“Papai, a nossa árvore de Natal está menor”. Três segundos após soltar a frase, Alice, 12 anos, deu-se conta de que, na verdade, ela é que espichara bastante desde o ano passado para cá. O velho pinheirinho artificial armado no meio da sala, que um dia talvez já tenha lhe parecido um colossal baobá, agora é somente poucos centímetros mais alto do que ela.
Como sempre fazemos no início de dezembro, acabamos de tirar do fundo do armário os enfeites e começamos a decorar a casa para o Natal. Sim, há algo de brega nesse excesso de brilhos e adornos em tons de verde, dourado e vermelho. Sim, há algo de kitsch nesta trilha sonora que eu e minhas filhas mais novas gostamos de ouvir enquanto penduramos bolas, fitas, laços, luzes e pequenos papais-noéis nos galhos da arvorezinha de plástico.
Apesar disso, trata-se de um ritual ansiosamente aguardado por todos nós, aqui em casa. Assim como eu, minhas filhas adoram o Natal. Creio que as contaminei com o sentimento que, por minha vez, contraí de minha mãe. Uma das mais ternas lembranças de minha infância é a visão de mamãe, por esta época do ano, montando nossa árvore e nosso presépio.
Não era, diga-se, um presepiozinho qualquer. Primeiro, ela arquitetava uma base com caixotes de papelão, dispostos de modo a compor os aclives e declives da topografia de uma montanha. Depois, recobria todos aqueles ângulos retos com o papel pardo proveniente das embalagens e embrulhos de supermercado.
Ela amassava o papel, modelando as arestas, construindo contornos, reentrâncias, grutas, cavernas, despenhadeiros, planícies, contrafortes geológicos. Em seguida, pincelava toda a estrutura com camadas de tinta ocre, cinza e marrom. A pátina, assim conseguida, atribuía ao conjunto uma convincente aparência de pedra.
Um pequeno espelho, colocado em posição estratégica, com as bordas ocultas sob as dobras do papel, era um lago. Patinhos de porcelana nadavam nele. Papéis verdes rasgados e amassados faziam as vezes de arbustos. Caixas de remédio, de diferentes tamanhos e pintadas de branco, cortadas e remontadas com capricho, viravam casinhas, com portas, janelinhas e telhados em vermelho. Algumas ficavam isoladas; outras, contíguas, sugerindo pequenas aldeias.
Depois de tudo pronto, era chegada a hora de introduzir na paisagem as figuras humanas, pequenos e realistas bonecos de acrílico, gesso ou baquelite. As personagens Maria e José ocupavam lugar de destaque, ao centro do presépio, ajoelhadas e postadas em uma reentrância que abrigava o estábulo. A vaca e o burro serviam-lhes de companhia. A manjedoura de início ficava vazia, desocupada. O bonequinho representando o deus menino só era assentado sobre o feixe de feno durante a noite de Natal.
Da mesma forma, os três reis magos permaneciam, a princípio, na parte mais distante do presépio, junto à reprodução em gesso de um pequeno castelo. A cada dia, minha mãe movimentava o trio alguns centímetros, de modo a encenar a caminhada que terminaria a 6 de janeiro, Dia de Reis, quando só então Gaspar, Baltazar e Belchior chegavam aos pés da manjedoura. Pelos demais cantos da lapinha, outros personagens andarilhos — pastores e pastoras, com carneirinhos ao colo e ao ombro — faziam idêntico movimento.
Todas as figuras do presépio, por diferentes percursos, movidas lenta e diariamente pelas mãos de minha mãe, pouco a pouco convergiam para o ponto no qual, na noite de 24 de dezembro, estaria o menino Jesus. Eu me emocionava com aquela narrativa bíblica e mágica se desenrolando bem no centro da nossa sala de estar. A cada manhã, quando acordava, ia conferir o quanto cada personagem avançara em seu itinerário e o quanto restava para alcançar o destino. Era uma forma de medir, com o olhar, o tempo que faltava para a chegada do Natal.
Mamãe amava tanto a data que resolveu me registrar como nascido em 25 de dezembro, coisa que só há pouco tempo descobri não ser verdade.
De fato, como depois ela própria me confessou, vim ao mundo em um insosso 26 de dezembro. Minha mãe alterara a data por conta própria, simulando a suposta coincidência.
Não me importei com o embuste daquela licença poética familiar. Mantive a falsa informação que ficou lavrada em cartório, impressa nos documentos e, principalmente, preservado no meu coração. Sigo a fantasiar que nasci mesmo numa noite de Natal. Quando criança, até havia algum incômodo em notar que isso significava receber um único presente ao ano e, pior ainda, que meus irmãos — e, ademais, todos os meninos e meninas do mundo — também recebiam prendas no dia de meu aniversário.
Mas a magia e ternura que mamãe imprimia ao ciclo natalino compensava qualquer chateação nesse sentido. Além do aroma das comidas típicas da festa, a casa também exalava outros cheiros domésticos, próprios ao nosso Natal, sempre embalado pela harpa paraguaia de Luís Bordon. Caso do odor agradável do piso lustrado com cera de carnaúba, por exemplo, e o da pesada colcha de veludo de minha mãe, roupa de cama conservada o resto do ano guardada no armário.
Certa vez, à guisa de árvore de Natal, ela pegou um grande galho seco, de muitos ramos, e o envolveu com algodão. Nada mais falso — e, talvez, cafona — do que aquela neve de algodão em plena Fortaleza. Mas nela foram penduradas pequenas lembrancinhas empacotadas em papel colorido, oferecidas aos amiguinhos que compareceram à minha festa de aniversário. Os pequenos gestos de minha mãe eram todos assim, singelos, generosos, gentis.
Lembrei muito dela agora mesmo, quando Alice pediu-me, como sempre, uma vez concluída a montagem de nossa árvore de Natal, para encaixar ela própria a grande estrela no topo do pinheirinho artificial. Pela primeira vez, minha caçula conseguiu fazer tal arremate sem que eu precisasse colocá-la ao colo. Ficou na ponta dos pés e, toda orgulhosa, dispensou qualquer ajuda.
Não foi a árvore que diminuiu. Alice é que cresceu. Mamãe ficaria feliz da vida ao testemunhar a neta assim, prestes a entrar na adolescência, preparando a casa para a chegada de mais um Natal.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.