Como a oposição no Ceará sai das eleições de 2024 e quais os desafios do grupo para 2026

Oposicionistas conquistaram cidade estratégica e perderam disputa mais acirrada em Fortaleza nos últimos 24 anos

As forças oposicionistas conseguiram, em 2024, impor derrotas históricas ao governismo no Ceará em municípios estratégicos, como Juazeiro do Norte e Sobral. Em outras cidades, como Fortaleza, o candidato oposicionista teve desempenho que resultou na disputa mais acirrada dos últimos 24 anos na Capital: André Fernandes (PL) perdeu por pouco mais de 10,8 mil votos para Evandro Leitão (PT). 

O deputado federal sai da eleição fortalecido, como a "cara da oposição no Ceará", pontua a coordenadora do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Monalisa Soares. O significado da emergência dessa nova liderança é a "mudança da imagem" do grupo oposicionista no Ceará.

"As vitórias das oposições estão muito dispersas. O que nós vamos precisar ver é em que medida essa nova liderança que emerge como a cara da oposição no Ceará vai conseguir construir esse elo comum entre esses focos de oposição que nós identificamos nos resultados eleitorais de 2024", projeta Soares. Um desafio com prazo curto: faltam exatos dois anos para as próximas eleições.

Em 2026, dois cargos majoritários estarão em disputa no Ceará: governador e senador — este último, com duas vagas. André Fernandes não poderá concorrer a nenhum deles, já que não terá atingido a idade mínima necessária.

Nesse cenário, despontam ainda duas figuras políticas da oposição no Ceará: Capitão Wagner (União) e Roberto Cláudio (PDT). Para os dois, o resultado das eleições de 2024 foi "menos animador", resume a cientista política e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Mariana Dionísio. 

"Capitão Wagner fechou as portas do diálogo com o PT e se posicionou de forma contraditória aos próprios discursos de campanha, o que tende a dificultar a formação de novas alianças com os partidos de centro-esquerda, hoje predominantes nas prefeituras do Ceará. Roberto Cláudio, seguindo a onda de fragmentação do PDT, decidiu apoiar André Fernandes e assumiu o risco de apadrinhar um projeto de governo completamente desconectado da própria trajetória política. Um risco que não compensou".
Mariana Dionísio
Cientista política e professora da Unifor

A 'nova' e a 'velha' oposição

Capitão Wagner tem larga trajetória no campo oposicionista no Ceará. Disputou a Prefeitura de Fortaleza em 2016 e em 2020, chegando ao 2º turno contra o candidato apoiado pelo grupo governista no Estado. Agora, em 2024, esteve ao lado de um destes adversários: Roberto Cláudio. Forte aliado de Camilo Santana (PT), líder do grupo político que comanda o Governo do Ceará, Roberto Cláudio rompeu com o petista em 2022 e passou a marchar na oposição no Ceará. 

Os dois são colocados agora, no entanto, em uma "posição de coadjuvante com a emergência dessa liderança tão jovem, tão articulada, sintonizada com os anseios da população, especialmente em Fortaleza", pontua Monalisa Soares, em referência a André Fernandes. 

A emergência de Fernandes como liderança é fortalecida por bons resultados do PL em Fortaleza. O partido elegeu uma bancada de cinco vereadores, incluindo a campeã de votos, Priscila Costa (PL), e a terceira colocada do ranking de votação, Bella Carmelo (PL). A escolha por centrar forças em Fortaleza teve, no entanto, saldo negativo. 

O PL não elegeu prefeito em nenhuma cidade do Ceará em 2024, por exemplo — em 2020, haviam sido 13 prefeitos. Outros partidos oposicionistas também não tiveram grande crescimento no número de prefeituras. O União Brasil, por exemplo, conquistou o comando de 5 cidades, mas em alguns casos o prefeito eleito é próximo ao governismo, como é o caso de Maracanaú, com Roberto Pessoa (União). O PDT foi o que teve a maior queda: passou de 67 em 2020 — quando ainda era aliado do PT e liderado pelo senador Cid Gomes (PSB) — para 5 em 2024. 

Como manter prefeituras na Oposição?

Os avanços dessa oposição, portanto, acabaram sendo "pontuais" e houve "perdas expressivas em influência política geral no Estado", defende Mariana Dionísio. "A perda de prefeituras reflete um enfraquecimento da direita e centro-direita em relação às eleições anteriores, principalmente devido à falta de alianças robustas e ao fortalecimento de partidos de centro-esquerda, como o PT, que tem ganhado prefeituras com o apoio de lideranças locais", pontua. 

Monalisa Soares acrescenta que, mesmo nas cidades onde os prefeitos eleitos são da oposição, como é o caso de Oscar Rodrigues (União), em Sobral, e Glêdson Bezerra (Podemos), em Juazeiro do Norte, há uma situação de "tensionamento" pela "força do situacionismo".

Ela relembra as vitórias oposicionistas em 2020, como a de Vitor Valim (PSB) em Caucaia — na época, pelo Pros —, de Professor Marcelão (PT) em São Gonçalo do Amarante — também pelo Pros — e do próprio Glêdson Bezerra. 

No caso de Valim e Marcelão, a aproximação com a gestão estadual resultou inclusive na mudança de partido político. Bezerra, por sua vez, chegou a se aproximar do então governador Camilo Santana e do deputado estadual Fernando Santana (PT) — adversário dele em 2024 —, mas acabou voltando a se afastar. 

"O governador Elmano de Freitas já deu várias sinalizações de que vai conversar com todo mundo e, por exemplo, duas cidades muito importantes onde esse discurso oposicionista foi fincado e foi muito lido com vitórias da oposição, que foi o caso de Juazeiro e o caso de Sobral, os prefeitos eleitos também já deram sinalizações de que vão buscar diálogo com o governo estadual. Então, o peso dessas vitórias para a oposição é algo que a gente vai precisar acompanhar".
Monalisa Soares
Coordenadora do Lepem/UFC

2026 é logo ali

Todos esses elementos devem refletir na organização da oposição para 2026. "Para entender como a oposição pode se organizar, é preciso enxergar o quadro atual de forma objetiva, considerando três fatores essenciais: formação de alianças políticas, as lideranças emergentes e as divisões que resultaram do contexto de polarização", elenca Mariana Dionísio.

Ela explica que existe uma fragmentação da oposição no Ceará em, pelo menos, três blocos políticos: a direita tradicional, a nova direita bolsonarista e o centro.

Sem a possibilidade de concorrer a cargos majoritários, Fernandes poderia ter um papel relevante como articulador, projeta a cientista política. "Ele pode, inclusive, tentar construir uma base maior no interior do Estado para ampliar seu arco eleitoral", diz.  

Contudo, lideradas por Capitão Wagner e Roberto Cláudio, respectivamente, a direita tradicional e o centro "podem tentar se reestruturar, buscando formar alianças com figuras de peso, caso o bolsonarismo comece a perder força". 

"Um dos maiores desafios para a oposição será evitar a fragmentação excessiva, como aconteceu de maneira desastrosa com o PDT. Uma fragmentação entre direita bolsonarista, centro-direita tradicional e outros blocos pode favorecer o grupo governista".
Mariana Dionísio
Cientista política e professora da Unifor

Monalisa Soares pontua, no entanto, que existem desafios também para o lado governista, o que pode acabar favorecendo quem está como adversário político do grupo liderado pelo ministro Camilo Santana. Ela defende que as últimas eleições têm demonstrado um sentimento de mudança forte nos eleitores. 

"O desafio do grupo governista no Estado é fazer uma boa gestão em Fortaleza, conseguir neutralizar, estabilizar esse desejo de mudança do eleitorado, ou seja, fazer com que o eleitorado de Fortaleza possa se sentir satisfeito com as condições de gestão para que esse grupo possa ter também em Fortaleza, esse campo mais favorável, (porque) Fortaleza é esse campo de tensão para o governismo estadual", diz.