A violência discriminatória fere diariamente e se perpetua no cotidiano atual. Em 2021 foram registrados 707 casos de ameaça e 117 de calúnia contra vítimas identificadas como LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, queer, intersexuais, assexual e demais identidades que integram o movimento) no Ceará.
O dado extraído pela Gerência de Estatística e Geoprocessamento (Geesp) da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) tende a ser ainda maior devido à subnotificação, os casos envolvendo preconceito que não chegam às autoridades e considerando que só em maio do ano passado, os crimes de preconceito, sejam eles por raça, cor ou condutas homofóbicas ou transfóbicas, passaram a ser registrados na Delegacia Eletrônica da Polícia Civil do Ceará (PCCE).
As agressões sofridas por Eduardo Ferreira, de 48 anos, fizeram parte dessa subnotificação durante anos até que ele decidisse denunciar. Foram três episódios discriminatórios por ser um homem trans, incluindo ataques em público.
Em dezembro de 2021, ele buscou acolhimento no Centro Estadual de Referência LGBT+ Thina Rodrigues, hoje parceiro da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE), por meio do Batalhão de Policiamento de Prevenção Especializada (BPEsp) da Polícia Militar do Ceará para prevenção de violência aos grupos vulneráveis.
"NÓS PASSAMOS POR TRANSFOBIA TODOS OS DIAS"
Eduardo recorda que a chegada ao Centro foi devido a discussões no trabalho. Ele participava de uma eleição na empresa, quando os oponentes se utilizaram da vida pessoal e o colocaram em situação vexatória: "As pessoas começaram a me chamar do meu nome que não existe mais, começaram a fazer deboche discriminando meu corpo".
A transfobia já não era novidade para ele. Antes, sofreu agressões de vizinhos e até mesmo em um supermercado. Mas quando a situação afetou a vida profissional, Eduardo percebeu que não tinha mais como deixar aquilo impune.
"Antes eu estava desacreditado de qualquer tipo de atendimento, até da Polícia. A gente passa por transfobia todos os dias, a gente vê os olhares, as pessoas cutucando. Já chegaram a dizer que iam me espancar. Me chamaram de aberração, de demônio e que eu precisava levar uma surra só por ser eu"
Há meses, ele recebe atendimento psicológico no centro e encoraja as pessoas a denunciarem. "Fazemos uma escuta a partir do princípio da identificação para facilitar a compreensão do caso e dar os devidos acompanhamentos", explica a coordenadora do Centro Estadual, Silvinha Cavalleire. O atendimento multidisciplinar conta ainda com pedagogos, assistentes sociais e advogado.
PREVENÇÃO ESPECIALIZADA
Neste mês o BPEsp, Centro Estadual de Referência LGBT+ Thina Rodrigues vinculado à Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) e o Centro de Referência Janaína Dutra firmaram acordo para garantir protocolos de atuação com participação da Segurança Pública na prevenção especializada.
No intuito de reduzir casos violentos e até mesmo prevenir desfechos trágicos, vítimas de violência que contactarem os centros podem ser acompanhadas individualmente por composições de PMs especializados no atendimento humanizado a grupos vulneráveis. Major e comandante do BPEsp, Messias Mendes, e a coordenadora do Thina Rodrigues celebram a parceria com fluxo definido.
"Sabemos que há muitos casos de adolescentes que os pais não aceitam a orientação sexual. Então, esse adolescente procura o centro e encaminha o fato para a Polícia. Os PMs tentam mediar a convivência respeitosa acompanhando, fazendo visitas. Essa vítima, ao ingressar no programa, não recebe só um atendimento, é todo um protocolo de acompanhamento com foco na prevenção de crimes", explica o major.
Silvinha acrescenta que o Ceará é o primeiro estado do Brasil a implementar o serviço de prevenção especializada aos LGBTQIA+ e destaca: "com o acompanhamento, caso os agressores tentem algo contra as vítimas, elas têm um número de telefone específico para acionar a viatura mais próxima".
Em 2021, 1.308 agentes de segurança do Estado participaram da disciplina “Atuação dos Profissionais da Segurança Pública Frente a Grupos Vulneráveis”
A expectativa do comandante do Batalhão é que com a divulgação da parceria chegue aos militares a demanda reprimida até então: "Tudo o que queremos é impedir que os crimes aconteçam. Com essa articulação, podemos conhecer e acolher essa vítima, compreender sua vulnerabilidade e direcionar possíveis alternativas", disse.
COMO DENUNCIAR
A SSPDS divulga que as denúncias relacionadas aos casos de violência contra as pessoas LGBTQIA+ podem ser feitas pelo Disque-Denúncias da SSPDS-CE, por meio do 181, ou para o (85) 3101-0181, que é o número de WhatsApp ou pela delegacia eletrônica.
"Para solicitar o atendimento via BPEsp da PMCE, o cidadão pode entrar em contato pelo telefone do plantão: (85) 8902-3372, que também é WhatsApp. Já para o Centro Estadual de Referência LGBT+, as denúncias podem ser feitas de forma presencial, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h ou pelo WhatsApp (85) 98993-3884.