Ninguém morre quando vive dentro de nós

Essa foi uma lição que aprendi há alguns anos

Hoje, 02 de novembro, Dia de Finados, resolvi escrever esse texto que você, possivelmente, está lendo no dia 07 de novembro.

Dia 02 e dia 08 lembram finados para mim, portanto, faz sentido o texto a seguir.

Sempre achei o Dia de Finados uma data esquisita, porque não via nas pessoas o exercício da reflexão sobre o tema. Nem eu mesma gosto de pensar em morte, na sensação de finitude das pessoas.

O que via, e ainda vejo, é muita gente aproveitando feriado para diversão, outras, cumprindo obrigação para ir ao cemitério visitar o túmulo de um finado e, outras, para agitar o comércio fúnebre.

Lembro que, quando meu avô morreu, meu pai era companhia certa para a minha avó, sogra dele, para ir ao Cemitério São João Batista. Ela escolhia a dedo a data para visitar o jazigo: 02 de novembro.

Quando voltavam de lá, a ladainha da vovó era certa: “que estava quente demais”, “que era gente por todo canto”, “que o jazigo do Holanda está precisando ajeitar”, “que o pessoal do cemitério recebe e não cuida”, “que só faltei não achar o túmulo”, “que anuidade não vale a 'hospedagem'” , etc

Meu pai, por sua vez, esbaforido, de saco cheio, porque a vovó, sua sogra, era teimosa e só fazia o que queria e quando queria e, ele, fazia todas as vontades dela, dizia que aquele não era o dia para ir ao cemitério resolver as coisas que ela queria resolver e, portanto, fosse em dia mais calmo para, depois, reclamar, se fosse o caso. Sempre muito ponderado, porém aborrecido. Uma graça ver a cena.

Seguia os conselhos do genro. Agora, imaginem quem era a eleita para acompanhar a vovó? Eu! Claro! A neta mais velha, a mais próxima e, também, a única que morava na cidade dela. Que “programaço”!

Ir ao Cemitério São João Batista é esbarrar com muitos nomes da história do Ceará e entender a ostentação da época. Ok. Agora, ir a esse cemitério com a vovó, um ser interessante até hoje, é outra coisa! A vovó, quando chegava lá, entrava como se fosse sócia do pedaço. Só podia: tinha não sei quantos parentes enterrados ali...

Bom, ela seguia andando na frente com uma disposição invejável. Entrava em “ruas”, visitando túmulos de um monte de gente e contava para mim como tinha sido a vida de cada um deles. Apesar de fúnebre, eu gostava, porque tinha uma foto e viajava nas histórias.

É lógico que encontrar o túmulo do Holanda ficava difícil, né? Ela desfocava demais a missão pretendida. Além disso, conversava com Deus, o mundo, 3 marcianos e a polícia no trajeto. Hoje, vejo que tenho a quem puxar...

Só sei, que, no final do dia, chegávamos no túmulo do vovô. Era uma lápide de mármore branca e sem detalhes. Sem fotos. Só o nome e as datas de chegada e saída da vida terrena. A vovó inspecionava, rapidamente, e voltávamos com o dever cumprido.

Sair com a vovó me deixava exausta. Observava o jeito dela. Ela queria viver e a morte não era o fim para ela. Tudo estava muito vivo na memória.

Muito tempo depois, vivenciei a partida do meu pai no dia 08 de novembro. Meu grande amigo. Nunca pensei que conseguiria vencer aquela dor que rasgava o meu coração.

Lembro das palavras sensatas do Tom Trajano, meu terapeuta e amigo, quando chegou ao velório: “esse é só um corpo. O espírito dele não está aí.”

De fato, aproveitei aqueles instantes só para olhar para o meu pai e estar, fisicamente, ao seu lado. Não o sentia ali.

Todos os protocolos foram seguidos. O jazigo do meu pai é no Parque da Paz. Perto tem uma bougainvillea florida pink. É alegre e perto da movimentada avenida Juscelino Kubistchek.

Devo ter ido lá umas 3 vezes, apenas. Lá tem até nomes de ruas para chegar ao jazigo, mas me dá uma agonia em saber que vou pisando em copos enterrados. Parece-me desrespeitoso, sei lá!

Não reconheço aquele lugar como a morada do meu pai. Não acho que ele esteja ali e nem valorizo o Dia de Finados e nem o dia 08 de novembro como dia da morte.

Aliás, morte traz uma ideia de finitude. Se meu pai vive dentro de mim, se o encontro em sonhos, lembranças e histórias, se tenho momentos maravilhosos quando escuto histórias, vejo em fotos e converso com ele na minha mente, como pode ter morrido?

Gente, escutar com o coração é o mais verdadeiro encontro de almas que você tem com qualquer pessoa estando ela em outro plano ou, até viva. É a conexão. É o amor. Esse sentimento não acaba com a distância do corpo, da carne.

Quem sente o amor, não tem separação. Ele permite o reencontro de almas. Aceitar, desapegar e seguir os exemplos é a grande sacada para tornar tudo mais leve nesse distanciamento físico.

Obrigada, Vó, por sua leveza, por me ter escolhido como companheira em programas, aparentemente fúnebres! Isso me deu a oportunidade de perceber que são as histórias de pessoas que as tornam vivas até hoje.

Obrigada, pai, por me fazer entender que o amor torna qualquer pessoa imortal sem tristezas.

A vida é para frente.

Dominguemos, Amém!