Qual o papel de Ciro Gomes na movimentação política do Ceará

A série Influências Políticas, do Diário do Nordeste, apresenta como diferentes lideranças atuam na estratégia eleitoral do Estado em 2022

Em dois dias seguidos na última semana, o ex-ministro e pré-candidato à presidência da República, Ciro Gomes (PDT), deflagrou desentendimentos com aliados políticos e empresários cearenses, no Estado que é seu berço político e onde ele registra historicamente bons desempenhos eleitorais.

Ao longo da carreira, o ex-mandatário coleciona desgastes provocados pelas próprias declarações públicas e por ofensas que dispara contra adversários e aliados. 

Desta vez, ataques do pedetista têm reflexos agravados no cenário político-eleitoral, em um momento de turbulência entre PDT e PT no Ceará – as duas maiores siglas do Estado em número de mandatários, e justo quando a oposição desenha um cenário eleitoral dos mais competitivos nos últimos 15 anos, com apoio do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) e forte apelo ao empresariado que foi alvo do pedetista. 

Na semana em que Ciro Gomes protagonizou mais uma série de atritos, o Diário do Nordeste ouviu analistas políticos e lideranças partidárias para entender o papel do pedetista na movimentação política do Ceará. 

A reportagem faz parte da série Influências Políticas, que apresenta como diferentes lideranças atuam na estratégia eleitoral do Estado em 2022.

Embate

“Ciro não tem uma capacidade de articulação agregadora, é uma figura de embate, ele não concilia, ele parte para cima, é uma figura bélica, uma figura de armas, não é de contemporizar”
Cleyton Monte
Analista político, professor universitário e pesquisador do Lepem-UFC

O acadêmico pesquisa há anos “os caminhos do poder no Ceará”, com foco nos governos Cid.

Nesta semana, Ciro virou a artilharia contra o PT, afirmando ter um “lado corrupto do PT” do Ceará. O pedetista atacou a ex-prefeita Luizianne Lins (PT), com quem dividiu palanque de 2006 a 2012. O ex-mandatário ainda levantou acusações contra o ex-senador Eunício Oliveira (MDB), de quem também já foi aliado. Outro cearense alvo do pedetista nesta semana foi Afrânio Barreira, um dos sócios da rede de restaurantes Coco Bambu.

No entanto, conforme Cleyton Monte, o foco de Ciro é na política nacional, já que ele nutre um projeto histórico de ser presidente. Nesta arena, o pedetista dispara diariamente contra o atual presidente, Jair Bolsonaro, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de quem foi ministro. Os dois adversários do ex-ministro lideram a corrida eleitoral deste ano, na qual Ciro aparece em terceiro.

“Desde os anos 1990, quando foi ministro, que ele foca no cenário nacional. O sonho dele é ser presidente e as movimentações dele são nesta linha. Por isso, costumo dizer que o líder do grupo no Ceará, de fato, é o senador Cid Gomes. O Ciro há tempos está mais focado em grandes debates, no cenário nacional”, explica Monte.

Para falar do ex-ministro, aliados e cientistas políticos logo citam Cid Gomes (PDT), ex-governador do Ceará. Os dois são apontados, de forma unânime, como figuras “complementares”. Na “divisão de tarefa familiar”, Cid cuida de garantir a força do grupo Ferreira Gomes no Ceará, já Ciro dedica suas articulações à conjuntura nacional.

Ceará à parte

Não à toa, o grupo governista cearense traz peculiaridades, como uma aliança histórica entre o grupo do pedetista e integrantes do PT Ceará mesmo em meio a tantos embates a nível nacional. Conhecido por suas falas duras até mesmo contra grupos aliados, Ciro, por outro lado, comanda o grupo com uma das maiores alianças estaduais já registradas. 

Liderança política cearense e aliado de Ciro e Cid Gomes, o ex-vice-governador do Ceará Domingos Filho (PSD) confirma essa tese de gestão de poder dividida entre os irmãos. 

“Ciro tem, evidentemente, uma forma dele de liderar, e foi quem abriu caminho, quem construiu o grupo pela força do trabalho e de manifestações de suas indignações. Sempre tem quem goste e quem não goste, mas o fato é que ele tem posições colocadas com firmeza. Ele diz aquilo que muitos querem dizer e se recusam a dizer”
Domingos Filho (PSD)
Ex-vice-governador do Ceará

Essa definição, segundo ele, contrasta com Cid, que tem temperamento mais “comedido e trabalha com mais paciência o processo de construção”. “Se completam e se ajudam”, resume. Entre as lideranças locais, a proximidade maior é com o senador, mas os discursos sobre Ciro são de moderação.

“Se não fosse essa rebeldia, ele não teria conquistado os espaços nacionais e nem alçado voos que alçou e vem alçando, tanto que ele nunca perdeu eleição no Ceará”, ressalta Domingos. A última vitória de Ciro nas urnas foi em 2006, quando tornou-se deputado federal pelo Ceará. Desde então, ele nunca mais exerceu cargos eletivos. 

Político cajueiro

O político – e seu irmão – costuma definir-se fazendo uma analogia com duas plantas comuns no Ceará. “Tem algum outro partido com tantas lideranças qualificadas e preparadas como o PDT no Ceará? O PDT não é mangueira. O PDT é cajueiro”, repete. Ele explica que as mangueiras não permitem o nascimento de outras plantas em seu entorno, enquanto o cajueiro permite.

Cleyton Monte reconhece que o modelo de liderança da família Ferreira Gomes é de “compartilhamento de poder”, mas essa autonomia tem limites, segundo ele.  

“Quando ele fala do cajueiro, de fato, ele abre espaço para várias lideranças, como Camilo Santana, Roberto Cláudio, Izolda Cela e várias figuras que vão se fortalecendo, mas, se essas figuras pretendem ter voz mais ativa, elas já têm uma certa dificuldade. É o caso do Domingos Filho, do Eunício Oliveira, que nunca fez parte do grupo, mas queria mais espaço”
Cleyton Monte
Analista político, professor universitário e pesquisador do Lepem-UFC

Para o deputado federal Denis Bezerra, presidente do PSB, Ciro é, na verdade, o “articulador maior” de um projeto de desenvolvimento para o Ceará. “É um estilo único que ele tem de agregar o máximo possível, mas, quando provocado, responde à altura. Ele está dentro de um contexto geral de uma continuidade, de um projeto de desenvolvimento para o nosso Estado”, aponta.

Trajetória até o poder

Conforme destaca o cientista político Josênio Parente, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o ex-ministro se destacou rapidamente na política pela capacidade de encarar debates. Filho do ex-prefeito de Sobral, José Euclides Ferreira Gomes Júnior, Ciro começou a carreira política já como deputado estadual no Ceará, cargo que exerceu durante dois mandatos.

Ele ainda foi prefeito de Fortaleza e governador do Ceará. A partir dos anos 1990, começa a mirar a arena nacional. A partir daí, ocupa os cargos de ministro da Fazenda, no Governo Itamar Franco, e da Integração Nacional, no Governo Lula. Além de deputado federal entre 2007 e 2011.

“Ciro Gomes perpassou vários grupos que estavam no poder. Como liderança política, ele tem, até agora, uma duração no poder semelhante a outros grupos passados. O dele é maior porque teve a aprendizagem pela qual passou como aliado do ex-governador Tasso (Jereissati) e do PT”
Josênio Parente
Cientista social e professor universitário

“Quando o Tasso estava no poder, ele era ministro, mas o Tasso era quem liderava. O PT também, que deu apoio forte ao Ciro e, depois, ele se fortaleceu e vem de forma autônoma desde então”, acrescentou.

O deputado estadual e presidente do PDT no Ceará, André Figueiredo, e o presidente do PL no Ceará, Acilon Gonçalves, aliado histórico de Ciro, foram procurados pela reportagem, mas não responderam.