Rotina no interior do Ceará não se altera mesmo diante da pandemia

Conversas nas calçadas, ida aos mercados e agências bancárias e bate-papo em praças. De diferentes formas, a população ainda mantém as relações sociais mesmo contrariando recomendações dos órgãos de saúde

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Antonio Rodrigues/Honório Barbosa regiao@svm.com.br
Legenda: Em diversas cidades, como Iguatu, Juazeiro, Crateús, Icó e Sobral, as aglomerações ainda são frequentes
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Sentados na calçada, conversando normalmente, o aposentado Manoel Galdino e o pedreiro Inácio Ferreira, moradores do bairro Juvêncio Santana, em Juazeiro do Norte, ainda enxergam distante o perigo do novo coronavírus. "Se a coisa piorar, fico em casa", conta despreocupado Manoel. A cena não fica restrita à cidade caririense. No bairro Vila Centenário, na periferia de Iguatu, as donas de casa Francisca Teixeira, Marlene Gomes e Mercedes Silveira mantêm o bate-papo após o pôr do sol, sentada na calçada. "Acho que não faz mal, não tem perigo, aqui a gente mal sai de casa", justificou Marlene.

Diferente da Capital cearense, onde o isolamento social teve maior adesão, nas cidades do interior ainda é possível encontrar muitas pessoas nas ruas. Em praças públicas, mercados e, principalmente no entorno de agências bancárias, a movimentação é semelhante aos dias comuns.

A falta de cuidado acontece mesmo com 20 casos confirmados no interior: Sobral (5), Quixadá (2), Icó (2); e um caso em Tianguá, Itapipoca, Itapajé, Itaporanga, Canindé, Juazeiro, Jaguaribe, Mauriti, Beberibe, Farias Brito, Fortim e Santa Quitéria. O risco de contaminação não está tão distante como sugerem os moradores. No último boletim divulgado pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa), já constam mortes em decorrência do novo coronavírus em Jaguaribe e Santa Quitéria e Tianguá.

Aglomeração

O mercado público do bairro Pirajá, em Juazeiro do Norte, estava funcionando regularmente, na manhã de ontem (3), mesmo com o decreto estadual proibindo o funcionamento de feiras. O espaço de circulação é estreito entre os boxes que comercializam frutas, verduras e carnes. No entorno, bancas com esses produtos atraíam compradores.

Resultado: aglomeração de pessoas e risco de contaminação. A vendedora Lúcia Quintino, que há oito anos trabalha como feirante, justificou a movimentação. "A gente vive dessas vendas, não tem outra renda", disse. "Se a gente não vier aqui trabalhar, como vamos viver?". O comerciante Paulo Gomes era um dos poucos que usavam máscara facial. "Temos que nos prevenir e quando chegar em casa vou lavar a roupa", garantiu.

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Os bancos e agências bancárias têm sido os locais de maior aglomeração de pessoas. Centenas são atendidas diariamente sem que o distanciamento seja respeitado. "É preciso usar máscaras e manter uma distância de pelo menos 1,5 metro entre as pessoas nessas filas", adverte a médica otorrinolaringologista, Érica Ferreira.

O médico infectologista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ivo Castelo Branco, reforça que, independentemente do número de casos confirmados nas cidades do interior, é preciso seguir à risca todas as orientações para evitar uma curva ascendente nas notificações. "Estamos na terceira fase da doença, o contágio comunitário, e não sabemos quem pode nos contaminar", disse. "O melhor é ter prevenção, evitar sair de casa, e se tiver que sair, usar máscara e sempre lavar as mãos com água e sabão ou álcool em gel 70%".

Fiscalização

Em Juazeiro do Norte, maior cidade do interior cearense, as aglomerações fizeram o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) realizar audiências virtuais com o poder público municipal e os gerentes das agências bancárias. Antes disso, enviou uma recomendação ao Município para que fossem criados cargos de fiscais, responsáveis por dispersar as pessoas em casos de agrupamentos. A partir da primeira audiência, viu-se a necessidade de alterações no decreto municipal, que limitava o número de pessoas atendidas em cada agência em no máximo dez, mas que acaba criando uma aglomeração do lado de fora.

"Chegamos à conclusão de que o número deve ser compatível com o espaço, desde que as medidas sanitárias fossem adotadas, como a distância, equipamentos higienizados, disposição de álcool em gel e distribuição de EPIs para os empregados dos bancos", explica a promotora de Justiça, Efigênia Coelho.

Após a discussão, entrou em vigor um novo decreto que, até agora, segundo o MPCE, diminuiu consideravelmente o acúmulo de pessoas no entorno dos bancos.

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Paralelo a isso, cerca de 30 funcionários da Secretaria de Saúde de Juazeiro do Norte estão circulando, todos os dias, na cidade para acompanhar os locais de maior incidência de pessoas. "Nossa ronda acompanha supermercados, petshops, padarias, mercantis, mercearias, açougues, bodegas e farmácias", descreve o coordenador da Vigilância Sanitária do Município, David Antônius da Silva Marrom. "Onde encontramos problemas deixamos uma notificação. Num primeiro momento, o trabalho é educativo. Se insistir no problema, o empreendimento pode ser fechado, multado", garante.

Em Iguatu, o coordenador da Vigilância Sanitária, Samuel Bezerra, disse que é feito um trabalho educativo semelhante. "As pessoas estão mais afastadas e esperamos que os clientes sejam conscientizados sobre a gravidade da doença", disse. Os agentes da Guarda Municipal e do Demutran também estão fiscalizando o centro comercial com o objetivo de evitar aglomerações e manter a distância entre as pessoas.

Em Quixadá, no Norte do Estado, bares estão funcionando e os moradores ainda mantêm a rotina de conversas ao fim de tarde. "A fiscalização nesses pontos mais afastados da cidade é mais difícil", observa o assessor da Prefeitura, Ítalo Correia. "Quando tomamos conhecimento, enviamos uma equipe ao local para reforçar a importância de se manter distância entre elas".

Cobrança

O presidente da Associação dos Municípios do Ceará (Aprece), Nilson Diniz, disse que tem reforçado aos gestores a necessidade de se manter o isolamento social e o cumprimento do decreto estadual sobre as atividades que devem permanecer fechadas, mas observa que há dificuldades. "Não é fácil, pois alguns não compreendem, ainda não acreditam, pois a doença não chegou à maioria das cidades. Trata-se de um inimigo invisível", frisou.

Com o passar dos dias e o surgimento de casos graves e até de morte de pessoas mais próximas, ele acredita que haverá mudança de comportamento. "Não é que o sertanejo se comporte de forma diferente de quem mora na Capital, mas porque ainda não sentiu o problema de perto", pontuou Diniz.

O doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ), Jorge Luan Teixeira, explica que não se pode ignorar as diferenças culturais entre pequenas e grandes cidades e pontua que "apenas com muito tempo, trabalho educativo e, eventualmente, sanções, os decretos conseguem dobrar o que muitos anos de prática e pensamento solidificaram sob a forma de cultura".

Ele concorda com Diniz e acredita que o isolamento no interior só terá adesão quando houver "um aumento significativo dos casos".

>> Análise
Jorge Luan Teixeira, Doutor em Antropologia Social 

Situações como esta que estamos vivenciando exemplificam como os seres humanos são inerentemente seres sociais. Nenhum ser humano é uma ilha. Sentimos falta do contato próximo com outras pessoas. Todas as sociedades humanas que existiram ou existirão são fundadas em trocas: econômicas, por certo, mas também troca de signos linguísticos, de afeto e troca de contato físico. Suprimir ou restringir ao máximo possível essas trocas equivale, no fundo, a cortar parte significativa do que nos faz humanos. Quando se pensa em cidades do interior cearense, as formas de sociabilidade são ainda mais íntimas do que nas grandes cidades que tendem para uma maior impessoalidade e certa “frieza” no trato de uma pessoa com as outras.