Em pouco mais de três meses de mandato, a nova legislatura do Congresso Nacional já autorizou a abertura, simultânea, de cinco Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) para investigar os atos terroristas contra os Três Poderes em 8 de janeiro, lançamentos contábeis das Lojas Americanas, o Movimento Sem Terra (MST), manipulação de resultados de jogos de futebol e esquema de pirâmide envolvendo compra e venda de criptomoedas.
A maior parte dos colegiados foi instalada na última semana, mas alguns ainda não estão funcionando porque nem todas as lideranças partidárias indicaram seus representantes. Até agora, dez parlamentares cearenses foram indicados para integrar três das cinco comissões.
A maioria das CPIs foi aberta na Câmara dos Deputados. Apenas uma foi autorizada no âmbito do Congresso (Câmara e Senado): a que vai investigar ações e omissões de partícipes dos atos golpistas. Por ser mista, a comissão será preenchida por 16 deputados e 16 senadores – e a mesma quantidade de suplentes. Até agora, 53 representantes foram nomeados, entre titulares e suplentes.
O prazo de duração de uma CPI é de 120 dias, prorrogáveis por até mais 60 dias.
Comissões Simultâneas
Para especialistas ouvidos pela reportagem, a quantidade de CPIs que funcionará concomitantemente pode atrapalhar o trabalho legislativo dos parlamentares, principalmente na Câmara – Casa que detém o maior número de Comissões de Inquérito abertas. Isso pode acontecer porque os parlamentares além de terem que se debruçar sobre projetos de lei, propostas de emendas à Constituição e outras matérias que precisam de aval das comissões regulares da Casa, eles ainda terão que se dedicar em cinco CPIs simultâneas.
Os parlamentares que devem ter a atuação mais comprometida são os de partidos menores, por terem menos representatividade nos colegiados. É como avalia a socióloga e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), Paula Vieira. A distribuição das vagas nas comissões segue o critério da representatividade partidária. Por isso, partido maiores, ficam com mais assentos.
"O desafio é para aqueles blocos de atuação que têm menor representação partidária, eles vão ter que se desdobrar por conta da coexistência dessas CPIs no mesmo período. A duração de uma CPI é longa, podendo chegar a 180 dias. E ainda tem a qualidade dos trabalhos das CPIs, porque elas têm audiências públicas, que já são esvaziadas por não ter a parte do discurso parlamentar tão presente. Com um número maior de CPIs, consequentemente, comissões de modo geral e audiências públicas serão mais esvaziadas”
Apesar de ser uma prerrogativa do Legislativo fiscalizar, o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados secção Ceará (OAB-CE), Fernandes Neto, acredita que as CPIs têm o objetivo de atrair holofotes para parlamentares, já que em alguns casos há inquéritos instalados pela polícia e Ministério Público. Ele acrescenta que a quantidade evidencia uma tendência "plebiscitária" no País advinda da polarização da última eleição presidencial.
"As Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil – a exemplo da última, que foi a da pandemia – têm uma grande repercussão na mídia, então potencializa muito a participação parlamentar, por isso há um interesse muito grande nessa participação. No momento, as cinco CPIs também evidenciam essa realidade plebiscitária que existe hoje no Brasil, é como se uma (CPI) fosse destinada a atingir o Governo, como a do MST, e a do 8 de janeiro destinada a atingir o Bolsonaro, ou não, porque há uma discussão aí"
O jurista explica que os relatórios finais das comissões devem apresentar sugestões para que o Ministério Público Federal ou Tribunal de Contas da União instaurem inquéritos, denúncias, ações administrativas ou judiciais. Cabem aos órgãos, todavia, atender ou não à solicitação com base nas evidências reunidas pelos parlamentares.
"A Constituição Federal permite as instaurações das CPIs, que têm poder e autoridade policial. Os parlamentares (da CPI) podem quebrar sigilo bancário, requisitar documentos sigilosos, quebrar registros telefônicos. No entanto, o relatório conclusivo não tem um efeito prático imediato. As CPIs não podem cassar ninguém, condenar ninguém, apenas sugerir ao MPF ou ao Tribunal de Contas da União, a depender do caso, que eles abram ação administrativa ou judicial", acrescenta.
CPI do 8 de janeiro
Dos 10 cearenses indicados como membros das comissões parlamentares de inquérito, quatro estão concentrados na CPI do dia 8 de janeiro. O colegiado deve ser oficialmente instalado na próxima quinta-feira (25). Na ocasião, os membros devem eleger o presidente e os vice-presidentes da comissão. Depois disso, será designado o relator do colegiado.
Os cearenses que compõem a CPI do 8 de janeiro são:
- Deputado federal André Fernandes (PL) - titular
- Senador Eduardo Girão (Novo) - titular
- Senador Cid Gomes (PDT) - titular
- Senadora Augusta Brito (PT) - suplente
Um dos titulares, o senador Cid Gomes avaliou a abertura da comissão como "perda de tempo". Para ele, a energia dos parlamentares deveria ser designada para "coisas construtivas" para o País, tendo em vista que já há denúncias sobre o ocorrido sendo analisadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
"A gente tem que gastar energia com coisas construtivas, mas, infelizmente, a oposição, que pensa de trivela... A gente sabe que a inspiração desse movimento – se não teve uma indicação direta – é desse povo que gosta do Bolsonaro. E agora eles vão querer dizer que é o Governo (Lula) que fez aquilo (atos golpistas)? Mas vamos ver, dar uma satisfação. Eles pediram, é uma obrigação se instalar"
Ainda segundo Cid, ele irá se "dedicar" para identificar os financiadores e mentores intelectuais, por serem os principais responsáveis pelo ocorrido.
"Tem uma missão política aí, eu vou me dedicar a uma coisa: ir atrás dos financiadores, porque a maioria lá (dos participantes do 8 de janeiro) é massa de manobra, uns pobres coitados", acrescentou.
Também titular do colegiado que irá investigar os atos terroristas contra às sedes Congresso Nacional, Planalto Central e STF, o senador Eduardo Girão (Novo) disse que o colegiado deve buscar "reescrever a história do que de fato aconteceu" no dia 8 de janeiro, para identificar as falhas e os envolvidos que permitiram o atentado às instituições democráticas.
"A gente deve buscar reescrever a história do que de fato aconteceu, porque existe uma narrativa e a gente precisa entender quem são os responsáveis por ação e omissão – independente se é do Governo anterior ou se é do Governo atual. Temos que buscar e investigar fundo. Eu até falo: tem um defunto na sala e ninguém pode ficar assistindo tendo gente presa ainda, (dos quais) muitos que chegaram depois dos eventos do dia 8"
Suplente no colegiado, a senadora Augusta Brito (PT) disse que a comissão vai identificar os responsáveis pela tentativa de golpe, ainda que "fake news" tentem "tirar a responsabilidade dos reais responsáveis".
"Pra tentar se livrar do julgamento da opinião pública e embaralhar as investigações da polícia, muita gente começou a criar fake news pra tentar tirar a responsabilidade dos reais responsáveis pelo que aconteceu aquele dia em Brasília. A CPI vai identificar e punir não só quem atacou as sedes dos Três Poderes, mas também aqueles que planejaram e financiaram essa tentativa de golpe"
O deputado André Fernandes também foi procurado para comentar, mas assessoria não retornou. Ele é um dos autores do requerimento de instalação da CPI do 8 de janeiro. No dia do atentado, todavia, o parlamentar postou uma foto, em sua rede social, de um terrorista com a porta do gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Pouco tempo depois, ele apagou.
CPI da Manipulação de Resultados
A CPI da Manipulação de Resultados, instalada na Câmara dos Deputados no dia 17 deste mês, também conta com cearenses entre os membros. O grupo de parlamentares busca investigar esquemas de manipulação de resultados em partidas de futebol profissional no Brasil, como no campeonato Brasileirão.
A comissão foi instalada após o Ministério Público de Goiás apontar indícios de aliciamento de jogadores com empresas de apostas de futebol, online, para manipular ações durante as partidas. Assim, atletas receberiam dinheiro para cometerem faltas, pênaltis, sofrer gol ou fazer gol contra, por exemplo.
A investigação continua em desdobramento e uma série de jogadores está sob apuração dos fatos, bem como dirigentes de clubes e árbitros.
Os cearenses que fazem parte da comissão da Manipulação de Resultados são:
- Deputado federal André Figueiredo (PDT) - 1º vice-presidente
- Deputado federal Yury do Paredão (PL) - titular
- Deputado federal Danilo Forte (União) - suplente
Primeiro vice-presidente do colegiado, o deputado André Figueiredo disse que a CPI deve traçar um plano de trabalho na próxima semana, bem como convocar investigados.
"Vamos investigar tudo, desde o envolvimento de atletas, apostadores, casas de apostas, árbitros, clubes, para que a gente possa passar o Brasil a limpo, no que diz respeito a paixão nacional, que é o futebol"
Também titular da comissão, o deputado Yury do Paredão acredita que o trabalho dos parlamentares deve ajudar a limpar a "integridade do futebol brasileiro", que é renomado no mundo inteiro e continua exportando grandes jogadores. Para ele, a CPI é necessária para dar confiança à nova geração de atletas.
"Nós parlamentares teremos uma árdua luta para combater essas organizações criminosas que estão intervindo, que estão se envolvendo na manipulação de resultados. Iremos convocar presidentes de clubes, presidentes de federações, jogadores envolvidos nos escândalos, iremos fazer um trabalho para manter a integridade do futebol brasileiro"
Outras comissões
Também há cearenses na CPI que investiga inconsistência de cerca de R$ 20 bilhões em lançamentos contábeis da empresa Americanas S.A, durante 2022 e em anos anteriores. No início deste ano, a empresa divulgou um rombo financeiro gigantesco que a fez pedir ajuda ao Poder Judiciário para evitar despejos, por exemplo.
Além disso, o grupo fechou lojas em diversas cidades do Brasil e pediu recuperação judicial, em março.
Os cearenses que integram a CPI da Americanas são:
- Deputado federal Júnior Mano (PL) - 1º vice-presidente
- Deputado federal Domingos Neto (PSD) - titular
- Deputado federal Mauro Filho (PDT) - titular
Os parlamentares foram procurados para comentar as expectativas do trabalho, mas não responderam.
Ainda no âmbito da Câmara dos Deputados, foram criadas a CPI do MST, com apoio da bancada ruralista, e a CPI que busca investigar esquema de pirâmides com criptomoedas. Está última ainda não teve os membros designados pelas lideranças, por isso ainda não foi instalada.
Já a CPI do MST foi instalada no dia 17 de maio, mas não teve nenhum cearense designado.
Debate
Para a socióloga Paula Vieira, algumas CPIs devem receber mais holofotes do que outras devido à quantidade de comissões instaladas. Por isso, ela acredita que a CPI do 8 de janeiro e a do MST devem render mais discussões, por terem mais parlamentares de base e oposição ao Governo Federal.
"Algumas devem ficar menos evidência. Aquelas que vão ter mais visibilidade são as têm mais representantes de situação e oposição ao Poder Executivo, como MST e 8 de janeiro. Nós temos a bancada rural querendo fazer essa disputa em relação ao MST, e o MST é apoiado pelo Governo. A do 8 de janeiro tem mais divisão de oposição e situação, por conta da polarização eleitoral (do ano passado)", ressalta.
Ainda conforme a pesquisadora, esse tensionamento entre base e oposição também deve refletir no posicionamento dos cearenses. As falas e desempenhos de cada um dos parlamentares do Estado, inclusive, devem representar futuras disputas locais de olho nas eleições municipais de 2024.
"Quando eles agem nas comissões, eles não se posicionam apenas para a CPI, mas também estão agindo conforme à expectativa da base eleitoral"