Desembargador vira garçom, ganha gorjeta e garante espetinho de 'gato' que faz rugir como leão

Ser um torcedor nato tem que ter versatilidade para se desdobrar em campos desconhecidos, tal qual o da história de hoje, que mostrou ter muita habilidade

Legenda: Dezim
Foto: Jeritza Gurgel

Era domingo. Um dia de paz e tranquilidade na residência da família dos Júnior. O patriarca só pensava em ir ao estádio, assistir, no final da tarde, o jogo do seu amado tricolor disputando o título de uma Copa, daquelas milhares que tem no futebol.

Amanheceu com superstição nata dos torcedores: vestido com a camisa do time para passar todo o dia, senão o leão não rugiria no final do dia.

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Andava de um lado para o outro, arrastando a chinela japonesa, falando ao telefone com os amigos e trocando aquelas ideias, desnecessárias, como se fosse um grande sabedor na técnica futebolística. Tem nada não, deixa o “pobi”, isso anima qualquer torcedor e faz a imaginação balançar a rede do gol.

De repente recebe uma ligação da filha, proprietária de um restaurante. Ela estava preocupada com a ausência de alguns empregados e pediu uma força braçal para aquele pai que, naquele dia, não queria ser pai, nem sogro e nem marido de ninguém, apenas, um torcedor do Fortaleza.

Resultado: o pai, vestido com a camisa tricolor, foi lavar os copos do estabelecimento para ajudar a filha. Esse tinha sido o trato.

Prático, bem resolvido, disposto e impaciente, lavou os copos, conforme combinado.

Durante a distração com a louça, a cabeça ficou a mil. A superstição começou a dar sinais de que o time poderia sofrer abalos, porque a camisa de fé não estava do jeito que sempre assiste ao jogo. Estava suada, molhada e com um leve odor.

Arrastando a chinela japonesa, preocupado com o placar futuro, crente que poderia ir ao estádio, a filha, percebendo que o pai estava se saindo bem na nova atividade, disse:

- Pai, hoje, você terá que ser o garçom!

Lascou! Fez um aditivo ao trato firmado e incluiu que estaria na função de garçom desde que não mandasse tirar a camisa do leão. Solicitação deferida, colocou um pano no braço e foi atender uma mesa, cujos integrantes, quase bestas, nem “boa tarde” deram:

- Traga o cardápio de bebidas.

O novo garçom apresentou a carta de vinhos e iniciou a discussão na mesa sobre a melhor harmonização.

O tempo foi passando e o tal garçom percebeu que os clientes não entendiam de nada sobre o rótulo ideal para acompanhar os pedidos.

Impaciente, resolutivo, acostumado em solução de conflitos, disse:

- Macho, esse vinho combina com esse prato. Peça logo assim e encerre o assunto.

Os clientes ficaram impressionados com o desprendimento e intromissão do novo profissional que apontava ali, mas aceitaram a dica.

Pouco antes das dezesseis horas, pediram a conta, para alívio daquele torcedor que estava doido para ir ao estádio.

- Garçom, a conta, por favor!

- Pois, não! Cartão?

- Sim. Quanto é a gorjeta? Não estou vendo na conta.

O garçom, doido para ir embora dali, disse:

- Macho, se preocupe com isso não. Vá “simbora”.

- Pois, tome, então, esses “dezim” para você tomar seu cafezinho e comprar uma carteira de cigarro.

O garçom recebeu dando gargalhada daquele momento.

Os clientes, certamente, até hoje, pensam que ele não era normal do juízo. Afinal, onde se viu num restaurante chique ter um garçom de chinela japonesa, bermuda, vestido com uma camisa do Fortaleza e desbocado que nem ele?

Quem vê um restaurante daquele, não vê perrengue e nem sabe que aquele pai, torcedor do Fortaleza tinha mais que juízo: já tinha sido juiz e, atualmente, era um Desembargador Federal em um dia de folga, doido para ir cedo ao estádio assistir ao jogo. 

Pois bem, depois do episódio, o Desembargador foi para o estádio e, com os “dezim” comprou uma cervejinha e aquele tradicional espetinho de “gato”, porém começou a sentir umas pontadas fortes na barriga que o levou para o “trono” do estádio rugindo como leão. Bem que a superstição dele tinha cabimento...

Além de não assistir ao jogo, o time não serviu para ganhar naquele fatídico dia. Entretanto, ele serviu para garantir uma ajuda a filha, ganhar os “dezim” e render essa história que contei aqui morrendo de rir.

Legenda: O torcedor, garçom, Desembargador Federal, cidadão e pai, Jefferson Quesado Júnior, com a filha, Mirella Quesado
Foto: Arquivo pessoal

De toga ou camisa do Fortaleza, sendo Desembargador Federal, ou sendo um garçom, mostrou-se ser um cidadão de atitude, desprendido de vaidade e um legítimo torcedor que vai ao estádio, um espaço democrático, compartilhar as mesmas paixões, independentemente, de idade, cor e classe social.

Esse sentimento de solidariedade foi a grande lição de hoje.

Dominguemos, Amém!

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.