Quatro anos depois de eleger os prefeitos dos 184 municípios do Estado, os cearenses voltam às urnas em outubro deste ano para reavaliar o desempenho dos gestores, escolhendo entre a manutenção ou a troca dos mandatários. Contudo, a oito meses do pleito, o cenário político no Ceará já é significativamente diferente daquele definido em 2020, com promessas de ainda mais mudanças até a ida às urnas.
Na última eleição municipal, os gestores locais se submetiam a dois grandes grupos que travavam disputa no Estado — uma ampla base governista a nível estadual e um grupo oposicionista. Em 2022, a base governista rachou em duas partes, gerando um novo grupo de oposição e provocando a migração em massa de prefeitos, vereadores e vice-prefeitos entre os partidos que até então estavam do mesmo lado nas eleições.
A oposição que atuou em 2020 também acumulou baixas nos últimos quatro anos, perdendo a ingerência sobre mandatários em municípios estratégicos.
Neste fim de semana, uma nova migração de políticos deve agitar a política cearense. Sob liderança do senador Cid Gomes (PDT), cerca de 40 prefeitos irão se filiar ao PSB com o líder político. Acompanham o grupo vereadores e vice-prefeitos de municípios do Interior, que deixam para trás a sigla pedetista, maior partido em número de mandatários eleitos em 2020, mas que agora sofre uma desidratação histórica antes mesmo do pleito.
A força dos prefeitos
Apesar dos movimentos de olho nas eleições de outubro deste ano, as articulações envolvendo as lideranças locais indicam interesses maiores do que a gestão de prefeituras. Senadores, deputados estaduais, federais, governadores e até o presidente Lula têm feito movimentos e dado sinais de que irão embarcar de cabeça nas disputas, que atraem volumes cada vez maiores de recursos públicos.
O Fundo Especial de Financiamento de Campanha, por exemplo, baterá recorde neste ano. Conhecido popularmente como fundo eleitoral ou Fundão, o recurso chegará a R$ 4,9 bilhões, um montante 145% maior que o das eleições de 2020, quando foi de R$ 2 bilhões.
Para Monalisa Torres, professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), esses investimentos não são à toa.
“Os prefeitos, em geral, são aqueles atores políticos que estão mais próximos dos cidadão, atendendo às demandas mais específicas da vida das pessoas. Isso os coloca em uma posição muito privilegiada quando pensamos a política, tanto a nível estadual quanto local, eles funcionam como uma espécie de intermediador entre os deputados que vão procurar um eventual voto naquela região, mas também para o Governo do Estado, para acessar o eleitorado”
Outro recurso usado pelos parlamentares para atrair prefeitos e mantê-los em uma base são as emendas parlamentares. Conforme o Diário do Nordeste mostrou na série “Rota das emendas no Ceará”, até novembro do ano passado, o Governo Lula havia pago R$ 648 milhões em emendas individuais de deputados cearenses indicadas para municípios do Estado.
“A dinâmica política dos municípios é diferente. Prefeitos e vereadores estão efetivamente mais próximos às questões locais e, por consequência, são as figuras mais influentes em termos de mobilização popular. Por essa razão, muitos deputados federais e estaduais enxergam nesses cargos uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. Do ponto de vista da racionalidade eleitoral, maximizadora de votos, esse comportamento é coerente porque o capital político é medido também pela capacidade em atender demandas da população”
Ao todo, cada deputado federal do Estado decidiu o destino de até R$ 32,1 milhões. Alguns preferem beneficiar suas bases enquanto outros apostam em locais onde possuem baixa votação como estratégia para atrair aliados. Seja qual for a estratégia, uma das principais finalidades políticas do recurso é atrair os comandantes das prefeituras e suas bases eleitorais.
“Nossos municípios são relativamente dependentes de repasse de recursos porque são poucos os que conseguem, com a arrecadação própria, se manter e fazer investimentos. Isso é um problema muito sério que faz com que os prefeitos tendam a buscar aliados em outras esferas que possam fazer essa transferência de recursos de uma forma mais fácil", afirma Monalisa Torres.
"Essa tendência, que chamamos na Ciência Política de tendência ao ‘adesismo’, reflete nessa busca por estar próximo daqueles que têm acesso aos recursos do Estado. Portanto, não é incomum observar essa movimentação dos prefeitos buscando os partidos daqueles que estão melhor posicionados na cena política estadual, os deputados eleitos, os mais próximos ao governo ou os que estão no próprio partido do governador”, acrescenta.
Reequilíbrio das forças locais
Um levantamento realizado pelo Diário do Nordeste mapeando as trocas partidárias desde as eleições de 2020 reforça a análise da professora. Os partidos que orbitam a base governista, de fato, concentram a maior quantidade de prefeitos no Estado. Já o próprio partido do governador Elmano de Freitas, eleito em 2022, é o que, atualmente, ganhou a maior quantidade de mandatários municipais.
Após a crise nacional enfrentada pelo PT em 2016, a sigla vive um de seus melhores momentos no País. No Ceará, não é diferente. Em 2020, o PT elegeu 18 prefeitos, mas já soma 42 chefes do Executivo no Ceará, se consolidando como a segunda maior força do Estado em número de prefeituras. A adesão ao partido cresceu justamente pouco antes e logo após a eleição de Elmano de Freitas ainda no primeiro turno, com apoio do ministro da Educação Camilo Santana (PT) e do presidente Lula (PT).
“Muitas das filiações são resultado de uma debandada em massa para a adesão às pressas aos partidos de situação. Trata-se de um realinhamento estratégico de forças para garantir apoio eleitoral, não apenas para 2024, mas já mirando 2026. Esse realinhamento se deve a dois fatores: primeiro, o alto capital eleitoral de Camilo Santana, que vem demonstrando uma enorme capacidade para influenciar decisões locais e que tem modificado peças importantes no tabuleiro da pré-candidatura à Prefeitura de Fortaleza. Segundo: a tentativa de reagrupar legendas que hoje amargam a crescente de desfiliações”, avalia Mariana Dionísio.
Um cenário bem diferente vive o PDT no Estado. A legenda enfrenta os efeitos do racha interno por conta do pleito de 2022, quando parte da sigla decidiu lançar a candidatura de Roberto Cláudio (PDT), que acabou em terceiro lugar na disputa estadual. O símbolo desse novo momento da legenda é o rompimento da relação entre o senador Cid Gomes e o ex-ministro Ciro Gomes, irmãos que dividiram a liderança do grupo governista do Ceará pelo menos desde 2007.
Com a divisão, Cid se aproximou do grupo petista no Ceará. Por outro lado, Ciro passou a liderar um novo grupo oposicionista no Ceará junto com o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT). O rompimento fez ascender na liderança do grupo governista cearense o hoje ministro Camilo Santana, responsável por encabeçar a campanha de 2022 no Estado para eleger seu sucessor.
No racha interno do PDT, o partido, que elegeu 67 prefeitos em 2020, chegou ao ano eleitoral de 2024 com 46 mandatários, dos quais quase 40 prometem deixar a legenda neste domingo (4), seguindo os passos de Cid. A mudança deve inflar os quadros do PSB, destino escolhido pelo grupo cidista. A sigla elegeu apenas oito prefeitos em 2020, mas já conta com 20 atualmente, sem contar com as cerca de 40 novas filiações.
Na oposição também há reconfigurações. O União Brasil, que nem sequer existia em 2020, agora reúne nomes oposicionistas no Estado, entre eles Capitão Wagner. Atualmente, o partido tem apenas dois mandatários nas prefeituras do Ceará.
O grupo liderado pelo ex-deputado, no entanto, sofreu baixas de prefeitos eleitos em 2020 — à época presidente do Pros —, como Vitor Valim, de Caucaia, que deixou o Pros pelo PSB, e Professor Marcelão, atualmente no PT.
Ao longo dos últimos quatros anos, ganhou força no Ceará o PL, que hoje reúne a oposição mais identificada com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em 2020, a legenda conseguiu eleger sete prefeitos, em uma demonstração de força do então presidente estadual do partido, Acilon Gonçalves, prefeito do Eusébio. Com a guinada da sigla rumo ao bolsonarismo, o PL soma quatro prefeitos no Estado, mas chegará às urnas fortalecido a nível estadual e nacional.
Consolidação de lideranças políticas estaduais
Ao mesmo tempo em que o pleito deste ano promete redesenhar o equilíbrio de forças partidárias, a liderança de alguns políticos cearenses também estará em jogo, ressaltam os cientistas políticos. Figuras como Cid e Ciro, por exemplo, que lideraram o grupo governista do Ceará por cerca de 15 anos, agora devem enfrentar o primeiro pleito municipal em lados opostos.
Professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará, Emanuel Freitas destaca especialmente o caso de Cid, que chega para as eleições em nova sigla.
“Como é que ele vai sair desse processo do PSB? Quais são as alianças que o PSB vai fazer a partir da entrada dele? Essas alianças produzirão resultados? A própria entrada dele e do grupo dele produzirão resultados positivos para o partido? Por outro lado, tem a liderança de Ciro Gomes, essa em ocaso. Qual papel ele vai desempenhar durante a eleição?”, destaca.
Já em ritmo ascendente de liderança no Estado, Camilo Santana também será posto à prova para “consolidar” e “ampliar” sua liderança, analisa Emanuel Freitas.
“Ele será a grande liderança testada. A vitória do Elmano trouxe para ele uma grande visibilidade, que talvez ele nem imaginasse, então isso vai ser medido na eleição de prefeitos e de prefeituras de cidades importantes, como Caucaia, Fortaleza, Sobral, Juazeiro do Norte e outras cidades do Cariri. Obviamente, de modo coadjuvante a do Camilo, a liderança do Elmano que está em construção, ainda será difícil distingui-la da liderança do Camilo"
“O resultado dessas eleições dirá para os dirigentes partidários se as mudanças produziram efeitos negativos ou positivos e como isso vai catapultar a próxima eleição (...) principalmente para partidos que se reformularam no que diz respeito ao seu comando: o PDT com a saída do Cid, o PSB com a entrada do grupo do Cid, o PL com a troca de comando e o PT com novos nomes, inclusive da oposição que migraram”, afirma.
Na oposição, segundo o professor, reaparece o nome de Capitão Wagner, mas agora surgem também como opção outra liderança mais identificada com o bolsonarismo.
“Você tem um teste importante para o Capitão Wagner, se ele conseguirá sobreviver ou não sem o apoio do bolsonarismo raiz, que deve marchar com o André Fernandes no primeiro turno, então eu acho que a liderança dele também estará em xeque (...) É a disputa, na verdade, de quem será o líder do grupo opositor do bolsonarismo raiz com essa certa separação entre eles”, conclui.
Fato é que, sejam cobiçados pela base estadual ou pelos grupos oposicionistas, os prefeitos cumprem um papel estratégico no pleito deste ano e no de 2026, ressalta a professora Monalisa Torres.
“Ter aliados nos municípios, sobretudo aliados do mesmo partido, facilita cada vez mais o fortalecimento e a musculatura do próprio partido. Não é só do ponto de vista da sua extensão, do seu tamanho, mas também do ponto de vista do voto, que vai ser importante, vai ser mobilizado e acionado nas eleições seguintes. Essas eleições agora vão ser muito importantes para perceber como vão se comportar os eleitores, os partidos e os candidatos, porque estamos vendo um momento de transição de ciclo político”, conclui.