Entenda as tensões envolvidas nos atos do dia 7 de Setembro no Ceará e no Brasil

Relação conturbada do presidente Bolsonaro com Legislativo e Judiciário atinge um novo nível de desgaste em meio a ameaças de ruptura

O dia 7 de Setembro deve marcar também o ápice da mais recente crise envolvendo os ataques do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), contra membros de outros poderes. Desde o primeiro ano de seu mandato, a relação do chefe do Executivo com integrantes do Legislativo e, principalmente, do Judiciário, já passou por intensos desgastes.

Neste ano, porém, a escalada de ataques aumentou, chegando ao ponto de haver ameaças de ruptura constitucional.

No último sábado (4), em Caruaru, Pernambuco, o presidente defendeu que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sejam "enquadrados" pela população.

Mais uma vez, sem citar os nomes, mencionando apenas "um ou dois" ministros, os ataques foram direcionados a Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, este último também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

"O STF não pode ser diferente do Poder Executivo ou Legislativo. Se tem alguém que ousa continuar agindo fora das quatro linhas da Constituição, o poder tem que chamar aquela pessoa e enquadrá-la. Se assim não ocorrer, qualquer um dos três Poderes... A tendência é acontecer uma ruptura", afirmou. 

"Ruptura essa que eu não quero nem desejo. Tenho certeza, nem o povo brasileiro assim o quer. Mas a responsabilidade cabe a cada poder. Apelo a esse poder, que reveja a ação dessa pessoa que está prejudicando o destino do Brasil", discursou diante de centenas de apoiadores. 

Na última terça-feira (31), em Uberlândia (MG), Bolsonaro afirmou que a população brasileira nunca teve uma oportunidade como a que terá com os atos do próximo dia 7 de Setembro. O presidente, porém, não deu detalhes sobre qual seria essa oportunidade e para fazer o que exatamente no feriado.

Alerta nacional

Na quinta-feira (2), os presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Congresso mandaram alertas para rechaçar condutas autoritárias, e Bolsonaro disse que o Brasil "está em paz" e não precisa temer as manifestações.

Bolsonaro respondeu, em tom irônico, ao presidente do STF, Luiz Fux, que afirmou que o tribunal estará "vigilante" no feriado da Independência e que "liberdade de expressão não abrange violência e ameaça".

Mais cedo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que "não se negocia a democracia" e que qualquer "intervenção ou autoritarismo [...] tem que ser rechaçado".

Não é de hoje que o presidente flerta com o golpismo ou faz declarações contrárias à democracia. Como governante, ele mantém este tipo de discurso.

"Alguns acham que eu posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo. E apesar de tudo eu represento a democracia no Brasil", afirmou em uma formatura de cadetes em fevereiro deste ano.

Em 2020, Bolsonaro participou de manifestações que defendiam a intervenção militar. No passado, em uma entrevista em 1999 quando ainda era deputado, Bolsonaro disse expressamente que, se fosse presidente, fecharia o Congresso.

O início da crise recente

A escala nesta crise mais recente começou no dia 29 de julho, quando o presidente da República fez uma live e apresentou uma série de acusações de supostas fraudes no sistema de votação brasileiro. Até então, ele defendia a adoção do voto impresso e colocava em dúvida o sistema de votação eletrônico durante entrevistas e conversas com apoiadores.

Ao longo de mais de duas horas, na transmissão nas redes sociais, o chefe do Executivo Federal mostrou apenas teorias e vídeos que circulam na internet inverídicos, desmentidos, inclusive, por órgãos oficiais.

Em resposta, o presidente do TSE disse que quem repete uma mentira muitas vezes será "perenemente prisioneiro do mal". "A ameaça à realização de eleições é conduta antidemocrática, suprimir direitos fundamentais incluindo de natureza ambiental é conduta antidemocrática. Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódios e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática", disse Barroso. 

Resposta jurídica

Paralelamente, o TSE abriu um inquérito para investigar a conduta de Bolsonaro e enviou uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o chefe do Executivo seja investigado no inquérito das fake news. O pedido foi atendido pelo relator do inquérito, Alexandre de Moraes. 

Não bastasse o nível de turbulência na relação entre o Executivo e o Judiciário, no último dia 15 de agosto, Bolsonaro encaminhou uma mensagem pelo Whatsapp em que menciona a necessidade de "contragolpe". No texto, ele ainda convoca apoiadores para participar das manifestações no Dia da Independência. 

O texto compartilhado pelo presidente acendeu um alerta nos outros chefes de poderes e dos governadores estaduais. As duas principais preocupações envolvem a defesa de atos antidemocráticos por parte dos manifestantes, como o fechamento do STF e do Congresso, e a adesão ao movimento de agentes da Polícia Militar, conduta que é vedada pela Constituição.

Em São Paulo, por exemplo, o governador João Doria (PSDB) afastou um coronel que incentivou a participação de agentes da Polícia Militar nos atos. 

Alerta no Ceará

No Ceará, conforme mostrou o Diário do Nordeste, o setor de Inteligência da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) já monitora possíveis atos de indisciplina de agentes em apoio a pautas antidemocráticas. 

No Estado, foi montada uma espécie de força-tarefa para desestimular a presença dos agentes nos atos do Dia 7 de Setembro. Ainda no mês passado, o Ministério Público Militar também emitiu recomendação aos comandantes para que contenham eventual adesão dos agentes às manifestações.

No Legislativo estadual, começou a funcionar na Assembleia Legislativa a CPI das associações de PMs, que investiga a atuação dessas entidades durante o motim dos militares no ano passado. 

Nos bastidores, deputados comentam que a instalação do colegiado próximo ao Dia da Independência também teve a intenção de conter possíveis atos de indisciplina da tropa. 

No sábado (4), o governador cearense Camilo Santana (PT) usou as redes sociais para criticar as mobilizações bolsonaristas. 

“Quem tenta usar o 7 de setembro para estimular o ódio, a intolerância e o desrespeito à democracia não tem amor ao nosso país. Pelo contrário. Pensa unicamente nos seus projetos autoritários de poder. Mas não será uma minoria barulhenta, violenta e inconsequente que traçará o destino da maioria absoluta de milhões de brasileiros, gente pacífica, que sonha com a volta de um Brasil mais justo e feliz", disse Camilo.