ceará afirma que 'jogo do bicho' nunca deixou de existir em nível local. A contravenção penal se reconfigurou e agora está sob a proteção da alta cúpula de uma organização criminosa carioca, conforme os investigadores.
 
No último dia 13 de outubro, a PCCE prendeu empresários, gerentes e um advogado sob suspeita de extorsão, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Pelo menos R$ 1 milhão, por mês, era repassado de uma banca à facção, sob acordo que os criminosos ordenaram o encerramento do funcionamento das concorrentes nas periferias do Estado.


 
Para o delegado titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas do Ceará (Draco), Kléver Farias, "a prática do jogo do bicho, infelizmente, está enraizada no Estado". O investigador que esteve à frente da atual operação Saturnália, pontua que com a enorme movimentação financeira, os envolvidos acabam perpetrando crimes.


 
"A simples prisão dessas pessoas não faz cessar a atividade criminosa, porque outras pessoas ocupam o espaço. É uma grande quantidade de dinheiro, então sempre acabam buscando legalizar essa atividade, muito embora a gente saiba que ela continua sendo ilegal", afirma Kléver Farias.

ENCERRAMENTO DAS BANCAS

Há 14 anos, agentes federais prenderam Francisco Mororó (então presidente da Paratodos); seu filho, Francisco Lima Mororó, os sócios Fábio Leite de Carvalho, Fábio Leite de Carvalho Júnior, João Carlos de Mendonça, João Evangelista Camelo Rebouças, Arnaldo Paula Viana e além da gerente do banco, Vilauba Maria de Paiva Salvador. Também foram alvos das buscas o PM reformado João Araújo Crisóstomo e o delegado Francisco Carlos de Araújo Crisóstomo.

 

A PF sequestrou o prédio chamado de 'Banco Paratodos' na Avenida Tristão Gonçalves, Centro de Fortaleza e apreendeu R$ 5 milhões nos cofres

Na época, o Diário do Nordeste noticiou que os diretores do ´Paratodos´ vinham sendo investigados desde 2002, em um inquérito instaurado pela PF para apurar, a princípio, os crimes de sonegação fiscal e contra o sistema financeiro nacional.
 
No decorrer das diligências sigilosas, quando foram quebrados os sigilos telefônico, fiscal e bancário dos acusados, as autoridades descobriram outros crimes: corrupção ativa e passiva, inclusive de agentes públicos; prevaricação, tráfico de influência, posse ilegal de armas, exercício ilegal de segurança privada e ´lavagem´ de dinheiro.
 
Em 2010, a Paratodos era vista em bairros na periferia de Fortaleza. As bancas continuaram sendo fechadas e o 'jogo do bicho' combatido. Já em 2011, veio a Operação Safari, com diligências em Fortaleza e Eusébio. Mais bancas foram fechadas.
 
No ano de 2014, a Justiça Federal condenou 10 membros da cúpula da Organização Paratodos.


AUTORIZAÇÃO JUDICIAL E REABERTURA

O jogo do bicho permaneceu como uma atividade ilegal por mais de uma década depois de deflagrada a operação da PF. Até que em 2021 a atividade foi autorizada no Ceará. Em novembro, a 2ª Vara da Fazenda Pública da Justiça Estadual concedeu autorização para que a Loteria Popular (do Banco Paratodos) exerça o direito de explorar as atividades no Estado.
 
O mérito foi julgado pelo magistrado Francisco das Chagas Barreto Alves, que se baseou em uma Lei sancionada em 2019, pelo governador Camilo Santana, liberando a operação. A contrapartida é o recolhimento mensal de R$ 15 mil destinado à Secretaria de Turismo (Setur). Conforme a decisão, a Setur deve fornecer em até 15 dias os dados bancários para efetivação do montante.
 
O juiz determinou ainda que o Estado, por meio da Secretaria de Turismo, adote todas as medidas necessárias para o fiel desempenho das atividades de loteria, oportunizando o recolhimento de demais taxas e tributos afetos e se abstendo de qualquer medida que "venha a obstar ou turbar a operação empresarial da parte autora".

Ao manter a competência em definitivo da Justiça Estadual, o magistrado destacou que é estabelecido ao Estado que tenha poder para gerir, administrar e explorar as loterias.