A súbita crescente de mortes e novos casos confirmados do novo coronavírus, além do colapso da rede hospitalar, são alguns dos fatores que justificam a adoção de lockdown em cinco cidades do Interior cearense. Juntas, Santa Quitéria, Meruoca, Mombaça, Palhano e Pentecoste - último Município a decretar a medida mais rígida - somam quase 150 mil habitantes e 7.530 infectados, conforme dados do IntegraSus, plataforma oficial da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
Em comum entre elas está o colapso na rede hospitalar. Em alguns casos, como Santa Quitéria, pacientes estão sendo transferidos para outras cidades por falta de leitos e, em Palhano, infectados em estado gravem esperam por vagas de UTI. Sem leitos suficientes para atender a alta demanda, gestores da saúde avaliaram como "urgente" a necessidade extrema de cessar a circulação de pessoas para tentar conter ou mitigar a transmissão do vírus.
A virologista, epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Caroline Gurgel destaca que a única forma de "frear essa rápida disseminação é adotando medidas mais duras".
Santa Quitéria: "Dias sombrios pela frente", destaca secretário
Há uma semana, pouco antes de Santa Quitéria decretar lockdown, o número de novos casos diários mais que dobrou em comparação com a média de janeiro e início de fevereiro deste ano que "era cerca de 30", conforme o secretário da Saúde do Município, Adeilton Mendonça. "Chegamos a 72 casos em um único dia. Para uma cidade do nosso porte, é um número muito alto", ilustra.
Diante da manutenção dos altos indicadores a rede hospitalar colapsou. O hospital de campanha aberto em fevereiro, com 12 leitos de enfermaria, já não suportava a demanda e pacientes em estado grave começaram a ser transferidos para cidades como Sobral e Fortaleza, locais cuja taxa de ocupação de leitos está acima dos 90%. Com tantos pacientes em estado grave, o consumo de oxigênio no Município neste início de março cresceu quatro vezes no comparativo com fevereiro.
"Prevemos que dias sombrios estavam por vir pela frente. A situação era muito preocupante. Então não tivemos outra alternativa senão decretar o lockdwon por sete dias", justificou Adeilton.
Embora o cenário se revelasse preocupante, a adesão da população não foi imediata, conta o titular da Pasta. "Nosso município tem mais de 4 mil km de área, é o maior em território do Estado, então é muito difícil fiscalizar. Recebemos muitas denúncias de aglomerações e festas clandestinas, mas a fiscalização não tinha como ser onipresente. Focamos no Centro da cidade, onde está concentrado o maior número de casos, mas, e as comunidades? E as localidades mais afastadas?", expõe.
"Quando os casos não pararam de crescer e as mortes começaram a aparecer, só então parte da população se deu conta da gravidade", completa Adeilton. Na última semana, apenas a segunda-feira (2) não registrou mortes. "No resto, perdemos vidas todos os dias. Já tivemos até três óbitos em apenas 24 horas", lamenta o secretário ao analisar que o maior desafio no combate ao novo coronavírus "é conseguir conscientizar a população".
Adeilton revela que a cidade já não tem suporte para responder à demanda caso continue crescente e ressalta que "para expandir a capacidade de cobertura, é preciso o envio de verba do governo federal e estadual. O Município teve uma alta na compra de insumo, no reforço dos profissionais médicos, na compra de oxigênio, estamos no limite. A situação é delicada".
Hoje o comitê de crise do Município se reúne para analisar os indicadores desta semana em que a cidade esteve em lockdown e, pautado nos números, a gestão decidirá se prorroga o estado de isolamento rígido - vigente até amanhã, dia 3 - ou se adota medias mais flexíveis ao comércio, por exemplo.
"Se eu for analisar de forma fria, pensando apenas da saúde, não tenho dúvida que o melhor a se fazer é instituir lockdown por 30 dias. Mas sabemos que não é uma decisão fácil. Tem inúmeros outros fatores que devem ser analisados e considerados, por isso a decisão é conjunta. Mas confesso que tememos o pior, tememos ainda por dias sombrios", concluiu.
Números de Santa Quitéria:
- 100% dos 12 leitos de enfermaria do hospital de campanha estão ocupados;
- 4 pacientes estão em observação no hospital municipal e aguardam vaga para serem transferidos ao hospital de campanha;
- 11 pacientes foram transferidos para as cidades de Sobral (9), Crateús (1) e Fortaleza (1)
- Santa Quitéria tem 2.587 infectados e 26 óbitos por decorrência da Covid-19
- A prefeitura estuda criar mais seis leitos de enfermaria no hospital de campanha, totalizando 18
- Ontem (2) foram 67 casos confirmados, segundo maior número em um dia neste ano de 2021
Meruoca: "Cenário atual é assustador", revela secretária
Com 888 casos confirmados, quase 150 a mais do que o observado em janeiro deste ano, Meruoca viu, a partir de fevereiro, a curva de novas infecções interromper uma tendência decrescente que já se estendia desde agosto do ano passado, época em que os casos declinaram.
Agora, Jesilene Duarte, secretária da saúde do Município, classifica o cenário como "assustador". Segundo ela, a doença tem se mostrado mais "agressiva" nesta segunda onda e bem mais letal, o que dificulta a ação dos profissionais da saúde.
"Na primeira onda os sintomas identificados nas enfermarias e emergências eram mais leves e o avanço da doença ocorria de forma mais gradual e comedida. Agora estamos percebendo que o contágio e o agravamento do quadro é recorrente em todas as faixas etárias. Os pacientes estão chegando mais graves nas unidades de saúde e o avanço ocorre de forma muito abrupta. É comum o paciente dar entrada na unidade de saúde no começo da semana de transferência para unidades de tratamento intensivo ainda na mesma semana", destaca.
Foi esse retrato mais grave da pandemia que levou o Município a decretar lockdown no último dia 27 de fevereiro. Dos 18 leitos de enfermaria disponíveis no Município, apenas três estão vagos. Sem UTI, pacientes mais graves são levados ao Hospital Regional Norte (HRN), em Sobral, que atualmente das 60 vagas de UTI, 57 estão ocupadas.
"Temos uma ala do hospital totalmente disponível para pacientes com a doença, com médicos 24 horas por dia em regime de plantão. E mesmo com toda essa estrutura, estamos chegando próximo ao limite da nossa capacidade operacional. Não podíamos esperar o sistema colapsar completamente, era preciso tomar decisões mais duras para conter aglomerações e movimentações de pessoas contaminadas", detalhou Jesilene.
O lockdown em Meruoca tem vigência até a próxima sexta-feira (5). O comitê de combate à Covid-19 vai se reunir ao fim da semana e deliberar quanto a prorrogação ou não da medida.
Números de Meruoca:
- Dos 18 leitos de enfermaria, 15 estão ocupados;
- Em fevereiro foram registrados 100 novo casos, maior índice desde julho de 2020;
- Meruoca tem ao todo 888 infectados e 31 óbitos por decorrência da Covid-19;
Palhano: início de 2021 já registra mais casos do que todo o ano passado
Em apenas dois meses, o número de infectados em 2021 já supera a soma de todo o ano passado. De janeiro até agora, são 242 novos casos no Município do Vale do Jaguaribe. Em 2020 foram 222. Para agravar ainda mais a situação, dos seus dez óbitos registados pela doença, quatro ocorreram em 2021.
“O nosso nível de contágio está altíssimo, segundo a avaliação da própria Sesa”, justifica a secretária da Saúde do Município, Izabel Cristina Alves.
Esse aumento expressivo motivou o decreto que impôs o lockdown desde o último dia 27 de fevereiro, medida que segue até o próximo dia 7 de março, proibindo abertura de todas as atividades não essenciais, sob pena de pessoas físicas ou jurídicas que violarem as regras pagar uma multa de R$ 234 a R$ 8.424.
Outra grande preocupação é oferta de leitos. O Hospital Municipal não dispõe de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), obrigando a cidade a procurar vagas em outros municípios. Inclusive, a própria secretária admite que há um caso grave da Covid-19 na sua unidade de saúde aguardando ser transferido. Atualmente, há outros dois pacientes de Palhano em estado grave internados em Fortaleza e Limoeiro do Norte. “Por isso, tivemos que tomar as medidas cabíveis”, reforça a gestora.
Na sua percepção, desde que o decreto entrou em vigor, o número de pessoas nas ruas diminuiu, apesar de ainda encontrar uma certa resistência. “Mas consideramos isso normal pelo tempo que ficou parado. De maneira geral, teve uma boa aceitação. O fluxo na cidade caiu”, descreve Izabel. O destacamento da Polícia Militar na cidade tem dado o apoio. Por outro lado, nenhum comerciante ainda foi multado.
“Não estamos no sentido de punir, mas de orientar a população. Antes de tomar qualquer medida, procuramos conscientizar. Nos dois decretos passados, a gente já vinha criando restrições, fechando bares, espaços de lazer e proibindo consumo de bebidas alcóolicas em espaços públicos. Agora, estamos mais atentos”.
A Secretaria de Saúde de Palhano espera inaugurar, na próxima quinzena de março, seu Centro de Atendimento a Covid, que receberá os casos suspeitos da doença. A unidade vai dispor de dois leitos clínicos, sala para coleta de exames e ambulatório.
Os profisionais da saúde já foram capacitados junto à Superintendência de Russas, que é referência em sua região. “Como não temos UTI e essa é uma das nossas angústias, o paciente fica em observação, aguardando as vagas nas regiões polo”, antecipa.
Números de Palhano:
- Dois pacientes em estado grave estão internados em Limoeiro do Norte e Fortaleza. Outro aguarda por uma vaga na UTI;
- A Incidência de casos de COVID-19 por dia / 100 mil habitantes é de 552,7, uma das mais altas do Estado;
- Em março, vai dispor de dois leitos de enfermaria na Unidade Covid;
- Palhano tem 464 casos e 10 mortes.
Mombaça: Três óbitos em menos de 24 horas motivou lockdown
No dia 23 de fevereiro, três mortes por Covid-19 em apenas um dia levou os gestores de Mombaça, na região do Sertão Central, a tomar medidas mais rígidas para conter o avanço da doença. Além disso, outro fator determinante foi o percentual de exames positivos.
De um total de 113 testes realizados na última semana de feveiro, 75 (56%) confirmaram coronavírus. Diante deste cenário, o poder público se reuniu e definiu por um decreto que instituiu o lockdown no Município, que seguiu até o último dia 1º.
“Nunca é uma decisão fácil, pelo que vivenciamos em 2020, mas foi necessário por conta do momento que a gente vive”, explica a secretária da Saúde Liane Alencar.
O comércio inteiro fechou as portas, com exceção de farmácias, laboratórios e as unidades de saúde. Até mesmo os bancos e casas lotéricas não puderam funcionar. “O decreto saiu rapidamente porque, sabendo que iam fechas as portas, a população lotaria o comércio e bancos”, justifica a secretária.
De certa forma, Liane acredita que a população esperava que houvessem medidas mais rígidas, “ainda que têm aqueles que não cumprem”, pontua. Por cinco dias, a Vigilância Sanitária, com apoio da Polícia Militar, Guarda Civil e, até mesmo, os agentes de endemias, fiscalizou de forma rigorosa toda a cidade. “Talvez agora no final desta semana consiga ter respostas se o decreto anterior teve sucesso”, observa.
Com o fim do decreto, “parece que voltou a vida normal. Está complicadíssimo”, classifica a secretária, citando que o comércio e os bancos estão, novamente, todos lotados. Se os números continuarem indicando um crescimento, Liane indica um novo lockdown nos próximos dias.
“As previsões para os próximos dias são piores, então, há possibilidade (de um novo decreto). Vamos fazer o que for necessário”.
Isso se justifica também pela situação das suas unidades de Saúde. No total, Mombaça soma 27 leitos clínicos, sendo 23 no Centro Covid e quatro no Hospital Municipal. A média de ocupação está entre 70% a 80%. Soma-se a isso a falta de leitos de UTI, tendo que recorrer a cidades como Quixeramombim, Iguatu, Crato e Juazeiro do Norte, que fica a 240 quilômetros de distância.
Números de Mombaça:
- O município soma 2.008 confirmados e 46 óbitos pela Covid-19;
- O nível de alerta em Mombaça é classificado como altíssimo pela Sesa, principalmente pela incidência de casos por dia/100 mil habitatantes é de 499;
- 21 dos 27 leitos de enfermaria estão ocupados.
Pentecoste: Toque de recolher começa sexta e se estende até a próxima segunda-feira
O município de Pentecoste foi o quinto a decretar lockdown. A motivação foi a alta transmissão do vírus. Já são quase 300 novos casos confirmados do novo coronavírus somente em 2021. A medida restritiva se estende até a próxima segunda-feira (8) e inclui toque de recolher de 72 horas, começando na próxima sexta-feira (5) e se estendendo até o início da semana.
Neste intervalo, fica proibida circulação de pessoas, com exceção para a função dos serviços de entrega, para o deslocamento das atividades essenciais ou em razão do exercício da advocacia em defesa da liberdade individual, ficando os responsáveis sujeitos a medidas de advertência e multa, conforme medida Estadual.
O que pode abrir:
Durante os quatro dias apenas serviços essenciais poderão funcionar e em horários específicos. Os estabelecimentos liberados são:
- Serviços públicos essenciais, 24h;
- Farmácias, 24h;
- Hospitais e demais unidades de saúde e de serviços odontológicos e veterinárias de emergência, 24h;
- Laboratórios de análises clinicas relacionadas a COVID-19, 24h;
- Imprensa e meios de comunicação, 24h;
- Funerárias, 24h;
- Velórios limitados a 15 pessoas com duração de até 2h;
- Postos de combustíveis 24h;
- Supermercado poderão operar somente em regime de delivery e com portas fechadas das 7h até as 18h.