O primeiro mês do deputado federal Arthur Lira (PP-AL) no comando da Câmara foi marcado por retaliações a adversários políticos e por uma derrota, após pressão da opinião pública, para votar a jato medida que amplia blindagem a congressistas.
No período, o líder do bloco do centrão, eleito em 1° de fevereiro com o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), manteve o esperado apoio para aprovar a autonomia do Banco Central, medida costurada na legislatura passada, mas teve uma de suas principais qualidades contestada por colegas: a de ser um cumpridor de acordos.
A troca do relator da medida cautelar que manteve a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e a ameaça de retirar siglas adversárias da mesa de comando da Casa, intenção sobre a qual acabou recuando, renderam a Lira um novo apelido entre deputados de centro e de esquerda: "descumpridor de acordos".
Eleito com uma ampla margem de votação –foram 302 votos, ante 145 do seu adversário, Baleia Rossi (MDB-SP)–, Lira já deu mostras, em seus primeiros dias no posto, de que, apesar do discurso de conciliação, a Câmara de todos defendida em sua campanha não necessariamente incluiria opositores dele.
Ainda em 1° de fevereiro, invalidou o bloco adversário por uma inscrição tida como irregular do PT e convocou novas eleições para preencher os cargos de secretários e suplentes da mesa. A medida irritou partidos de centro e de esquerda, o que levou o novo presidente a recuar e a costurar acordo que contemplou siglas como PT, PSDB e DEM.
Nos dias seguintes, confirmou a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), sua aliada de primeira hora, como presidente da CMO (Comissão Mista de Orçamento), iniciativa adotada após meses de disputa pelo posto com o grupo do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Outras mudanças
No primeiro mês, Lira também assinou medida administrativa que exonerou funcionários da gestão anterior com cargos comissionados e desalojou os jornalistas do comitê de imprensa, espaço ocupado pelos veículos de comunicação desde os anos 1960.
Com a mudança, o antigo comitê dará lugar ao gabinete do presidente, que poderá se deslocar ao plenário sem ser abordado por jornalistas ou cidadãos. A troca foi imposta aos jornalistas, que não foram consultados e, apenas após queixas, foram convidados a discutir o desenho do novo comitê de imprensa.
Com apoio do Planalto, que ofereceu cargos e emendas para assegurar sua vitória, Lira aprovou no período duas medidas caras à equipe econômica: a autonomia do Banco Central, que estabelece mandatos fixos a presidentes e diretores, e sugestões de mudança na lei cambial, que precisavam ser votadas para que o texto seguisse ao Senado.
"Foi um mês de intenso trabalho, no qual tivemos a oportunidade de votar matérias importantes relacionadas à Covid e à economia", diz Celso Sabino (PSDB-PA). "E foi dada a oportunidade a deputados, que antes se queixavam de não poderem participar das sessões, de estarem presentes e serem ouvidos."
No período, Lira tentou adotar posição de independência em relação ao Executivo. Por exemplo, marcou reunião com governadores para debater a pandemia –no momento em que Bolsonaro atacou gestões estaduais por medidas restritivas– e, em caráter reservado, demonstrou resistência à votação da chamada pauta de costumes.
Em um contraponto, porém, bancou o nome favorito do presidente para o comando da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), o da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que enfrenta forte resistência no Judiciário, e teve seis encontros com Bolsonaro, tanto nas dependências do Executivo quanto do Legislativo.
Mas o episódio que mais marcou o primeiro mês do líder do centrão como presidente, na opinião de colegas de plenário, foi a derrota na PEC da blindagem de deputados. Na terça de Carnaval (16), o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a prisão de Daniel Silveira.
A decisão teve como base a publicação de um vídeo do deputado com ataques aos ministros da corte e a defesa do AI-5 (Ato Institucional nº 5), que deu início ao período mais autoritário da ditadura. A decisão de Moraes foi confirmada por unanimidade pelo plenário da corte no dia seguinte.
A tentativa de reverter a medida no plenário da Câmara perdeu força quando passou a prevalecer a leitura de aliados de Lira de que a prisão de Silveira não abriria brecha para que o STF ampliasse o uso de mandados de prisão contra parlamentares.
Nesse contexto, Lira tomou duas atitudes que foram mal vistas por colegas. A primeira foi convidar –e depois trocar– Carlos Sampaio (PSDB-SP) para relatar o parecer da medida cautelar contra Silveira. Ele foi substituído por Magda Mofatto (PL-GO), de um partido do centrão.
O segundo erro foi insistir na PEC da Imunidade Parlamentar, anunciada após o episódio Silveira e que foi vista por setores da sociedade e até por parlamentares como uma tentativa de legislar em causa própria. Ela foi apelidada de PEC da Impunidade.
A proposição foi apresentada na terça-feira passada e a intenção do presidente da Câmara era aprová-la a toque de caixa. A pressão para acelerar a tramitação, no entanto, foi barrada na sexta (26), após o líder do centrão perceber que não teria apoio de 308 deputados, como exige uma PEC, para aprovar a proposta.
Na leitura de aliados, foi um desgaste desnecessário com resultado pífio, já que o texto seguiu para uma comissão especial, em um rito tradicional. No dia seguinte, segundo aliados do presidente, ele ainda procurava culpados para o fracasso e criticava as exigências feitas por petistas.
Lira também foi acusado em seu primeiro mês de tentar diminuir o espaço de manifestações da oposição, costurando acordos para reduzir o chamado kit-obstrução e dizendo, no plenário, que não vai mais tolerar adjetivações –em resposta a declarações de integrantes do PSOL que chamaram Silveira de fascista.
Kim Kataguiri (DEM-SP), que faz oposição ao presidente da Câmara, foi retirado da relatoria de projeto de licenciamento ambiental. Para ele, Lira é a legítima representação do velho patrimonialismo. "Lira acredita que a presidência é sua, não da Câmara", diz.