Ceará tem 62,5% menos jovens eleitores em comparação à última eleição presidencial

É a menor representatividade desse eleitorado da história, desde que adolescentes conquistaram o direito ao voto facultativo

No Ceará, 40,5 mil jovens entre 16 e 17 anos de idade estão aptos a votar nas eleições deste ano, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse número é 62,5% menor que o eleitorado dessa faixa etária registrado pelo Tribunal em janeiro de 2018, à época do último pleito presidencial.  

É a mais baixa representatividade do eleitorado juvenil da história, desde que este público conquistou o voto facultativo com a Constituição de 1988, e acompanha uma tendência nacional. 

No Brasil, apenas 730,6 mil adolescentes se alistaram até o momento para votar. Em contrapartida, em janeiro de 2018, mais de 1,3 milhão de jovens já haviam buscado retirar o título de eleitor. 

Falta de representatividade 


O número de eleitores jovens no Ceará já havia sofrido uma queda de 25,4% entre as eleições de 2014 e 2018, saindo de 145,2 mil alistados para 108,3 mil.  

Contudo, o que justificaria uma queda tão mais brusca neste ano, justamente às vésperas de uma das eleições consideradas das mais tensas e disputadas desde a redemocratização do País? 

Para Celecina Veras Sales, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), dos programas de pós-graduação em Educação e Avaliação de Políticas Públicas, há um “desencanto” por parte desse eleitorado que reflete a falta de representatividade no Executivo e no Legislativo. “Não é que os jovens não acreditam na política, é que eles não acreditam nos políticos”, diferencia. 

A pesquisadora lembra que, historicamente, na América Latina, a juventude lidera movimentos sociais, sindicalistas e identitários importantes — ela citou o Movimento Passe Livre, de 2013, e a marcha pelo #EleNão, de 2018 — e que, mesmo atualmente, diante desse recuo dos alistamentos para o voto facultativo, os jovens continuam inseridos e engajados em atividades políticas de esquerda ou de extrema direita. 

“Acontece que muitos estão procurando movimentos mais identitários, como os movimentos negros, LGBTQIA+ ou ligados à questão ambiental”, observa Celecina, que volta a defender que a juventude não está “adormecida”, mas, sim, desacreditada da política ou até com medo das diferentes violências que pode sofrer se manifestar suas opiniões. 

Nos próximos meses, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) vai tentar atrair o alistamento do eleitorado jovem com palestras e outras ações de conscientização política que integram o programa nacional Eleitor do Futuro. A intenção do órgão é explicar para os adolescentes que o engajamento massivo deles nas eleições pode mudar os rumos do País. 

“A participação massiva dos jovens nas eleições é capaz de definir o resultado. Se a gente tivesse mais jovens votando, poderíamos ter outras pessoas eleitas. Não tenho dúvida”, compreende a coordenadora da Escola Judiciária Eleitoral do TRE-CE, Roberta Laena. 

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O prejuízo da desinformação 


Um outro fator que, segundo a professora Celecina Sales, contribui para que a juventude se sinta cada vez mais desacreditada na política, é o aumento desenfreado da desinformação, que foi um dos principais gargalos das eleições de 2018, que elegeram o presidente Jair Bolsonaro (PL), e que o TSE considera, hoje, um dos principais desafios a serem superados. 

Tanto que esse deve ser, também, o foco do ciclo de palestras que o TRE-CE vai executar nas escolas públicas e privadas do Estado.

“Vamos explicar (para os jovens) como checar notícias falsas, falar o que é desinformação e dar dicas de uso das redes sociais. A gente tem, hoje, um problema muito grande com o WhatsApp, com os compartilhamentos, em que um absurdo vai virando ‘verdade’, e a gente quer focar em como eles podem contribuir para que informações não verdadeiras não circulem”, adianta Roberta.  

Além disso, de acordo com a coordenadora, o intuito é fortalecer a Justiça Eleitoral como uma instituição imparcial que há anos trabalha para assegurar a integridade das eleições. “A urna (eletrônica) vem sendo questionada e a gente precisa mostrar que não se pode deixar que essas informações falsas circulem, prejudicando o processo eleitoral”, destaca. 

“Os jovens, como os adultos, também vão acreditando (em notícias falsas). Temos um movimento desacreditando em urnas eletrônicas. São coisas absurdas”, reforça Celecina.  

Mídias digitais 


Num ano em que se fala sobre as campanhas políticas estarem cada vez mais presentes no meio digital, chega a ser paradoxal haver menos engajamento da juventude nas eleições. Considerando que essa é uma geração que, em tese, nasceu imersa nas dinâmicas virtuais. 

“É um paradoxo. Como a gente tem uma juventude tão presente nas mídias sociais e tão distante das institucionalidades? A gente percebe, vendo essa quantidade de alistados, uma falta de consciência política sobre o voto facultativo”, diz Roberta. Isso porque, para ela, a principal diferença entre 2018 e 2022 é a pandemia de Covid-19. “E essa nova forma de vivência social, a importância de influenciadores (digitais) na formação dos jovens”, acrescenta. 

Para a professora Celecina, até mesmo esse ambiente virtual que é “confortável” para o jovem é, hoje, tido por ele como nocivo, perigoso, e pode pesar na decisão de se afastar do pleito. “Ao mesmo tempo que tem o lado muito positivo de poder passar informação, trocar ideias, debates, a gente vê a questão da intolerância, da mentira, que são coisas muito fortes e que influenciam muito nas decisões dos jovens”, constata a pesquisadora. 

De jovem para jovem 


Por mais que, nas últimas eleições, tenha aumentado o número de candidatura de mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+, ainda há pouca ou nenhuma representatividade nas bancadas legislativas e no comando dos executivos. 

Muitos jovens, quando entram nos movimentos estudantis, negros, LGBTQIA+, de mulheres, vão se politizando e, às vezes, depois, acabam se engajando no movimento da política representativa. Mas ainda temos uma política que representa grupos tradicionais, em que a maioria (dos eleitos) são homens adultos. A gente vê pelas bancadas. E mesmo quando há renovação, são filhos de alguém (com carreira política). Então, há essa problemática: o jovem não se vê representado”.
Celecina Veras Sales
Professora da Universidade Federal do Ceará (UFC)

O Diário do Nordeste procurou dois dos vereadores mais jovens de Fortaleza que conseguiram se eleger na primeira campanha — Gabriel Aguiar (Psol) e Carmelo Neto (Republicanos) — para entender como conseguiram o engajamento do eleitorado juvenil. 

Gabriel explicou que sua campanha, desde o início, foi pensada e executada por jovens, atendendo às demandas que esse grupo considera mais urgente, como as mudanças climáticas, por exemplo, que serão sentidas muito mais fortemente por essas gerações. 

A juventude renova o jogo. As pessoas que estão há muito tempo na política, às vezes, falam quase um outro idioma, diferente das mais jovens que estão interessadas em outras coisas, em meio ambiente, geração de oportunidade. Elas estão muito menos interessadas em discursos e muito mais em políticas concretas. Menos interessadas naquela política menor, de uma rua, de um bairro, e mais em uma política para a Cidade”, entende Gabriel. 

Segundo o vereador, de 27 anos, o engajamento desse público para a sua campanha foi “natural, orgânico” e construído ao longo de sua vivência online e offline durante dez anos. “A política que a gente propõe, e que faz no dia a dia, é a política que a gente queria ver alguém fazendo. Então, a gente foi lá, se juntou e está ocupando esse espaço”, concluiu. 

O vereador Carmelo Neto, de 19 anos, o mais jovem já eleito para a Câmara Municipal, se comprometeu a responder às perguntas enviadas pela reportagem, mas ainda não retornou. 

Fato é que, quando se tem um eleitorado jovem atuante, engajado, os políticos se veem “forçados” a olhar para esse público e ouvir suas demandas.  

“Na hora em que tenho um eleitorado jovem forte, com demandas específicas para a juventude, tenho, também, políticos que vão ter que se preocupar com essa parcela da população. Se eles vão percebendo que não tem esse eleitorado, não vão se preocupar. Isso está diretamente relacionado às propostas de campanha”, frisa Roberta Laena, do TRE-CE. 

Alistamento 


A estudante Bianca Sousa, 16, de uma escola da Capital, ainda não tem título de eleitor, mas pretende tirar. Para ela, a importância do voto facultativo vem das possibilidades, inclusive, de estudo, que se abrem a partir de uma nova eleição.  

Já Lúcia Isis dos Santos, 15, que, em breve, também terá idade suficiente para votar, acredita ser necessário que a juventude saiba quem ela quer “botar no poder”. “Acho que todos os adolescentes deveriam também se importar mais com isso, porque é uma coisa que a gente deve estar por dentro e não deixar de lado. Se a gente já tem idade e pode, então, a gente tem que correr pra tirar (o título). E, também, votar numa pessoa que a gente saiba que vai governar bem”, compreende a menina. 

O título de eleitor pode ser solicitado até o próximo dia 4 de maio. Devido à Covid-19, os atendimentos são feitos de maneira virtual pelo Título Net, o sistema de cadastramento do TSE. Para solicitar o documento pela primeira vez, tendo entre 16 e 17 anos de idade, basta ter um documento de identidade — pode ser até certidão de nascimento —, CPF e comprovante de endereço. Todo o procedimento é feito pelo site. 

Serviço  


Para solicitar o título de eleitor (tendo entre 16 e 17 anos) 


Acesse o site do Título Net, preencha os campos solicitados e apresente os documentos
Documentos necessários: documento de identidade, CPF e comprovante de endereço 

Podem pedir o documento todos os jovens que vão completar 16 anos até 2 de outubro de 2022, data do primeiro turno do próximo pleito. 

*Colaborou o repórter Felipe Azevedo.