Passe Livre: como funciona a gratuidade do transporte público em quatro cidades do Ceará

Primeira iniciativa começou em 2011, com Eusébio, e agora Fortaleza poderá se tornar mais uma das capitais no País a implementar a política pública

O impacto da experiência pós-pandêmica nos sistemas de transporte público Brasil afora serviu como a mola propulsora para a discussão em torno da gratuidade em grandes centros urbanos. Só para se ter uma dimensão do problema, dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) indicam que, entre 2019 e 2022, houve uma queda de 24,4% na demanda do modal.

Com o projeto de lei que prevê a implementação do "Passe Livre Estudantil" que chegou à Câmara Municipal nessa segunda-feira (25), Fortaleza poderá ser mais uma das capitais brasileiras a estabelecer a isenção do pagamento de tarifas de utilização do transporte coletivo urbano.

Num primeiro momento, conforme prevê a proposta remetida ao Legislativo fortalezense, o raio de beneficiários ficará restrito aos estudantes residentes na cidade. Mas, como já disse o prefeito José Sarto (PDT), a intenção é que a política também passe a incluir de forma gradual outros segmentos da população.

O fato consumado é que, no Ceará, a medida tem avançado lentamente em algumas cidades desde 2011. Atualmente, quatro municipalidades da Região Metropolitana de Fortaleza fazem parte da lista composta por mais de 60 em todo o Brasil que já aderiram à "tarifagem zero". A lista inclui Aquiraz, Caucaia, Eusébio e Maracanaú.

Caucaia

Caucaia, aliás, é a maior localidade brasileira a oferecer o serviço de maneira totalmente gratuita para a população. Todos os habitantes têm direito ao benefício. Criado em 2021 pelo prefeito Vitor Valim (PSB), o "Bora de Graça" - como a iniciativa foi batizada na cidade - transporta aproximadamente 2 milhões de usuários por mês, conforme a gestão.

A base de cálculo para a contratação e remuneração das empresas que prestam o serviço público deixou de ser o preço fixo por usuário, mas pelo quilômetro rodado. O custeio do transporte se dá pela Prefeitura Municipal de Caucaia, que investe cerca de R$ 3 milhões por mês, algo que representa 2,46% dos recursos do seu orçamento regular. 

Ao todo, segundo informou a gestão, o sistema "Bora de Graça" é operado por 80 ônibus, que rodam em mais de 20 linhas urbanas.

Eusébio

Embora Caucaia seja a maior cidade com um sistema operado sem a cobrança de passagens, Eusébio foi a primeira a definir a política pública como uma prioridade em todo o Estado e também no Norte e Nordeste do País.

Tudo começou em 2011, quando a administração municipal criou o Transporte Regular Urbano (TRUE) que, nos dias atuais, conta com 12 linhas e atende a 24 bairros. No total, 120 mil passageiros são transportados mensalmente. Os recursos financeiros que sustentam o modelo saem do Erário municipal e representam, de acordo com a Prefeitura, menos de 1% do recurso disponível.

Além do sistema em si, desde o início do ano passado, quem embarca nos veículos conta ainda com um aplicativo de acompanhamento dos itinerários em tempo real, o "Meu Ônibus TRUE", gerido pela Autarquia Municipal de Trânsito (AMT) de Eusébio.

Aquiraz

Em Aquiraz, os coletivos são operados pelo Sistema Gratuito de Transporte Urbano (TGA). A modelagem escolhida permite a todo e qualquer morador do Município, estudante ou não, utilizar as linhas sem o pagamento de tarifas.

Gestado em 2018, por força de uma lei municipal publicada em junho daquele ano, a operacionalização e normatização do TGA foi definida mediante um decreto baixado um mês após a criação do primeiro dispositivo legal a versar sobre a temática. 

Na cidade, o transporte é gerido pela Secretaria de Infraestrutura, que, segundo a legislação, poderá utilizar de uma frota própria ou terceirizada para atender os passageiros. O custeio do funcionamento se dá através do orçamento próprio da pasta responsável.

Maracanaú

Em Maracanaú, a lei que cria o "Maracanaú Passe Livre" foi sancionada em novembro de 2021, no formato de uma política pública voltada ao social, porém a cidade só passou a ter o passe livre em maio de 2022. 

Inicialmente, o programa foi destinado a pessoas com inscrição atualizada no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), estudantes residentes em Maracanaú e bolsistas do programa de qualificação do Município. 

Em abril deste ano, a prefeitura ampliou a abrangência da tarifa zero e passou a beneficiar também os agentes comunitários de saúde e de endemias, as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e seus acompanhantes, os bolsistas do Programa Convivência para Ser e Aprender e o povo indígena Pitaguary.

O controle de acesso é feito por meio de um cartão de uso individual, e os estudantes têm que comprovar frequência mínima de 75%.

A gestão do programa - tanto do ponto de vista orçamentário quanto de operacionalização - é compartilhada, envolvendo as Secretarias de Assistência Social e Cidadania, Educação, Trabalho, Emprego e Empreendedorismo, Juventude e Lazer e Infraestrutura, Mobilidade e Desenvolvimento Urbano.

Segundo a gestão de Maracanaú, o volume de passageiros transportados atualmente chega a cerca de 2,2 milhões de maneira gratuita. Aproximadamente 75% dos usuários já se deslocam sem pagar tarifa.

Estado quer passe livre metropolitano

Promessa de campanha do governador Elmano de Freitas (PT), o passe livre metropolitano é um projeto elencado como prioridade pelo Governo do Estado. O programa deverá se chamar "Vai e Vem Livre". A previsão é colocar tudo em funcionamento até o fim do ano.

Como divulgado anteriormente, a intenção é que o projeto seja criado com base nos bancos de dados do cadastramento dos sistemas de bilhetagem já existentes nos municípios da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Pelo que disse o petista, o público-alvo da gratuidade serão as pessoas que comprovem a necessidade do benefício.

A projeção feita pelo Executivo cearense é de que sejam gastos R$ 250 milhões para bancar a medida e que haja um aumento no número de ônibus que rodam entre as cidades para que a oferta se adeque à demanda. 

Em julho, quando falou ao Diário do Nordeste sobre os ajustes necessários para a efetivação do compromisso, o chefe do Palácio da Abolição afirmou que negociava com o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus) a instalação de máquinas de leituras de cartões em todos os ônibus do transporte coletivo. Ele já havia revelado que pretendia conversar com os prefeitos da RMF para tratar da adesão dos entes públicos ao passe livre.

Debate nacional

A história do passe livre no Brasil remonta à década de 1990, quando a então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina (Psol), lançou a ideia. A proposição, no entanto, foi vencida e não teve nenhuma aplicabilidade. O debate voltou a ocupar o noticiário a partir de 2013, quando o Movimento Passe Livre (MPL) - fundado ainda nos anos 2000 - levou a reivindicação para as ruas, na ocasião das chamadas "Jornadas de Junho".

Desde o início do debate em torno do tema, há mais de trinta anos, 67 municípios brasileiros implementaram a tarifa zero em seus sistemas, conforme dados da NTU. Os desenhos escolhidos por cada um deles são distintos.

A primeira experiência uniforme só aconteceu no ano passado, durante o segundo turno das eleições gerais, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), mediante uma decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso, acatou um pedido ingressado pela Rede. 

Na oportunidade, o magistrado liberou as prefeituras e empresas concessionárias para oferecerem, voluntariamente, o serviço de transporte público de forma gratuita no dia da votação, sem que isso incorresse em punições eleitorais ou ações de improbidade.

Na transição, o gabinete montado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se debruçou sobre o assunto. Propositor de medida sobre o assunto no Congresso Nacional, o deputado federal e ex-secretário de Transportes da Capital paulista, Jilmar Tatto (PT), defendeu que o Planalto passasse a pensar num modelo integrado de mobilidade, seguindo o exemplo de divisão tripartite do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ele propõe a criação do "Programa Tarifa Zero", que seria de adesão voluntária pelas gestões municipais. Sem limite de viagens, dias e horários aos portadores do bilhete, o benefício poderá ser válido para linhas municipais, caso os Municípios envolvidos adiram.

As empresas instaladas nos lugares que aderirem terão que participar dos gastos de deslocamento do trabalhador por meio de contribuição repassada para a Prefeitura. Desta forma, ficariam imunes do pagamento do Vale-Transporte aos seus empregados.

Outra proposição que tenta tornar a isenção uma política nacional é a da deputada federal Luiza Erundina, apresentada em maio deste ano à Mesa Diretora da Casa Legislativa. O texto da parlamentar paraibana propõe que seja criada uma rede de transporte pública, universal e gratuita, nomeada como Sistema Único de Mobilidade. 

A matéria também idealiza que o novo formato seja financiado por um tributo a ser instituído, pago pelos proprietários de veículos e empregadores e por verbas advindas das diferentes esferas do Poder Público. Ao justificar a PEC, Erundina mencionou que ela efetiva o que está contido na Emenda Constitucional 90, proposta por ela e promulgada em 2015. Nela, está descrito que o transporte é considerado como um direito social constitucional.