Concessões e PPPs: os limites e oportunidades para municípios do Ceará aplicarem políticas públicas

Concessões e PPPs se mostram como alternativas para diminuir investimentos com recursos públicos, mas devem ser bem avaliadas

Após a implementação do novo Marco Legal do Saneamento Básico, concessões públicas e parcerias público-privadas (PPPs) têm ganhado força como alternativas para municípios efetivarem políticas. Já comumente utilizadas pela União e por estados, as modalidades ajudam a financiar serviços ou manter equipamentos públicos com auxílio de recursos privados.  

As possibilidades, no entanto, não são gratuitas e podem gerar tarifas aos contribuintes.  

Para alguns serviços, que podem incidir em cobranças individuais, a concessão pode ser uma alternativa para os entes municipais não dependerem tanto de repasses orçamentários do Governo do Estado e da União, tendo em vista as dificuldades de arrecadação própria.

Além disso, há opções de concessões para que a empresa privada invista e lucre com o equipamento concedido, sem necessariamente cobrar diretamente uma taxa ao contribuinte, mas sim aluguéis e tarifas condominiais, por exemplo, pelos espaços. Já para os serviços que devem ser ofertados de maneira gratuita a todos, a medida não é possível. É o que explicam especialistas ouvidos pela reportagem. 

Abertura para concessões 

O novo marco do saneamento trouxe a possibilidade dos municípios se unirem, em consórcio ou acordos, para contratar empresas para universalizar o abastecimento de água e esgotamento por meio de concessões — sejam comuns ou PPPs. Assim, eles fariam uma prestação regionalizada e conseguiriam atrair investimentos da iniciativa privada para atingir as metas impostas pelo novo marco legal. A empresa entra com o investimento, em troca fica com a tarifa cobrada. 

Com a prestação regionalizada, cidades menos populosas podem se unir a outras com grande densidade demográfica para atrair os recursos que, sozinhas, não seriam capazes. No Ceará, a medida tem sido utilizada para universalizar o esgotamento sanitário.  

Até o momento, 24 cidades atendidas pela Companhia de água e Esgoto do Estado (Cagece) foram contempladas com PPPs para ampliação do esgotamento sanitário. Como tem contrato com 152 prefeituras até 2055, a Cagece é a responsável por coordenar os processos licitatórios nos territórios que atende para assegurar a implementação das metas impostas pelo novo marco legal — que é de 90% de atendimento para tratamento de esgoto e 99% para abastecimento de água até 2030.  

Nas 24 cidades, a Ambiental Ceará, vencedora do leilão, irá investir R$ 19 bilhões até 2033. Em contraponto, ela receberá as tarifas de esgoto dos territórios pelos próximos 30 anos. 

Oportunidades 

Professor de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor) e procurador do Banco Central, João Marcelo Magalhães ressalta que os municípios também podem se unir para tentar implementar outros serviços públicos por meio de PPPs ou concessões comuns. Dentre as possibilidades, ele cita iluminação pública e transporte coletivo, por exemplo, que podem ser atrativos para os contribuintes.  

"Todos os serviços de interesse local, como iluminação pública, esgotamento, novos modais de transporte, transporte coletivo, são possíveis para os municípios se associarem por meio de consórcio e fazerem uma concessão. Aí eles teriam uma empresa operando, por alguns anos, a prestação do serviço para aquele consórcio de municípios" 
João Marcelo Magalhães
Professor de Direito e procurador do Banco Central

Para o secretário geral da Associação dos Municípios do Ceará (Aprece), José Helder (MDB), também prefeito de Várzea Alegre, alguns equipamentos públicos também podem ser concedidos para a iniciativa privada como forma de desonerar prefeituras do Interior. Todavia, é necessário que o gestor avalie "toda a capacidade de fazer os investimentos antes de optar por uma concessão ou parceria público-privada", a fim de evitar sacrifícios para a população. 

"O prefeito pode fazer uma obra de mercado, de um matadouro, e fazer a concessão para um empresário fazer a manutenção e cobrar para quem for usar o serviço. As vantagens que a gente vê, principalmente nesse período de crise, é que você pode precisar ofertar um serviço e não ter capital para fazer investimento" 
José Helder (MDB)
Secretário geral da Aprece e prefeito de Várzea Alegre

Outras modalidades 

Em Fortaleza, por exemplo, a Câmara Municipal aprovou, no fim de agosto, projeto enviado pelo Poder Executivo para concessão, via PPP, dos 10 terminais de ônibus da Capital e dois corredores estruturados. A medida busca permitir que uma empresa administre e requalifique os locais. Para isso, ela deve investir aproximadamente R$ 322 milhões em 30 anos — período previsto para durar o contrato. A medida foi sancionada pelo prefeito José Sarto (PDT) em setembro deste ano.  

Assim, os aluguéis pagos pelos permissionários dos locais devem ser cobrados pela empresa que levar. Com não foi lançado ainda um edital, não dá para saber de quanto será a contrapartida do município para a empresa. Todavia, a gestão espera economizar R$ 6 milhões mensais gastos somente com os custos básicos e diretos da operação dos locais. 

Outra forma de concessão feita pela Prefeitura de Fortaleza, que pode ser uma possibilidade para cidades praianas, foi a dos espigões da avenida Beira-Mar. Os locais foram ofertados para serem mantidos e melhorados pela iniciativa privada. Em contrapartida, o consórcio vencedor do contrato, o Píer Beira-Mar, vai ter direito a fazer uso comercial do espaço. A previsão é que haja atrações típicas de parques temáticos, restaurantes e centro comercial.  

Já o transporte coletivo, na Capital, é operado por empresas privadas por meio de concessão que vai até 2027, segundo informou o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus). O contrato pode ser renovado.

O serviço recebe subsídios da gestão municipal para poder ofertar tarifas sociais e isentar parte da população, como estudantes, por exemplo, que desde o início de novembro têm direito ao Passe Livre Estudantil

Fiscalização 

Coordenador do Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (CAODPP) do Ministério Público do Ceará (MPCE), Silderlandio do Nascimento explica que a fiscalização de serviços públicos deve ser feita pelas próprias empresas, pelo Poder concedente (município, estado ou União), pelo Ministério Público, Agências Reguladoras (a depender do serviço) e tribunais de contas. 

Ele explica que os principais pontos que órgãos como MPCE e tribunais de contas ficam atentos são: valores dos contratos, cláusulas, aplicação de investimentos, qualidade do serviço prestado e reajustes de tarifas. Ele ressalta, inclusive, que descumprimentos contratuais podem levar a empresas a perderem a concessão pública. 

"Cabe as promotorias de Justiça de cada comarca acompanhar a execução desses contratos como também apurar irregularidades. Ter uma atuação preventiva e até abrir investigação de improbidade administrativa ou de crimes relacionados a parceria público-privada contra entes públicos e empresas" 
Silderlandio do Nascimento
Coordenador do CAODPP do MPCE

Ele aponta, ainda, que um outro ponto de acompanhamento dos órgãos fiscalizadora é o da modicidade da tarifa, que deve ser acessível a todos. Em 2022, a Enel Ceará, concessionária de distribuição de energia no Estado, aplicou o maior reajuste anual tarifário médio do País.

Apesar de órgãos de Defesa do Consumidor apontarem que a empresa liderava rankings de reclamações sobre a prestação do serviço, o reajuste foi mantido e aprovado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).  

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instalada neste ano na Assembleia para investigar a empresa, bem como possível descumprimento de cláusulas no contrato de concessão. A investigação ainda está em andamento. 

"Tem que haver a modicidade da tarifa, ou seja, tem que ser acessível à população. Para ser acessível, o poder público pode aprovar subsídios fiscais, porque a empresa paga tributos, e financeiros para reduzir o custo da empresa. Mas a ideia de um contrato de concessão é que o edital já estabeleça regras para que a cobrança seja justa", acrescenta Silderlandio. 

Concessões e PPPs 

A principal diferença entre concessões comuns e parcerias público-privadas é o tempo de duração do contrato e valor do investimento que deve aplicado pela empresa.  

Enquanto as concessões comuns não preveem prazo mínimo de contrato nem de investimentos, as PPPs só podem ser celebradas por, no mínimo, 5 anos, e, no máximo, 35 anos e cujo o investimento mínimo seja de R$ 10 milhões. Além disso, nas parcerias público-privadas deve haver, obrigatoriamente, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

Por isso, as PPPs são mais aplicadas em contratos que envolvam cobrança de tarifa, já que o lucro da empresa é obtido a longo prazo por meio da operação do serviço. 

Para ganharem a licitação, as empresas devem demonstrar capacidade de investimentos por sua conta e risco pelo prazo estabelecido no contrato. Além disso, as licitações lançadas devem atender a modalidade de concorrência ou diálogo competitivo, por isso, no caso de PPPs, normalmente se dão por leilões.