Os eleitores cearenses contarão com menos opções na hora de votar em outubro. Isso porque o número de candidaturas no estado atingiu o menor patamar para eleições municipais desde 2008, com 13.119 postulantes neste ano.
Ainda conforme os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o quantitativo de 2024 representa uma queda de 19% em comparação ao pleito de quatro anos atrás. Na época, 16.205 candidatos foram registrados.
A maior redução percentual foi observada na disputa pelo comando das prefeituras. Em 2020, 608 candidatos ao cargo de prefeito estavam na corrida eleitoral. O número chegou a 486 neste ano, uma oscilação negativa de 20%, deixando o panorama no menor nível desde 2008, pelo menos.
Já na corrida pelas vagas dos legislativos municipais, o índice caiu 18,86%. O número de candidatos a vereador passou de 14,9 mil, em 2020, para 12,1 mil neste ano.
Múltiplos fatores ajudam a entender esse cenário de redução no número de candidaturas, analisam especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste. Levando em conta as reformas políticas a partir de 2017, os principais são:
- Cláusula de barreira;
- Redução do número de partidos;
- Proibição das coligações proporcionais;
- Novo limite máximo de candidaturas para vereador;
- Estratégias dos partidos em torno de candidaturas mais competitivas.
JOGO PARTIDÁRIO
Desde 2017, as reformas eleitorais implantadas impactaram esse panorama de redução, exigindo novas estratégias para um melhor aproveitamento dos recursos, como o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). O planejamento inclui a formação de federações, fusões e incorporações de outras siglas.
Essa nova configuração vem motivando a queda do número de partidos. Entre as eleições de 2020 e 2024, por exemplo, o total de legendas na disputa passou de 33 para 29. A fusão do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do Patriota (Patriota) criando o Partido Renovação Democrática (PRD) e a incorporação do Partido Republicano da Ordem Social (Pros) pelo Solidariedade são alguns dos casos.
Entre as novas medidas, destaque para a cláusula de barreira, também chamada de cláusula de desempenho, que foi criada em 2017 e implementada já na eleição do ano seguinte. A norma estabelece que os partidos políticos têm que alcançar pelo menos um dos dois critérios fixados para ter acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda gratuita em rádio e televisão.
Atualmente, conforme o TSE, são adotados os seguintes níveis de desempenho:
- A eleição de pelo menos 11 deputados federais, distribuídos em pelo menos nove unidades da Federação;
- Ou a obtenção de, no mínimo, 2% dos votos válidos nas eleições para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos nove unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada um deles.
A legislação prevê a variação dos critérios ao longo dos anos, que devem atingir o ápice em 2030, com o percentual mínimo alcançando 3%.
Para a socióloga e cientista política Paula Vieira, a série de pequenas reformas vem impactando gradualmente, desde 2017, a estrutura da política brasileira. Por dessas repercussões, o sistema ficou mais especializado e ligado a uma legislação específica, na qual não há incentivo para pequenos partidos entrarem na política com um só nome ou liderança, avalia ela, que também é pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da UFC.
"Acontece que, com essa redução do número de partidos, centraliza o acesso ao fundo de campanha público e o tempo de TV. Então, todo esse sistema acaba funcionando de modo que aqueles partidos que tenham mais força legislativa, que já têm história e vêm de um processo de construção democrática, eles têm ali lideranças que vão conseguir jogar com esse jogo. E aí a gente diminui a possibilidade de candidaturas de partidos pequenos”
NOVAS CONFIGURAÇÕES
Outro fator que impactou o quadro político foi a proibição das coligações partidárias para as eleições proporcionais, o que inclui a disputa para os cargos de deputado federal, deputado estadual e vereador. A medida também foi aprovada há sete anos.
Como alternativa, desde 2021, as siglas podem formar as federações partidárias: união de dois ou mais partidos com o objetivo de atuarem de forma conjunta, funcionando como uma espécie de teste para uma possível fusão ou incorporação. A junção faz com que as legendas atuem como se fossem uma só, com a obrigação de vigorar por, no mínimo, quatro anos.
Para a eleição deste ano, três federações estão efetivadas: Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PC do B) e Partido Verde (PV); Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Cidadania (Cidadania); e Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e Rede Sustentabilidade (Rede).
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE, Fernandes Neto avalia que a proibição das coligações proporcionais e a cláusula de barreira reduzem o número de partidos com participação efetiva, ou seja, aqueles que têm representação nas câmaras municipais e nas câmaras de deputados, seja a nível federal ou estadual. Isso, avalia o especialista em Direito Constitucional e Teoria Política, deve gerar a migração de políticos às agremiações maiores e prejudicar as menores.
“A tendência hoje é de uma diminuição de fragmentação partidária e a diminuição de partidos, exatamente porque tanto os partidos maiores têm mais condição de competição e porque os candidatos também querem concorrer em partidos que dê mais condição estrutural, principalmente em termos de financiamento público. Então, essa redução vai ocorrer a cada dia. A perspectiva que se tem é que em 2030 nós teremos sete ou oito partidos, talvez, com representação na Câmara dos Deputados, ou seja, mesmo que nós tenhamos 30 partidos criados, somente sete ou oito terão representação na Câmara dos Deputados, que hoje está mais ou menos em 14 partidos, mas já foi de 28”
COMPETIÇÃO INTERNA
O novo limite máximo de candidaturas para eleições proporcionais é outro fator que tem impactado os números. Neste ano, os partidos ou federações podem lançar um total de candidatos a vereador de até 100% mais um das vagas a serem preenchidas na Câmara Municipal – o teto era de 150% até 2021. Como exemplo, em um município com 30 cadeiras em disputa, agora poderão ser lançados até 31 postulantes, não mais 45.
Esses elementos impulsionam as disputas internas e exigem estratégias dos partidos em torno de candidaturas mais competitivas, o que afunila a corrida eleitoral.
A nova estruturação do sistema político traz um efeito positivo de mais transparência para os eleitores, no sentido de deixar os projetos coletivos mais identificáveis, esclarece Paula Vieira. Como negativo, a competitividade política fica bem mais acirrada.
“Há níveis diferentes de competição. Vai ter uma competição interna no partido, principalmente a dependência de dividir eleitorado. Então, a coisa fica mais delicada. A gente tem essas outras estratégias que vão surgir para lidar com esse efeito, que é essa competitividade mais acirrada. Aí a gente tem já os financiamentos de campanha, as vaquinhas para financiamento de campanha, que estão começando direcionar para um público mais específico”, frisa a cientista política.
Embora haja o benefício da diminuição do quadro partidário, pondera Fernandes Neto, esse cenário promove um “decréscimo muito grande do índice democrático”, ao serem criadas “superestruturas partidárias”. Com isso, a competição eleitoral fica limitada em torno das grandes legendas e daqueles que já estão no poder.
"Nós estamos criando um sistema muito exclusivista e pouco inclusivo, inclusive das minorias, incluindo as pequenas agremiações. Nós estamos realmente extirpando e formando grandes partidos ricos e ainda sem um controle efetivo desses gastos, de uma melhor prestação de contas", salienta o especialista.