Nos últimos dois anos, uma expressão do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, que muito me agrada, se disseminou - “Sociedade do Cansaço” - e creio que ela sintetiza o espírito do nosso atual modelo social. Para o filósofo, vivemos um tempo de excesso: de consumo, de trabalho, de desempenho, de performance, de positividade.
Diferentemente de outrora, não há mais somente um chefe exigente que controla nosso desempenho nos mínimos detalhes, nós internalizamos O Chefe, viramos tiranos de nós mesmos.
Não há dúvidas de que essa exigência constante de desempenho nos assola, nos causa estresse. Afinal, se decepcionarmos esse chefe que nos habita, decepcionaremos a nós. Se as metas impostas - às vezes, as chamamos de "nossos sonhos" - são difíceis de serem cumpridas, o chefe que nos espreita nos cobrará, da forma mais ditatorial possível, esse desempenho.
"Você é fraco, preguiçoso, não faz nada que preste", diz esse chefe. Até mesmo nos momentos de prazer e de puro ócio, a angústia nos abate: há sempre a lembrança daquele relatório que ficou pela metade, da mensagem não respondida, das horas extras que serão necessárias cumprir na próxima semana, “eu deveria estar estudando”, "eu deveria, deveria, deveria..." etc.
Esse chefe surge como o "peso de consciência": ele nos fiscaliza e nos julga - com o nosso próprio olhar - até nos momentos mais lúdicos. A vergonha de si se instala, a crença na alta performance em tempo integral se torna o novo dogma social e o cansaço e a autovigilância cobram sua dívida: estresse, depressão, ansiedade, automedicação. São, sim, tempos doentes e adoecedores.
E, diante de deste cenário, chegam em nossos consultórios de Psicologia pessoas querendo melhorar ainda mais sua performance, a deixar de lado o “mimimi” e viverem uma vida com menos estresse. Normalmente, essas pessoas não se questionaram sobre o entorno, não se questionaram se há algo podre no Reino da Dinamarca. Como autômatos, buscam fórmulas mágicas para se encaixarem, cada vez mais, em uma sociedade adoecida - sem tecer um questionamento sobre esta.
Do lado de cá, os psicólogos que bem sabem que não é sinal de saúde se adaptarem 100% a uma sociedade doente, explicam, incansavelmente, que a terapia não tem por função formar nenhum “normótico”. Nenhuma boa terapia contribuirá para a normalização de processos sociais adoecedores.
Terapia também não é uma fuga efêmera da realidade - nem sempre é relaxante, nem sempre é prazerosa - busca-se a parcela de responsabilidade de cada um na manutenção desse estresse para que se alcance a mudança desejada.
Sim, embora não seja o que aprendemos, quando o nosso bem-estar é a moeda de troca, nem toda dívida precisa ser paga - é preciso negociar. Há nisso um grande potencial de redenção.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.