Quem acompanha a atual temporada do Big Brother Brasil já percebeu que a relação de alguns participantes com a alimentação vem chamando a atenção até mesmo de quem não é fã. O ator e cantor Arthur Aguiar já protagonizou cenas que levantam diversos debates. Poder ou não comer pão é um desses dilemas. Por outro lado, a aparente restrição alimentar da modelo Bárbara Heck tem preocupado até mesmo as colegas de confinamento.
Mas o que esses comportamentos nos mostram da nossa própria relação com a comida? Enquanto um participante aparenta estar aproveitando o programa para degustar alimentos que não fazem parte do dia a dia, outra sister se mantém na maioria dos dias com uma pequena variedade de refeições.
Essas atitudes trazem ao debate uma série de comportamentos que está bem mais próximo de muitos de nós do que nos damos conta. Por vezes, deixamos de comer algo por achar que o alimento vai trazer prejuízos ou restringimos nossa alimentação até mesmo para compensar algum excesso de dias antes.
Para a nutricionista Pabyle Flauzino*, os casos têm em comum um ponto chamado pelos profissionais da área como “nutricionismo”, que é reduzir o alimento aos nutrientes. Quando isso ocorre, por exemplo, o alimento não é visto como um pão, mas como carboidrato e ainda podem ser classificados como bons ou ruins.
A nutricionista Larissa Albuquerque** acrescenta que, por muitas vezes, com a restrição ou proibição de determinados alimentos, está se praticando um “terrorismo nutricional”. As pessoas, segundo ela, ficam com medo de comer e o ideal seria construir uma boa relação com a comida.
"Não deveríamos ter medo de comer, pois é algo que faz parte da nossa vidas todos os dias. O ideal é construirmos uma relação leve e boa com a comida”, diz Larissa.
As duas ressaltam que não devemos julgar os comportamentos do Arthur e da Bárbara como certo ou errados, mas a partir deles, podemos debater um pouco das relações alimentares vistas na nossa própria sociedade.
Dicotomia alimentar
A primeira cena de Arthur Aguiar que viralizou na internet em relação à alimentação foi quando ele comeu pão. A esposa do brother, a influencer Maíra Cardi, postou uma sequência de stories brincando com o fato e afirmando: “amor, você não podia ter comido pão. Você acabou de destruir todo o trabalho que eu fiz no seu corpinho, 9 kg se foram a toa. 30 dias batalhando nesse corpinho pra estar aí, bonito, amostra, para o Brasil inteiro ver e você me comeu pão. Não faça isso!".
A cena levou então a alguns questionamentos, realmente o pão faz mal? Devemos colocá-lo como vilão? Pabyle explica que não existem alimentos bons ou ruins, mas “tudo depende do contexto, da quantidade e da nossa história”.
Larissa Albuquerque questiona: "qual seria o problema em comer o pão?” Segundo a profissional, o pão tradicional trará problemas para pacientes que têm doença celíaca. E hoje, no mercado, já temos pães sem glúten voltados para esse público. Ela lembra que ao longo da história muitos alimentos foram classificados como vilões e depois mudaram de status, o ovo é um exemplo disso.
A nutricionista explica que dentro da nutrição isso é conhecido como dicotomia alimentar, que é quando se classifica um alimento como vilão e outro como “mocinho”. Segundo ela, o alimento por si só não deve ser julgado, porque quando proibimos algo, há uma maior tendência de desejar aquilo e até comer em excesso.
Albuquerque continua explicando que a dicotomia alimentar funciona, por exemplo, quando achamos que um pedaço de bolo não é saudável, mas as frutas são. “Se eu tiver um paciente que passa o dia inteiro fazendo a dieta da maçã... Será se nesse contexto, a fruta é mais saudável?”, exemplifica.
Consenso entre as duas profissionais é que um alimento por si só não deve ser classificado como bom ou ruim. Elas reforçam que comer está relacionado à nossa história, que é vida, cultura, e uma boa relação com a comida é essencial.
“A verdade é que não existem alimentos 'bons' ou 'ruins', porque tudo depende do contexto, da quantidade e da nossa história. Não é um pão, um pedaço de pizza ou um hambúrguer ao final de semana em família que vai fazer com que ninguém coloque a própria saúde em risco. Pelo contrário: é melhor comer um pão em paz do que não comer o pão e aumentar os sentimentos de ansiedade, angústia e culpa”, comenta Pabyle.
Excessos alimentares
Além do pão, Arthtur Aguiar protagonizou outra cena que rendeu memes nas redes sociais. Em uma festa, ele narrou todo o cardápio disponível e disse o que tinha provado. Em outro momento, ele experimenta jujuba e revela que nunca tinha comido o doce.
O comportamento do brother leva também a outro debate que é sobre os excessos. As nutricionistas falam que, quando se há grandes restrições alimentares, o próprio corpo pode criar mecanismos para compensar e, por isso, vem a comida em excesso.
“Geralmente quem segue estas regras pode restringir a alimentação de modo a evitar os alimentos considerados ‘ruins’. A restrição é tanta que pode existir um mecanismo do próprio corpo de ‘compensar’ o tempo perdido, fazendo com que a gente coma além do limite. E isso a gente consegue observar com o Artur quando ele entra nas festas e come vários alimentos que ele considera ‘ruins’, ‘vilões’ ou ‘engordativos’, pontua Pabyle.
Larissa Albuquerque complementa afirmando que, em muitos casos, quando se diz que não pode comer determinado alimento na semana, o paciente começa a pensar nele e aumenta o desejo.
“Quando a gente fala 'não pode comer bolo de chocolate durante a semana', possivelmente você vai pensar no bolo de chocolate. No entanto, se considerarmos o bolo como apenas mais um tipo de comida, sem classificá-lo como ‘não saudável’, vamos comê-lo em situações e momentos que acharmos interessantes, e tudo bem!”, exemplifica.
A nutricionista reforça ainda que é natural você chegar a uma festa e querer provar de comidas que não tem no seu dia a dia. Os problemas, geralmente, são os excessos. Ela reforça também que restrições severas podem levar à compulsão alimentar.
Restrições de Bárbara
A modelo Bárbara também chamou atenção dentro e fora da casa por seu comportamento alimentar. Ela foi julgada pelas restrições que faz no dia a dia e até pela forma de compensar quando há “excessos”.
Comendo, na maioria dos dias, ovo, salada e limão, a sister virou alvo por ter uma alimentação restrita. As nutricionistas destacam primeiro que não é possível julgar se esse comportamento da sister é certo ou errado. Elas indicam que apenas o profissional que acompanha a participante sabe das reais condições a que ela se submete.
“A Bárbara é outro exemplo no BBB de uma possível relação disfuncional com a comida. Por vezes a sua alimentação só inclui ovos, salada e limão. Em dias de festa, ela se permite comer os alimentos que considera ‘proibidos’ ou ‘ruins’ e, no dia seguinte, passa a maior parte em jejum. Não é possível julgar estes comportamentos da Bárbara como certos ou errados, mas, como profissional de saúde, preciso alertar para os riscos de veicular isso sem o determinado ‘alerta’. Esta ‘restrição’ acompanhada de ‘compensação’ é um importante fator de risco para um comer disfuncional e transtornos alimentares. Restrições extremas, seguidas de jejuns podem comprometer a saúde física e mental, principalmente de mulheres”, comenta Pabyle.
Outro ponto vivenciado por Bárbara dentro do reality foi que alguns participantes criticaram a sua alimentação e até sugeriram novas dietas. Larissa Albuquerque lembra a importância de ninguém comentar sobre o corpo do outro e que apenas o profissional formado em Nutrição pode prescrever dietas.
“A gente não precisa falar do corpo de ninguém e nem da alimentação de ninguém. Então, mesmo quando falamos da alimentação do outro com a intenção de ajudar, é preciso ter muita cautela, pois as vezes podemos piorar a situação e causar resistência por parte do paciente”, afirma.
Pabyle também reforça a importância de manter uma boa relação com a comida. “Quando se fala de 'comida', o ideal é lembrar que além de nutrir nossos corpos ela também possui outras funções em nossas vidas, como a sociabilização, o afeto, a história de nossas famílias, a cultura, o gosto pessoal e a memória. Manter uma boa relação com a comida é manter uma boa relação com boa parte de nossa jornada”.
*Pabyle Flauzino é Nutricionista, Doutoranda em Saúde Coletiva (Uece), Pós-graduada em Comportamento Alimentar e Ativista Digital pelo direito à saúde em todos os tamanhos.
**Larissa Albuquerque é nutricionista formada pela Universidade de Fortaleza (Unifor), mestre em Nutrição e Saúde (UECE), especialista em Nutrição Clínica (UNESA) e pós-graduada em Comportamento Alimentar (IPGS), atua como docente no Curso de Graduação em Nutrição da Universidade de Fortaleza. Nutricionista voluntária do Programa Interdisciplinar de Nutrição aos Transtornos Alimentares e Obesidade (PRONUTRA) da Unifor.