Quem quer produzir animação no Ceará tem opções de cursos, mas cenário de mercado local é desafiador

Cursos na área em equipamentos como a Vila das Artes e a Casa Amarela Eusélio Oliveira tem fortalecido a animação cearense desde a ponta

Foi quando assistiu ao longa japonês "Castelo Animado", de Hayao Miyazaki, que a realizadora cearense Roberta Filizola despertou interesse pela produção audiovisual em animação. “Mas, na época, pensava que, para isso, deveria ter nascido nos EUA ou no Japão, porque achei que não seria possível fazer isso no Brasil”, lembra.

Há oito anos, no entanto, a hoje diretora descobriu que, na Universidade Federal do Ceará, a Casa Amarela Eusélio Oliveira iria retomar o Curso Básico de Cinema de Animação. “Fiz parte da primeira turma desse reinício. Ao final, consegui juntar uma galera para realizarmos um curta de animação como trabalho final e foi assim que minha carreira de realizadora começou”, divide.

Pioneirismo na Casa Amarela

O percurso depõe sobre a importância da formação no cenário da animação no Ceará. Suzana Silva, atual coordenadora do curso do equipamento, contextualiza que a Casa Amarela foi "pioneira na formação, produção e difusão do audiovisual no estado do Ceará, o que inclui também a formação básica em animação".

Nela, há o chamado Núcleo de Cinema de Animação (NUCA), a partir do qual é realizado semestralmente o Curso Básico de Animação, iniciativa que soma 60 horas-aula. Além dele, a Casa Amarela também cede o espaço do NUCA tanto para produções de alunos de Cinema da UFC quanto realiza parcerias com produtoras. 

"O curso foi inicialmente idealizado pelo professor Eusélio Oliveira. Em 1993, sob a direção de Wolney Oliveira, o NUCA foi formalmente estabelecido com a intenção de oferecer uma formação básica na área de animação, abrangendo aspectos teóricos e práticos", explica.

Nesta segunda-feira (5), está previsto o início das aulas da turma de 2024.2 da formação, que tem ex-alunos da Casa Amarela como professores. Suzana também destaca que o curso oferece base teórica e aulas práticas em diferentes técnicas de animação.

"Ao longo dos anos, essa formação resultou na capacitação de dezenas de alunos e na produção de diversas obras que participam de festivais nacionais e internacionais, além de contribuírem para o mercado audiovisual", destaca.

Entre produções ligadas ao NUCA, estão a websérie "BLWARH!", de Levi Magalhães, e curtas realizados em parceria com eventos como o Cine Ceará.

Formação aprofundada na Vila das Artes

Uma iniciativa mais recente na área é a do Curso de Realização em Animação da Vila das Artes, escola de formação artística da Prefeitura de Fortaleza. “A demanda por capacitação gratuita em animação na cidade foi identificada como crucial”, aponta o coordenador da Escola Pública de Audiovisual da Vila Cris Francelino.

Ele explica que o equipamento é composto pelo chamado Núcleo de Animação (NAVA), que reúne atividades de ensino, pesquisa e desenvolvimento de projetos. Com maior carga horária e aprofundamento — são 560 horas-aula —, o curso da Vila começou em 2023 e terá a 2ª turma a partir deste semestre. 

A 1ª turma teve como resultados cinco projetos de curtas de animação no ateliê de trabalho de conclusão de curso, explorando diferentes técnicas e temáticas. Além dele, a Vila também oferta o Programa básico em animação, de iniciação na área, e promove o Edital de empréstimo de equipamentos em regime de coprodução.

“Ao oferecer um curso gratuito nessa área, a Escola Pública de Audiovisual da Vila das Artes abriu portas para o desenvolvimento profissional, artístico, estimulando a criatividade, o empreendedorismo e fortalecendo o cenário da animação local e estadual”, aponta Cris.

“Além disso, ao investir na formação em animação, a escola contribui para a diversificação do cenário cultural da cidade, enriquecendo a produção audiovisual e fomentando novas narrativas e linguagens visuais”
Cris Francelino
Coordenador da Escola Pública de Audiovisual da Vila das Artes

Políticas públicas para a animação

Se hoje o cenário da animação no Ceará é mais robusto e repleto de conquistas, parte disso se deve às mobilizações da classe em prol de espaço em chamadas públicas e editais. Roberta Filizola lembra que, ao começar a se envolver no meio, profissionais articulavam a criação do Fórum Cearense de Animação (FOCA).

“Um dos principais motivos foi porque a animação cearense passou cerca de oito anos sem ter projeto contemplado por editais de fomento. Isso deixou um hiato na produção local, o que gera não só dificuldades em realizar filmes autorais, como também barreiras para a formação de profissionais, profissionalização do setor, dentre outras coisas”, lembra. 

Conforme a diretora, “consequências desse período de desvalorização” ainda são sentidas até hoje, mas uma importante vitória política foi alcançada como fruto da movimentação: categorias específicas para projetos de animação foram criadas em editais públicos.

“Desse modo, não concorremos com projetos de documentário e ficção (live-action), garantimos avaliadores especializados em animação e também asseguramos que projetos de animação sejam contemplados e financiados. É isso que faz com que o ciclo econômico da animação local e autoral possa girar”, celebra.

A realizadora defende que, “para que haja aumento da demanda e amadurecimento do setor, são necessárias as políticas de incentivo”. A visão é ecoada por Suzana Silva, da Casa Amarela.

“Com as novas leis de incentivo cultural, especialmente os editais de fomento ao audiovisual, esperamos um aumento na demanda por qualificação profissional em animação”, prevê a coordenadora.

Em diálogo, Cris ressalta que a experiência do curso da Vila das Artes “estimulou o desenvolvimento de projetos de curtas-metragens de animação que foram contemplados no Edital de Apoio ao Audiovisual Cearense das ações previstas pela Lei Paulo Gustavo”. 

Os projetos “Marimbã está acontecendo”, “O Plano Secreto de Alie” e “Sopros” — propostos por Marin Monteiro, Lux Farr e Bianca Ellen, estudantes da primeira turma — têm equipes compostas por outros estudantes e também professores do curso. 

“Estendendo, assim, as habilidades e potencialidades dos profissionais, enriquecendo o mercado de trabalho local e fomentando a produção artística e cultural”, aponta o coordenador.

“A experiência de um curso público de animação pode ser um importante catalisador para o desenvolvimento da cultura de Fortaleza e do Ceará, potencializando a formação, produção e fruição artística nesse campo específico e enriquecendo a oferta de conteúdo audiovisual no cenário cultural estadual, proporcionando novas narrativas e abordagens temáticas”
Cris Francelino
coordenador da Escola Pública de Audiovisual da Vila das Artes

Janelas de exibição: de cineclubes a streamings

As garantias de políticas são conquistas inegáveis, mas é preciso que essa produção tenha espaço de exibição. Filmes produzidos na formação em animação da Vila das Artes, por exemplo, foram exibidos na mostra “Partilha”, no Cinema do Dragão, em junho.

Já no escopo da Casa Amarela, Suzana destaca ações de exibição. “Voltamos a participar do Dia Internacional da Animação, exibindo filmes no Cine Benjamin Abrahão, e planejamos retomar o CINUCA, cineclube do NUCA”, afirma.

Roberta — que dirige o curta "Tempo Trem" com Guilherme C., obra ainda inédita — lembra do circuito de festivais, que ou possuem categorias para animação ou são voltados a produções do tipo, e também das TVs públicas

“Elas também se mostram como um espaço interessante para a exibição da animação local, como ocorreu com as séries de animação cearenses ‘Um conto em cada ponto’ e ‘Astrobaldo’, realizações possíveis por conta de um conjunto de políticas públicas”, destaca.

A realizadora finaliza apontando para uma nova movimentação da classe da animação no Brasil. 

“Plataformas de streaming são uma importante janela de exibição. Por isso mesmo, vale destacar a luta essencial de todos os profissionais do audiovisual brasileiro que, dentre outras pautas, lutam pela regulamentação dos streamings justamente para garantir uma quantidade mínima de conteúdo nacional nas plataformas”
Roberta Filizola
realizadora