Crédito, igualdade salarial e combate à violência: conheça projetos cearenses a favor das mulheres

Apesar de ocuparem mais espaços no Legislativo, poucos projeto de autoria de parlamentares são aprovados

Protocolo de combate à violência e importunação sexual, exigência de comprovação de equidade salarial nas empresas contratadas pelo setor público e condições de crédito especiais para mulheres empreendedoras: essas são algumas das propostas apresentadas pelos parlamentares das atuais legislaturas para as mulheres do Ceará. Poucas, no entanto, são as matérias aprovadas e transformadas em políticas públicas. 

Apesar de o número de representantes femininas eleitas para o Poder Legislativo do Ceará ter alcançado recordes nas últimas eleições, a quantidade ainda não é suficiente para equiparar a ocupação dos espaços de Poder e alavancar políticas públicas para as mulheres.

Sub-representadas, as questões de gênero acabam ficando "de fora" das pautas de votação por não serem prioridades da maioria do Parlamento – que é majoritariamente composto por homens. É o que apontam especialistas ouvidas pela reportagem. 

"As mulheres lutaram muito para conseguir esse espaço institucional. Se a gente pensar desde a luta inicial do sufrágio, foi necessário muito esforço das mulheres para conseguirem votar e poder ser votada. Depois, quando a gente teve a Lei de Cotas de Gênero (que determinou que pelo menos 30% das candidaturas lançadas pelos partidos fossem de mulheres), teve mais disputas – tanto no Parlamento, para aprovação da lei, quanto juridicamente para que ela fosse implementada", destaca a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), Monalisa Soares.

Sub-representação 

Em 2020, por exemplo, 9 mulheres foram eleitas para a Câmara Municipal de Fortaleza. Apesar de o número ser o maior da história da Casa Legislativa, representa apenas 20% dos parlamentares da Casa e não é suficiente para refletir em aprovação de projetos de lei com políticas para mulheres.  

Na Mesa Diretora da Câmara, elas ocupam 40% dos espaços de decisão do Parlamento – entre vagas de titulares e suplentes. Na Assembleia Legislativa do Ceará, a ocupação na Mesa é ainda mais baixa: 30%. 

No Parlamento Estadual, 9 mulheres foram eleitas em 2022 para atuar na atual legislatura – o melhor resultado na história da Casa. Anteriormente, o máximo havia sido em 2002, quando oito mulheres foram eleitas como deputadas estaduais. 

Para Monalisa Soares, a baixa representatividade de mulheres nas Mesa Diretoras e nos comandos de comissões importantes do Parlamento atrapalha o debate e efetivação de políticas para esse público.  

Por isso, há muitas proposições, algumas apenas simbólicas, e poucas aprovações de políticas de gênero no Legislativo Municipal e Estadual. 

"Essas eleitas, quando elas entram na política institucional, no Parlamento, elas vão enfrentar uma série de desafios – tanto do ponto de vista de sua trajetória particular como política. Não é comum e nem é usual ver mulheres nos postos de poder no Parlamento, especialmente das Mesas Diretoras ou das comissões" 
Monalisa Soares
Pesquisadora do Lepem

A professora universitária e pesquisadora do Lepem, Paula Vieira, acrescenta que as diferenças ideológicas das mulheres que atuam no Legislativo acabam atrapalhando, também, o engajamento no debate sobre políticas de gênero. Como exemplo, ela cita a diferença na forma de abordar feminicídio e exigência de equidade salarial. 

"As parlamentares mais ligadas a setores conservadores, por exemplo, não entram em pautas como feminicídios. A solidariedade com a morte da presidente da Câmara Municipal de Juazeiro do Norte, Yanny Brena, não teve como marca a palavra feminicídio. As mulheres mais conservadoras lamentaram ser uma mulher jovem, inteligente, crescendo na política, enquanto as mulheres mais progressistas usaram a palavra feminicídio, lamentaram o femicídio. Então, alguns termos são evitados porque alguns setores não compreendem dessa forma" 
Paula Vieira
Pesquisadora do Lepem

Proposições 

Câmara Municipal 

Dos 53 projetos de lei apresentados de janeiro de 2021 até o começo de março na Câmara Municipal de Fortaleza, período da atual legislatura, apenas três foram aprovados – dois deles, inclusive, foram propostos pelo prefeito José Sarto (PDT) e apenas um é de autoria de uma parlamentar.  

As matérias aprovadas e sancionadas como lei são:  

  • A que instituiu a política municipal de atenção à higiene íntima e saúde menstrual, que autorizou a prefeitura a distribuir absorventes para alunas da rede municipal e para jovens e mulheres em situação de pobreza e vulnerabilidade social; 
  • A criou o programa "Mulher Empreendedora", que concede crédito orientado para mulheres que moram em bairro com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); 
  • E a que incluiu no calendário oficial de eventos de Fortaleza o "Agosto Lilás" como mês temático de proteção à mulher, com promoção de campanha de conscientização pelo fim da violência contra a mulher, de autoria da vereadora Tia Francisca (PL). 

Além disso, a maioria dos projetos de lei apresentados na Câmara Municipal trata, principalmente, do combate à violência contra a mulher. Quando o assunto é desenvolvimento de políticas públicas para promover a equidade salarial, poucas são as matérias apresentadas na Casa. 

Para a matéria, a reportagem analisou apenas os projetos de lei apresentados, tendo em vista que são os que podem virar lei efetivamente. Para segmentar os dados, foi utilizada a palavra "mulher" na busca, com marcador temporal da atual legislatura (1º de janeiro de 2021 a 6 de março de 2022). Projetos de indicação funcionam como sugestões. 

Assembleia 

Na Assembleia Legislativa do Ceará, a atual legislatura, que começou no dia 1º de fevereiro deste ano, já apresentou 16 projetos de lei de políticas para as mulheres. Nenhum ainda foi aprovado, mas vale ressaltar que os mandatos acabaram de inciar.

Entre as propostas, há as que tratam de medidas para combater a violência contra a mulher e também violência política de gênero, por exemplo. 

Um dos projetos, de autoria da deputada Gabriella Aguiar (PSD), quer criar o "Estatuto da Mulher Parlamentar e de Mulher Ocupante de Cargo ou Emprego Público" para coibir violência política de gênero ou perseguição política. Não há no Ceará um estatuto que trate exclusivamente sobre isso. 

18%
a menos é o que ganham as mulheres em relação aos homens no Ceará

Outro projeto que chama atenção, de autoria das deputadas Larissa Gaspar (PT) e Gabriella Aguiar, busca exigir a comprovação do cumprimento de equidade salarial pelas empresas contratadas pelo Poder Estadual para evitar violação de direitos das mulheres no ambiente trabalhista. 

Dados do 3º trimestre de 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), revelam que o rendimento médio real mensal das 42,6 milhões de mulheres ocupadas no Brasil, com trabalho formal ou informal, era 21% menor do que o dos homens. 

No Ceará, as mulheres ganham em média 18% a menos do que homens. O recorte dos dados foi feito pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). 

Mulheres trans 

Apesar da variedade dos temas discutidos para a população feminina, poucos abordam políticas e reforçam os direitos para mulheres trans. Na Assembleia Legislativa, nenhum projeto de lei específico para mulheres transgênero e travestis foi apresentado até o momento pela atual legislatura.  

Na Câmara Municipal, desde janeiro de 2021 há apenas uma matéria apresentada – o projeto que busca reservar vagas de emprego para mulheres transexuais, travestis e homens transexuais nas empresas contratadas para prestarem serviço ao município. A matéria foi apresentada pela vereadora Adriana Gerônimo, do mandato coletivo Nossa Cara (Psol), em abril de 2021 e até hoje não foi incluída na pauta do plenário para começar a tramitar na Casa. 

Para Paula Vieira é necessário ouvir as demandas das mulheres trans e oportunizar espaços também na política para mitigar preconceitos. 

"Se as mulheres trans já são excluídas socialmente de todos os espaços de trabalho, cena cultura, em números, você imagina então em um espaço institucional que é a política", destaca. 

Uma das fundadoras da Casa Transformar, Lara Nicole, ressalta os obstáculos enfrentados pelas mulheres trans é maior devido a "criminalização" dessa população, que tem altos índices de assassinato. De acordo com estudo feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgado em janeiro, o Ceará foi o 2º estado do Brasil a registrar mais assassinatos de travestis e transexuais em 2022, com 11 vítimas. 

"O Brasil é o País que mais mata pessoa trans e travesti no mundo, e o Ceará está no topo dos estados mais violentos com essa população. Eu acho que todo mundo passa pela insegurança de sair na rua e não saber se vai voltar por conta da insegurança, mas a pessoa trans tem cinco vezes mais medo" 
Lara Nicole
Fundadora Casa Transformar

A Casa Transformar oferece acolhimento e capacitação às pessoas trans em Fortaleza e sobrevive unicamente com doações. Nicole ressalta que um espaço para acolhimento desse público, que muitas vezes é expulso de casa por conta da transfobia, é uma das políticas públicas que deveria ser oferecida pelo Poder Público.