Para muitos brasileiros a palavra Argentina evoca um conjunto de imagens e associações específicas na memória. A rivalidade histórica no futebol, Maradona, doce de leite, alfajor, Jorge Luís Borges, Júlio Cortázar, o tango, a Guerra do Prata, a Mafalda criada por Quino, Papa Francisco, o cinema argentino, O segredo dos seus olhos, Ricardo Darín, Che Guevara, Evita Perón, Madonna cantando como Evita Peron. Dessa lista, poucas coisas são tão dramáticas e comoventes que as Mães da Praça de Maio.
As palavras mãe e maio na mesma frase são uma ferramenta publicitária desgastada e já estamos tão acostumados a ver esse binômio como símbolo de amor e pureza que já perdeu o efeito. Porém, as imagens de mulheres com panos brancos nas mãos, chorando e clamando por justiça para seus filhos subverte o sentido mercadológico e nos joga em um abismo de dor.
As mães da Praça de Maio, com suas presenças corajosas e persistentes, são o retrato da esperança que teima diante do desespero. Suas filhas e filhos desapareceram durante a Guerra Suja, de 1976 a 1983. Elas os pediam de volta, vivos ou mortos. Para retomar a vida ou para enterrá-los com dignidade.
Cerca de quinhentos desaparecidos, de um total de aproximadamente trinta mil, eram bebês que foram sequestrados, arrancados dos braços de suas mães. Crianças de colo. Algumas, com sorte, encontraram uma família e foram adotados. Perderam-se de seus pais para sempre. Sobre outros, nunca se soube o destino.
Essas mulheres iniciaram seu movimento com um gesto desesperado de súplica, mas aos poucos compuseram um propósito político, denunciando para o mundo essa cruel violação dos direitos humanos. As pioneiras foram Azucena Villaflor de De Vinci, Berta Braverman, Haydée García Buelas; María Adela Gard de Antokoletz, Julia, María, Mercedes e Cándida Gard (quatro irmãs); Delicia González, Pepa Noia, Mirta Baravalle, Kety Neuhaus, Raquel Arcushin e Senora De Caimi. Em dezembro de 1977, Azucena foi sequestrada, sedada e levada no voo da morte, a prática de tortura que jogava os inimigos da Ditadura Militar do alto de um avião, dentro do mar.
Em julho de 2021, a Administração Nacional de Seguridade Social reconheceu e assegurou o direito à aposentadoria de mulheres que dedicaram parte de sua vida ao cuidado com os filhos, biológicos ou adotados. Muitas mulheres decidem largar seus percursos profissionais para cuidar da família. Elas deveriam ser amparadas, mas a conjuntura social castiga e pune com a exclusão.
Gestamos, parimos, amamentamos, cuidamos dos detalhes, sofremos, curamos e recebemos em troca um olhar enviesado do mercado de trabalho, que coloca a mãe em um lugar de menos produtividade e valor. A Argentina começou a reparar esse equívoco. A Suécia já garantia dois anos de licença maternidade, a Escandinávia, em geral, tem um posicionamento político social muito diferente do que se pratica nas américas.
Mas estamos falando da Argentina, esse país onde a palavra mãe tem um significado histórico mais profundo. O solo argentino guarda a marca da dor dos bebês perdidos, das mulheres que lutam por seus filhos mesmo depois de perder as forças.
Essa mudança nas regras previdenciárias guardam uma esperança de que um dia a mulher que decide ser mãe possa viver em um mundo justo e que seja recompensada, amparada e nunca punida pelo desejo de florescer e nutrir outra vida.
A justiça no país ao lado é um sopro de esperança para nós, brasileiros. Um dia também voltaremos a caminhar para frente.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.