A eleição de cinco novas desembargadoras entre oito vagas para o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) marca um novo momento na luta pela paridade de gênero no Judiciário do Estado. O movimento repercute também na expectativa pela definição das duas vagas a serem preenchidas pelo critério do Quinto Constitucional, direcionada aos advogados.
Entre os 12 nomes que estão na segunda fase do processo, na avaliação pelos atuais desembargadores, antes do envio das listas tríplices ao governador Camilo Santana, três são mulheres: Maria Darlene Braga Araújo Monteiro, Melissa Pereira Guará e Rosa Maria Felipe Araújo.
Na história da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), nunca uma mulher tornou-se desembargadora pela regra do Quinto.
Um dos compromissos da atual presidente do TJCE, a desembargadora Nailde Pinheiro, é garantir que mais mulheres ocupem espaços de liderança e relevância no Judiciário.
Essa mobilização precisa alcançar diferentes instâncias, e é com esse foco que as três advogadas que figuram na disputa pelo Quinto Constitucional têm atuado em dialogar com desembargadores que definirão as listas tríplices até 24 de março.
Saiba quem são elas:
Maria Darlene Braga Araújo Monteiro
Advogada há quase três décadas, Darlene Braga sabe, na prática, que a trajetória até compor a lista de nomes da OAB para o TJCE tem mais desafios para as mulheres.
"A vaga do Quinto Constitucional pela OAB/Ceará nunca foi preenchida por uma mulher. Antes deste pleito, apenas duas candidatas haviam figurado em lista sêxtupla. Em 2010, tive a honra de participar e alcançar este feito, e, em 2013, foi a vez da advogada Gina Pompeu.
Ela lembra que, entre os objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas, uma das metas, a de número 5, trata da igualdade de gênero, e a 16, da Justiça pela Paz e o fortalecimento da instituições.
"É importante garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública", ressalta.
Darlene é de Fortaleza, mas filha de pais vindos do interior de Miraíma e Itapajé. Formou-se em Direito na Universidade de Fortaleza (Unifor) aos 21 anos "como melhor aluna da turma", ressalta. A carreira seguiu sendo de conquistas tanto na advocacia como no magistério e na carreira acadêmica. No seu percurso, ressalta a importância da atuação junto à OAB-CE para desbravar áreas diversificadas.
Na disputa pelas vagas do Quinto Constitucional, levanta a bandeira por uma justiça universalizada com respeito aos direitos fundamentais e ao estado democrático de direito.
"O cargo de desembargadora do Tribunal de Justiça não pertence a ninguém de maneira exclusiva. Na verdade, esta função pertence à sociedade, à OAB e a todos", ressalta.
Melissa Pereira Guará
Quando veio embora de Imperatriz, no Maranhão, com a mãe e a irmã aos 11 anos, após perder o pai, assassinado em um assalto de vítima urbana, Melissa Guará ainda não tinha ideia do caminho a ser trilhado na Justiça, mas já trazia consigo o anseio pelo cuidado com o outro.
"É preciso que a gente olhe para o Poder Judiciário como um serviço, um grande prestador de serviço que tem como usuário as partes, as pessoas que procuram o serviço para resolver conflitos, problemas. O foco número um de qualquer juiz, de qualquer desembargador, é olhar para as partes, para a lisura da decisão que profere, para a gestão do tempo - o quanto as partes estão esperando", destaca.
A Justiça, para Melissa, é feita da capacidade de ouvir, da sensibilidade com o outro, do estudo constante e da noção multidisciplinar e quase holística para entender problemas tão complexos.
Formou-se em 1999 na Universidade Federal do Ceará (UFC), fez mestrado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atua há quase 10 anos como procuradora no município de Maracanaú - pólo industrial do Estado, além de exercer a advocacia privada.
A disputa pelo Quinto Constitucional começou com 27 candidatas, cinco foram efetivadas na disputa para a primeira fase e três foram eleitas para as listas sêxtuplas.
"Em 2021, tivemos 51% de mulheres na Ordem dos Advogados do Brasil. Somos maioria, mas, quando vai chegando nas esferas de poder, esse filtro vai diminuindo, esse filtro vai ficando mais difícil", destaca.
Ela pontua ainda a importância de discutir mais a sororidade entre as mulheres advogadas. Essa atuação em conjunto, com uma ajudando a outra, é o que pode fazer a diferença na ocupação dos espaços. "É um caminho que não é fácil. Em muitos momentos da atuação, estamos do lado de algum colega e alguém chega e fala: 'Você é assessora dele?'. Daí dizemos: 'Não somos assessoras, somos advogadas'", cita um exemplo.
Na reta final da disputa pelas listas tríplices, que serão enviadas ao governador para escolha definitiva, Melissa deseja que o registro na história não seja apenas de mulheres na lista, mas de mais mulheres desembargadoras.
Rosa Maria Felipe Araújo
Natural de Nova Russas, de uma família de 11 irmãos, Rosa Maria veio para Fortaleza estudar aos 14 anos. Filha de pais comerciantes e fazendeiros, costuma dizer que "nunca quer esquecer de onde veio, mas ter os olhos voltados para o futuro".
Atua na advocacia há 27 anos e reconhece a importância do suporte de outras mulheres nessa trajetória desde que se formou na Universidade Federal do Ceará. "Fui fazendo meu trabalho de formiguinha, me aproximei da OAB, da Associação de Mulheres Advogadas e, posteriormente, fui trabalhando com colegas de mais experiência", ressalta.
Em 2014, fez carreira solo e abriu seu próprio escritório de advocacia. "Sem dúvida alguma, a trajetória feminina é mais desafiadora. É um universo muito masculino. É como se a mulher tivesse de demonstrar mais competência ainda", pontua.
Mesmo com os obstáculos a mais que as mulheres enfrentam em diferentes espaços de poder, Rosa ouviu o incentivo de outras advogadas para disputar o Quinto. Nesse desafio, aposta na experiência com a "advocacia raiz, de dia a dia" e no magistério, para apresentar seus propósitos.
"A advocacia oxigena, traz nova visão. (...) Posso levar a visão do que vivo do lado de cá. Nós que advogamos temos consciência das dificuldades de outra forma", diz Rosa.
Se escolhida para a magistratura, aposta em uma atuação "com os olhos voltados para a sociedade, para a celeridade processual, aliando a tecnologia que a gente já tem, ajudando nesse aperfeiçoamento juridicional baseada nessa experiência com a advocacia", frisa.
Desembargadoras do Ceará
Atualmente, das 43 vagas de desembargador do TJCE, 16 são mulheres. No final de 2021, foi aprovada a criação de 10 novas vagas: 4 pelo critério de antiguidade, 4 por merecimento e 2 pelo Quinto Constitucional.
Na quinta-feira (18), na decisão sobre as primeiras oito vagas, cinco foram ocupadas por mulheres.
No dia 24 de março, o Pleno do TJCE volta a se reunir para definir sobre as duas listas tríplices que serão enviadas ao Poder Executivo com os nomes dos advogados que concorrerão às vagas restantes.
Quinto Constitucional
O Quinto Constitucional, presente no artigo 94 da Constituição Federal de 1988, garante um quinto das vagas de determinados tribunais no Brasil aos advogados e membros do Ministério Público. Para pleitear a vaga, advogadas e advogados devem ter mais de dez anos de efetiva atividade profissional, notório saber jurídico e reputação ilibada.