Eduardo Leite e a coragem necessária para além do gesto de se declarar gay

É preciso que a representatividade celebrada e o apoio dos democratas signifiquem ação para transformações mais amplas

Passado o mês do orgulho LGBTQIA+, um ato pessoal - e político - do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), ganhou as manchetes desde a última quinta-feira (1º). Declarar-se publicamente gay é, sim, um ato de coragem. É preciso reconhecer a importância do posicionamento.

É um ato corajoso para o governador de um estado conservador que, certamente, calculou cada palavra a ser dita sobre o assunto na condição de eventual presidenciável; é ainda mais para outros milhares de membros da comunidade LGBTQIA+, especialmente para os que não têm os mesmos privilégios que o gaúcho, portanto marginalizados, excluídos, violentados de diferentes formas diariamente. 

Ocupar espaços importa, mas importa mais ainda como eles são ocupados. 

Na política, a despeito do deboche rejeitável do presidente homofóbico Jair Bolsonaro (sem partido), Eduardo Leite recebeu demonstrações de apoio de grandes lideranças partidárias do País. De diferentes espectros políticos.

Foi abraçado por medalhões tucanos e por políticos de outros partidos, inclusive Fátima Bezerra (PT), governadora do Rio Grande do Norte, que veio a público na sexta (2) para dizer que também sabe “o que é a dor da discriminação e do preconceito”. 

Lésbica, ela afirmou que “na minha vida pública ou privada nunca existiram armários” e que sempre demarcou posições em sua atuação política, “sem jamais me omitir na luta contra o machismo, o racismo, a LGBTfobia e qualquer outro tipo de opressão e de violência”.

Cobranças 

Em paralelo às demonstrações de apoio, uma contradição evidente do tucano, apoiador em 2018 do então candidato a presidente que já falou que “seria incapaz de amar um filho homossexual” e levou à campanha mentiras como o “kit gay”, também foi alvo de críticas e cobranças.

Eduardo Leite, que não sabemos em que condições chegará às eleições de 2022, tem, agora, o dever de encará-las. Ele e muitos dos que, na onda de repercussões do peso simbólico do gesto do governador gaúcho, o apoiaram.

No País que mais mata transexuais no mundo, pessoas trans representam menos de 1% do total de vereadores eleitos no Brasil em 2020. Foram 30.

Um aumento considerável em relação às oito candidaturas exitosas em 2016, mas ainda um número ínfimo dentre 67,9 mil parlamentares ocupantes de câmaras municipais, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgados pela iniciativa de jornalismo independente “Gênero e Número”. 

Mesmo após a eleição, a violência política existe nos parlamentos, mas o que muitos políticos, da direita à esquerda, fazem para combatê-la nos espaços de poder? 

O que muitos dos que apoiaram Eduardo Leite disseram sobre a travesti Roberta Nascimento, sem-teto, que teve os dois braços amputados em Recife (PE) após ter 40% do corpo queimado por um adolescente?

E a respeito do assassinato do jovem gay Gabriel Carvalho Garcia, operador de telemarketing morto a tiros em Embu das Artes (SP) num crime sob suspeita de motivação homofóbica? 

São apenas dois entre inúmeros casos. Ambos ocorridos em junho, mês do orgulho LGBTQIA+.

Violências

A violência física é gritante, mas há outras, materializadas no desemprego, na evasão escolar, na negação recorrente de direitos, apesar dos já conquistados. 

A discussão pode estar no Rio Grande do Sul, no Rio Grande do Norte, mas também está perto de nós. Na Câmara Municipal de Fortaleza e na Assembleia Legislativa do Ceará, só 0,2% das propostas apresentadas entre janeiro e maio versam sobre direitos LGBTQIA+, conforme já mostrou o Diário do Nordeste.

Nesta semana, na capital cearense, representantes do movimento LGBTQIA+ chegaram a ocupar o Centro de Referência Janaína Dutra cobrando da Prefeitura de Fortaleza execução orçamentária em políticas públicas voltadas a esta população e a retomada integral das atividades do equipamento. As pautas foram acolhidas pelo prefeito José Sarto (PDT) após reunião. 

Por isso, assim como no início, termino este texto falando de coragem. Afinal, é necessário que a representatividade celebrada e o apoio dos democratas signifiquem coragem também em outros momentos. Ou melhor, em todos.

Que as vozes se levantem, falem cada vez mais alto, para transformar uma realidade da qual faz parte, sim, Eduardo Leite, mas vai muito além dele. Numa sociedade em que se preze por dignidade e igualdade de direitos, não deve haver espaço para o silêncio dos bons.