O que os políticos estão fazendo para barrar o aumento na conta de energia no Ceará?

Semana foi de mobilização de forças políticas para tentar sustar o reajuste de quase 25% anunciado pela Enel na conta de energia dos cearenses

Nos dez dias que correram após a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizar o reajuste de 24,85% na conta de energia no Ceará, parlamentares cearenses de oposição e da base governista mobilizaram forças políticas para tentar barrar na Justiça o aumento, considerado, consensualmente, abusivo. Além disso, os deputados se unem em uma investida ainda mais pesada contra a Enel — empresa privada autorizada a distribuir energia para o Estado. 

Além do projeto de decreto legislativo que tramita na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado federal cearense Domingos Neto (PSD), e que, atualmente, passa pela análise da Comissão de Minas e Energia da Casa, a Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE) vai criar uma comissão suprapartidária para avaliar o contrato de concessão pública da empresa. 

A ideia é que o colegiado avalie se todas as cláusulas do contrato de fornecimento de energia estão sendo cumpridas e respeitadas pela Enel. 

A Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE) já constatou, por exemplo, que a concessionária violou regras do Código de Defesa do Consumidor e elevou as tarifas do serviço “sem justa causa”, embora tenha feito isso em acordo com a Aneel, que estabelece reajustes anuais com base em parâmetros nacionais. 

“Estamos juntos em prol de barrar esse reajuste. É inadmissível, no momento que o Brasil atravessa, tentando ter sua recuperação econômica, a empresa de distribuição de energia [do Ceará] apresentar o maior aumento em todo o Brasil”, justificou o presidente da Assembleia Legislativa, o deputado estadual Evandro Leitão (PDT). 

Há, também, na Assembleia, uma movimentação encabeçada pelo deputado estadual Delegado Cavalcante (PL) para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar outras irregularidades atribuídas à Enel, como o aumento da taxação às provedoras de internet e outros motivos constantes de reclamações de usuários sobre a empresa, como: 

  • Contas duplicadas sem resolução; 
  • Cobranças abusivas; 
  • Cortes de energia em residências com pessoas com deficiência; 
  • Cortes de energia por inadimplências inexistentes; 
  • Cobranças indevidas de iluminação pública, sem acordo com as prefeituras. 


Apesar de não ter muita ingerência sobre o assunto, que é mais de âmbito estadual e federal, a Câmara Municipal de Fortaleza também tem se articulado para manter em pauta o assunto.  

Um requerimento dos vereadores Danilo Lopes (Avante) e Dr. Luciano Girão (PP) foi lido na sessão desta quinta-feira (28) para que a Câmara solicite uma audiência pública para tratar da distribuição de energia elétrica na Capital e da aplicação específica de taxas e tarifas. A medida é mais uma pressão política para fechar o cerco contra a concessionária de energia. 

“Vamos nos somar aos esforços que estão sendo feitos na Assembleia, pelo Decon [Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor] e outros órgãos, para que a gente tenha sucesso”, disse Luciano Girão em vídeo publicado na conta do Instagram de Danilo Lopes. 

Leia, abaixo, um resumo das principais iniciativas tomadas pelos políticos nesta semana. 

Decreto legislativo 


O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 94/2022, de autoria do deputado federal cearense Domingos Neto, foi apresentado à Câmara dos Deputados na penúltima quarta-feira (20), um dia após o anúncio de reajuste feito pela Enel. 

Cinco dias depois, na última segunda-feira (25), foi apresentado à Casa um pedido de urgência para acelerar a tramitação do projeto.  

O colunista Inácio Aguiar, do Diário do Nordeste, informou, à época, que líderes de seis dos maiores partidos na Câmara Federal assinaram o requerimento de urgência, que foi de autoria do deputado federal Antônio Brito (BA), líder do PSD, partido de Domingos Neto, na Casa. 

A movimentação dos parlamentares em âmbito federal pode desencadear uma discussão política mais ampla, sobre os reajustes praticados pelas concessionárias de energia em todo o Brasil. O assunto tem sido debatido, inclusive, com o presidente da Câmara Federal, o deputado Arthur Lira (PP-AL), segundo informou o deputado Domingos Neto ao colunista.

Concessão pública e ação judicial 


A comissão suprapartidária para avaliar os detalhes do contrato de concessão pública da Enel foi anunciada pelo presidente da AL-CE nesta quinta-feira (28), um dia após a Casa promover uma reunião técnica com a empresa para entender o que motivou o reajuste. 

“Para termos prudência, vamos, primeiro, estudar o contrato”, declarou Evandro Leitão, que também anunciou que a Assembleia deve ingressar com uma Ação Civil Pública contra a empresa, em conjunto com os ministérios públicos Federal e Estadual. 

Procurado pela reportagem, o Ministério Público do Ceará (MPCE) informou que ainda não tem atualizações sobre o assunto. Já o Ministério Público Federal (MPF) ainda não retornou. No entanto, há a previsão de que a ação seja protocolada até esta sexta-feira (29) ou até o início da próxima semana.

Em entrevista concedida ao Diário do Nordeste na quarta (27), logo após a reunião técnica com a Enel, o deputado estadual Fernando Santana (PT), vice-presidente da AL-CE, afirmou que foram esgotadas, ao longo desta semana, as tentativas de barrar o aumento pelo meio extrajudicial. “Pelo diálogo, vimos que não tem caminho. Temos que, agora, somar forças pelo caminho judicial, para barrar esse absurdo que é este aumento contra o povo”. 

O deputado disse ainda que “a prestação do serviço, que está péssima”, deve ser discutida em outro momento. “É uma coisa que vamos discutir corriqueiramente até chegar a uma solução. Agora, é sustar urgentemente esse aumento, para, aí, sim, entrar em outras vertentes”. 

Também defende a cassação da concessão pública o deputado estadual Guilherme Landim (PDT), que requereu a reunião técnica de quarta (27). “Temos que, urgentemente, encontrar um instrumento nessa casa para rediscutir essa concessão. Não dá mais. O que a gente tem visto no Ceará é um desmando completo”, afirmou o pedetista. 

Correligionário de Landim, o deputado federal Idilvan Alencar (PDT) também disse, nesta semana, antes de uma reunião entre os parlamentares e a governadora Izolda Cela (PDT), que deve ser reavaliada a concessão.  

“Não tem sentido. É o maior aumento do Brasil. E, em detrimento disso, é o pior serviço. A cadeia produtiva é um dos [elementos] que mais pesam na composição da energia elétrica e já tem movimento de bares e restaurantes querendo aumentar preço. Esse aumento completamente descabido vem na contramão do momento de retomada da economia”, disse Idilvan. 

CPI


Na reunião técnica ocorrida quarta-feira (27) na Assembleia, o deputado estadual Delegado Cavalcante afirmou ter iniciado um processo de coleta de assinaturas para abrir uma CPI para investigar denúncias contra a Enel. 

O parlamentar já havia proposto uma CPI semelhante em 2019, quando reuniu uma série de reclamações protocoladas por usuários da concessionária de energia aos órgãos locais de defesa do consumidor. “Concretizando isso, a gente vai entrar, finalmente, nas tantas irregularidades que essa empresa vem cometendo no Ceará”, declarou o deputado.

Segundo a coluna do jornalista Wagner Mendes, que ouviu o Delegado Cavalcante, a petição tem quatro assinaturas e outras quatro confirmadas. Os partidos PT e PDT devem responder ainda nesta semana como vão se posicionar a respeito do requerimento. 

Como se defende a Enel 


Na AL-CE, representando a Enel, o gerente de regulação da companhia, Gustavo Garcia, alegou, na quarta (27), que a maior parte do percentual do aumento corresponde ao reajuste que não foi aplicado em 2021 devido à crise hídrica e à pandemia de Covid-19. 

Já sobre a revisão do contrato de concessão, o representante disse que “a Enel está aberta a discussões” e que “continua fazendo investimentos”. Em nota à coluna do jornalista Wagner Mendes, a empresa declarou ter diminuído o número interrupções no fornecimento de energia e que a melhoria resulta de um “plano de ação estabelecido em conjunto com o regulador [Aneel], que tem como objetivo diminuir as incidências nas redes de média e baixa tensão”. 

Veja a nota na íntegra:

"É importante esclarecer que a parcela que cabe à companhia, cerca de 5,58%, é destinada à operação e manutenção de suas atividades, como equipamentos de distribuição de energia elétrica em sua área de concessão, para a melhoria da qualidade do serviço. Nos últimos dez anos, a empresa investiu cerca de R$ 6,4 bilhões somente no Ceará. Esse investimento já contribuiu com a melhora dos indicadores de qualidade. Só no ano passado, a duração média das interrupções no fornecimento de energia (DEC) apresentou uma queda de 27,2% em relação ao registrado no mesmo período do ano anterior. Já a frequência das interrupções (FEC), ou número de vezes em que o cliente ficou sem energia, apresentou uma redução de 18,7%. As melhorias observadas são resultantes de um plano de ação estabelecido em conjunto com o regulador, que tem como objetivo diminuir as incidências nas redes de média e baixa tensão. A companhia esclarece que tem compromisso com a população do Ceará e manterá a trajetória sobre a qualidade do serviço no Estado".