Invadir o território de um país, como a Rússia tem feito com a Ucrânia, configura forte agressão ao direito internacional e é passível de uma série de penalidades coletivas ou unilaterais impostas por outras nações àquela que está declarando guerra. A quantidade de punições, bem como a gravidade de cada uma, depende do desenrolar do conflito.
Essas sanções podem ser aplicadas diretamente a pessoas estratégicas ou de forma a prejudicar a economia de um país, incluindo embargos financeiros e restrições comerciais.
Alguns países, na tentativa de estancar a guerra, já aplicaram sanções contra a Rússia pela invasão à Ucrânia, como os Estados Unidos e a Alemanha, que anunciaram uma série de embargos financeiros e suspenderam com o país a operação de gasoduto — a Rússia é a principal exportadora e segunda maior produtora de gás natural do mundo.
“Se as sanções vão funcionar ou não, ainda não é possível saber”, pondera o professor Paulo Henrique Gonçalves Portela, que ensina Direito Internacional Público na Universidade de Fortaleza (Unifor). Ele lembra que a Rússia acumulou recursos ao longo dos anos e se preparou para suportar por um tempo considerável os impactos econômicos provocados pela guerra. As reservas da Rússia são, hoje, de mais de US$ 630 bilhões, o equivalente a R$ 3,1 trilhões.
Porém, o contrário também pode acontecer, caso a Rússia queira usar suas relações comerciais para angariar apoio de outros países. “Uma coisa é fazer sanções contra Irã ou Iraque, que são países com economia pequena, cuja repercussão pode até ter um grau de preocupação, mas nada parecido com as sanções contra a Rússia. 60% do gás consumido na Europa vem da Rússia. É o gás que aquece a casa dos cidadãos”, endossa Sidney Leite, doutor em História Social e professor de Relações Internacionais das Faculdades Rio Branco.
Qual o papel do Brasil?
Na opinião dos especialistas, Brasil e Rússia têm ótimas relações comerciais, apesar de não serem prioridade um do outro nesse sentido. Isso significa que eventuais sanções que o país possa querer aplicar de forma unilateral contra a Rússia terão pouco ou nenhum impacto.
Além disso, não é característico do Brasil aplicar ou apoiar sanções econômicas contra outra nação. “O Brasil tem uma tradição de neutralidade nesses momentos de guerra. Só me recordo de uma vez em que o Brasil aplicou alguma sanção, que foi contra a Coreia do Norte. Mas o comércio com a Coreia do Norte é risível”, alega o professor Paulo Henrique.
O vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão (PRTB), falou nesta quinta-feira (24) que o País não estava neutro nesta guerra e que o apoio à Ucrânia deveria ser maior. “Tem que haver uso da força”, declarou, assegurando que o Brasil respeita a soberania ucraniana.
Nota do Itamaraty publicada pouco após a declaração do vice-presidente fez um apelo à “suspensão imediata das hostilidades e ao início de negociações conducentes a uma solução diplomática para a questão”.
“É uma situação que, mais cedo ou mais tarde, vai precisar ser negociada. Negociação é central. E é a diplomacia que vai ter que continuar se mexendo”, defende Paulo.
“O Brasil precisa ser coerente, não pode defender irresponsavelmente que um país invada e fira a soberania de outro país. O Brasil é grande demais para apoiar uma agressão ao direito internacional, às organizações internacionais que ele ajudou a fundar. Não espero outra posição (do Itamaraty) que não seja a de propor a negociação, até de se colocar como mediador”, afirma o professor Sidney.
Sarah Lima, especialista em Direito Internacional, também defende que o governo brasileiro não deva entrar no conflito com força bélica.
"Veja bem, a Ucrânia não faz parte da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Logo, não há obrigatoriedade de uma intervenção dos Estados Unidos ou de qualquer outro país num conflito entre Rússia e Ucrânia. A coisa muda de figura se o conflito atingir outros países próximos, como Polônia, Estônia, Lituânia, por exemplo, que fazem parte da Otan. Nesse caso, outros membros da Otan teriam que interferir, e aí poderíamos encarar uma guerra", opina Sarah.
ONU de mãos atadas
A Carta das Nações Unidas, que é o tratado que estabeleceu a ONU após a Segunda Guerra Mundial, criou um sistema de sanções — econômicas, em sua maioria — para manter a paz e a segurança internacionais, evitando o uso da força militar e outras possíveis guerras.
O texto prevê que, numa situação semelhante à que está acontecendo, o Conselho de Segurança da ONU “decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas (...) poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas”.
No entanto, por compor o Conselho, a Rússia tem direito de veto e pode derrubar qualquer medida que seja tomada contra ela. “Do ponto de vista do direito internacional, o que se pode fazer é tentar abrir janelas de oportunidades de negociação diplomática. (Vladimir) Putin tem sido ótimo jogador. Ele movimenta a peça e espera o outro lado se movimentar. Como ele percebe que os movimentos do outro lado são movimentos que ele pode administrar, está indo cada vez mais longe nas suas ações”, analisa Sidney.
Para o professor, as negociações, portanto, têm de ser mais realistas, à medida que a Rússia vá esgotando sua capacidade de reação. “O máximo que os Estados Unidos podem fazer é essa escalada de sanções. E, ao que tudo indica, Putin se preparou”, diz, compreendendo que o cenário é muito complexo e que cada movimento pode tornar a situação mais grave.
Como Paulo, Sidney acredita que “a Rússia tem poder de resistir e pressionar” por apoio, mas as sanções econômicas não podem ser muito longas, sob o risco de o mundo encarar “um verdadeiro desastre na economia que já vem debilitada da pandemia de Covid-19".