O que diz a bancada federal do Ceará sobre as declarações polêmicas de Romeu Zema

O governador de Minas Gerais defendeu a união dos estados do Sul e Sudeste. Ele também comparou o Nordeste com "vaquinhas que produzem pouco”

A bancada federal do Ceará — com exceção do senador Eduardo Girão (Novo) — condenou as declarações do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), sobre o Nordeste e em favor do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Consud). Os parlamentares têm demonstrado insatisfação e preocupação com a fala do mandatário mineiro, que, segundo eles, pode estimular a divisão do País e reforçar desigualdades sociais. 

As queixas ocorrem na esteira de outras manifestações de repúdio contra o governador de Minas Gerais. Na última segunda-feira (7), o governador Elmano de Freitas (PT) disse que o mineiro demonstrou “profundo desconhecimento do que é o Nordeste”. 

"E de um preconceito que eu imaginava superado, ainda mais vindo de um governador de um estado tão importante do Brasil, tão querido para nós nordestinos. Minas Gerais tem uma parte que participa do semiárido brasileiro, e eu esperava do governador de Minas um pouco mais de visão nacional", comentou. 

“Vaquinhas”

As falas de Zema foram dadas na semana passada, em entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo. Ele comparou o Nordeste com "vaquinhas que produzem pouco”.  O mandatário ainda declarou que os estados do Sul e Sudeste se uniram em consórcio para buscar protagonismo político e fazer frente ao Nordeste.  

"Já decidimos que além do protagonismo econômico que temos, porque representamos 70% da economia brasileira, nós queremos – que é o que nunca tivemos – protagonismo político. Outras regiões do Brasil, com Estados muito menores em termos de economia e população, se unem e conseguem votar e aprovar uma série de projetos em Brasília"
Romeu Zema (Novo)
Govenador de Minas Gerais — em entrevista ao Estadão

Líder do Governo Lula, o deputado federal José Guimarães (PT) logo rebateu os argumentos de Zema. “Ele deveria ter feito alguma coisa pelo Sul e Sudeste nesses 4 anos de Bolsonaro. Ficou o tempo todo bajulando e o que é pior, em Minas Gerais, não teve coragem de apoiá-lo no 1º turno com medo de perder a eleição. Essa elite carcomida e preconceituosa não passará", disse. 

Impasse sobre a Reforma Tributária

Uma das reivindicações de Zema, inclusive, é que as regiões Sul e Sudeste ocupem mais espaço no Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços, a ser criado pela Reforma Tributária. Em entrevista ao Estadão, o governador do Novo comemorou ter conseguido acrescentar, quando o projeto ainda estava na Câmara dos Deputados, um item que divide a representação no Conselho de acordo com a população do ente. 

Se aprovado junto com a reforma, o Conselho deve editar as normas infralegais sobre o imposto único, que integrará ICMS e ISS, por exemplo. 

“Eles queriam colocar um conselho federativo com um voto por Estado. Nós falamos: ‘não, senhor’. Nós queremos proporcional à população. Por que sete Estados em 27, iríamos aprovar o quê? Nada. O Norte e Nordeste é que mandariam. Aí, nós falamos que não. Pode ter o Conselho, mas proporcional. Se temos 56% da população, nós queremos ter peso equivalente”, argumentou. 

De acordo com a matéria, a divisão de assentos do Conselho Federativo ficou da seguinte forma:  

  • 27 membros, representando cada Estado e o Distrito Federal; 
  • 27 membros, representando o conjunto dos Municípios e do Distrito Federal, que serão eleitos nos seguintes termos: 
  1. 14 representantes, com base nos votos de cada município, com valor igual para todos; 
  2. 13 representantes, com base nos votos de cada município ponderados pelas respectivas populações. 

Para o deputado federal Mauro Filho (PDT), coordenador da bancada em cearense em exercício, a divisão não é o problema, mas sim outro item da proposta que vincula a aprovação de medidas no âmbito do Conselho à maioria absoluta dos votos entre representantes dos estados, desde que eles correspondam a mais de 60% da população, como também nos grupos dos municípios.  

O deputado ressalta que é impossível o Norte e o Nordeste, até mesmo com o Centro-Oeste, atingir mais de 60% da população sem precisar de votos de estados do Sudeste. 

“O Senado está vendo se diminui esse percentual ou extingue. Todos os senadores estão trabalhando nisso, o próprio senador Cid Gomes (PDT) está trabalhando nisso, senador Eduardo Braga (MDB-AM), senador Randolfe Rodrigues (Sem Partido-AP)”, explicou. 

Se o ponto for alterado no texto-base da reforma, a medida volta para ser apreciada novamente pela Câmara. Além de articular a modificação do item, Mauro Filho ressalta que a maior parte dos incentivos fiscais está concentrada nas regiões Sul e Sudeste, e não no Nordeste. 

Repercussão na Câmara dos Deputados 

O deputado federal José Airton (PT) disse lamentar profundamente o que chamou de fala “preconceituosa” do Zema. Ele ressaltou que parte do território mineiro guarda semelhanças ao território nordestino, inclusive sendo atendido pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).  

“Evidentemente que nos governos Lula e Dilma (Rousseff) há um olhar mais focado nas questões sociais, mas os grandes investimentos são feitos no Sul e Sudeste, o que são feitas para o Nordeste são políticas compensatórias para diminuir um pouco a desigualdade abissal”, disse. 

“É lamentável que, em uma época como essa, a gente ainda se depare com declarações segregacionistas, que pregam um verdadeiro 'apartheid' regional — especialmente vindo de um governador cujo estado está no Polígono das Secas, é atendido pelo BNB, é atendido pela Sudene. Ele deveria ter o mínimo de lucidez de saber quais são os estados do Sul e Sudeste que concentram a maior parte dos incentivos fiscais do nosso País. E, claro, a riqueza que o Sul e Sudeste — principalmente São Paulo — têm hoje se deve muito ao povo nordestino"
André Figueiredo (PDT)
Deputado Federal

Correligionária de Figueiredo, a deputada Enfermeira Ana Paula (PDT) também classificou as falas do mineiro como “discriminatórias”.

"Levando em consideração que vivemos em um momento que a gente tenta reconstruir o País, ele tenta dividir ainda mais o País entre estados mais ricos e estados mais pobres, fazendo uma reflexão de uma política muito antiga e que nós não aceitamos mais. Nós precisamos ver o Nordeste, cada vez mais, crescendo, com oportunidades de desenvolvimento e resolver de uma vez por todas as desigualdades, que são muito grandes”, ressaltou. 

Para o deputado federal Idilvan Alencar (PDT), a fala de Zema “aumenta o tensionamento político que se acentuou nos últimos quatro anos”.  

"Incentivar a competitividade, ou melhor, a rivalidade entre estados e regiões não é a postura adequada de um chefe de uma unidade da federação de um País historicamente desigual como o nosso. Não precisamos dessa divisão que só faz mal ao Brasil”, completou. 

Leônidas Cristino (PDT) acrescentou que o “ataque” revela uma “ retórica divisionista”.

“Faz transbordar um egoísmo doentio que ofende o povo brasileiro, desrespeita as melhores tradições do País. A natureza preconceituosa da fala do governador faz com que ele ignore, inclusive, o fato de 249 cidades mineiras integrarem e serem beneficiadas com recursos da Sudene”, acrescentou.

"Todo discurso segregador contra o Nordeste e o Norte precisa ser repudiado. O momento requer cooperação para trabalharmos juntos pela reconstrução do Brasil, por políticas públicas essenciais para a redução das desigualdades, proteção à população e ao desenvolvimento do País” 
Eunício Oliveira (MDB)
Deputado federal

O deputado Moses Rodrigues (União) ressaltou que a ideia de que o Nordeste não é produtivo demostra desconhecimento de informações primárias. "É claro que nós precisamos de mais recursos para poder avançar em muitos temas que são prioritários e que o Governo Federal precisa ter um olhar diferenciado. No entanto, esse olhar diferenciado não pode ser discriminatório como o governador Zema tem feito", declarou. 

Fernanda Pessoa (União), correligionária de Moses, também elencou os malefícios que uma eventual disputa entre estados do Nordeste e do Sul-Sudeste pode causar, incluindo “conflitos e hostilidades”, “dificuldades na cooperação” e “prejuízos econômicos”. 

“A disputa por espaços pode acarretar custos humanos e sociais significativos. Isso pode incluir o aumento da violência e da instabilidade social, além do impacto negativo na qualidade de vida das regiões prejudicadas”, acrescentou. 

Para Célio Studart (PSD), as declarações de Zema demonstram preconceito e desconhecimento. “quando na grande parte de nossa história vivemos justamente uma alternância de poder entre presidentes desses estados com raras exceções. É o costume que ele, o partido dele, e também outros atores políticos possuem de buscar sempre um ‘pacto de elites’ a cada passo político que dão", concluiu. 

“Os estados grandes já têm mais orçamento que os menos e cabe sim, dentro de um projeto nacional, fazer com que os recursos sejam melhor aplicados em todos o país, mas, principalmente para os estados mais pobres ou menos desenvolvidos de modo a criar um nível de desenvolvimento igualitário" 
Luiz Gastão (PSD)
Deputado federal

Repercussão no Senado Federal

Entre os senadores cearenses, a bancada acabou dividida. A senadora Augusta Brito (PT) chamou de lamentável e irresponsável as falas do mineiro. “Tenho convicção que esse não é o pensamento da maioria do povo Mineiro, que sabe da importância do Nordeste para o País. Afinal, somos todos um só Brasil — plural, diverso e único”, disse. 

Por outro lado, o senador Eduardo Girão, correligionário de Zema, saiu em defesa do governador. Ele disse que a declaração do mandatário é “legítimas e equilibrada, no sentido de agregar soma de esforços para melhorias na região, não justificando a celeuma vitimista criada com fins eleitoreiros para parte dos invejosos”, completou. 

"Conheço o trabalho sério do Governador Romeu Zema e sei o quanto ele preza o Nordeste, aliás ele tem trabalhado no limite de suas forças levando melhorias para um 'pedacinho do Nordeste' de Minas: o vale do Jequitinhonha! Portanto, o que estamos vendo são vitimizações para ganhos políticos frutos de sentimentos de inveja e do medo do trabalho que ele está fazendo para o seu povo com respeito ao dinheiro do pagador de impostos"
Eduardo Girão (Novo)
Senador

Sem ofensas

Após a repercussão negativa de suas declarações, o governador Romeu Zema afirmou que suas falas foram distorcidas. 

"A união do Sul e Sudeste jamais será para diminuir outras regiões. Não é ser contra ninguém, e sim a favor de somar esforços. Diálogo e gestão são fundamentais pro país ter mais oportunidades. A distorção dos fatos provoca divisão, mas a força do Brasil tá no trabalho em união"
Romeu Zema (Novo)
Governador de Minas Gerais

Toda a bancada federal do Ceará foi procurada pela reportagem. O Diário do Nordeste aguarda retorno dos deputados e do senador que não respondeu até o momento.