Reforma Tributária vai reduzir as desigualdades regionais? Entenda se o Ceará pode ser beneficiado

É preciso olhar para outros aspectos ao relacionar a reforma com o seu potencial de tornar o País mais igualitário

Proposto no âmbito da Reforma Tributária como mecanismo para ajudar a corrigir os desequilíbrios a serem provocados pelas mudanças no sistema tributário (já que haverá o fim dos incentivos fiscais), o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) é importante, mas não deve ser visualizado como uma ferramenta suficiente para reduzir as desigualdades entre os estados brasileiros e necessita de um olhar mais apurado quanto a sua finalidade.

A avaliação é do ex-secretário de Fazenda de Pernambuco e sócio da Ceplan (Consultoria Econômica e Planejamento), Jorge Jatobá. Para o especialista, não está contemplado na Reforma Tributária atualmente um “instrumento poderoso de redução das desigualdades”.

A PEC 45/19, que propõe a Reforma Tributária, foi aprovada na madrugada dessa sexta-feira (7) na Câmara dos Deputados. O texto segue para discussão e votação do Senado Federal.

Para ele, o que há é “mecanismos de compensações pelas perdas que vão ocorrer, inclusive para estados de fora do Nordeste”, diz Jatobá. Ele pondera que a reforma é “bem-vinda, com todas as suas dificuldades e controvérsias”, mas reforça que “o Brasil não pode ter apenas um instrumento de redução das dificuldades sendo esse um mecanismo de compensação da reforma”.

“Não dá para combater desigualdades regionais só com política tributária. Não há uma política de desenvolvimento regional, nem regionalização de políticas nacionais, a exemplo da regionalização da política de desenvolvimento industrial. Por isso os estados tiveram que recorrer aos incentivos fiscais para a atração de novos negócios e isso se faz fundamentalmente com a tributação na origem”, provoca Jatobá.

Ele lembra ainda que, de qualquer forma, os benefícios fiscais com base no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) já estariam com os dias contatos por causa de Lei Complementar resultado de um convênio do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz) que extingue todos esses incentivos em 2032. “Então, de qualquer forma, os estados precisam transitar para uma saída dos benefícios fiscais”.

“Com os estados impedidos de atraírem investimentos pelos benefícios fiscais, há a demanda por um fundo de desenvolvimento com base em recursos que possam compensar os estados. O grande problema é em que esses recursos serão alocados”.
Jorge Jatobá
Ex-secretário de Fazenda de Pernambuco e sócio da Ceplan

Assim, a ferramenta deve servir como um pontapé para que os estados passem a priorizar dois pilares de investimento: infraestrutura e educação, elementos que nesse novo cenário serão imprescindíveis na atração de investimentos, na avaliação do especialista.

A proposta é que o FDR inicie na casa de R$ 40 bilhões com recursos da União, mas os estados, incluindo o Ceará, acreditam que seria necessário, para iniciar, ao menos o dobro desse valor.

“Na minha visão, os recursos desse Fundo de Desenvolvimento Regional devem ser alocados em infraestrutura e recursso humanos, então é investir em portos, rodovias, aeroportos, qualificação profissional, porque é o que vai atrair as empresas”, detalha Jatobá.

E o Ceará, como fica nesse cenário?

Dentro desse contexto, Jorge Jatobá avalia que existe a possibilidade de o Ceará ser beneficiado em duas frentes: primeiro porque o estado já conta com certo avanço em infraestrutura e educação e em segundo porque, com a tributação passando da origem para o destino, os estados do Nordeste, fortes consumidores, devem alavancar arrecadação.

“Eu acredito que o Ceará avançou muito nos últimos anos, na área de educação fundamental, assim como Pernambuco se destacou na melhoria do ensino médio. A educação fundamental é importante para o ensino médio, mas o ensino médio é o que vai gerar pessoas com acesso à universidade ou acesso imediato ao mercado de trabalho”, pondera Jatobá.

Ele também destaca que, em termos de infraestrutura, o Ceará conta com a decisão quanto a Transnordestina conectando ao Pecém bem definida, o que é positivo. “Isso dá um corredor logístico fundamental para escoamento de riqueza, então o Ceará fez um grande avanço nessa área. São ativos importantes que o estado vai ter”.

Sobre a arrecadação, ele pontua que de fato será maior em estados consumidores, o que deve beneficiar, por exemplo, Ceará, além de Bahia e Pernambuco, na avaliação dele. “Mas veja que esse processo se dará de forma gradual, a Reforma Tributária está apenas começando, o que saiu agora foram os princípios básicos da proposta, ainda teremos votações no Senado, as alíquotas ainda serão definidas”, diz Jatobá.

O papel do Consórcio Nordeste

O ex-secretário de Fazenda de Pernambuco avalia que o momento é oportuno para que o Consórcio Nordeste fortaleça um planejamento para infraestrutura, pleiteando recursos para essa área. “Vai ter oportunidade para isso no PPA federal, restabelecer os planos estaduais de desenvolvimento e fazer um esforço grande na área de educação básica a partir da experiência cearense e de ensino médio a partir da experiência de Pernambuco”.

“O Consórcio Nordeste tem que pleitear uma política nacional de desenvolvimento regional. Nós não temos essa política, não temos uma política de relocalização das atividades produtivas”, pontua Jatobá. “A gente tem instrumentos tributários isolados, não necessariamente articulados e com a ausência de diretrizes estratégicas. Precisamos voltar a ter essa política e não pode ser restrita a um fundo com função compensátória”, enfatiza Jorge Jatobá.

O professor do Programa de Pós-Graduação em Economia (Caen/UFC), João Mário França, corrobora a importância da aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados e descreve o momento como “um grande avanço em simplificação e desburocratização do sistema tributário, com a redução de uma grande quantidade de alíquotas e menos contencioso tributário”.

Ele também destaca a necessidade de a alocação dos recursos do fundo de desenvolvimento em áreas estratégicas, como infraestrutura para induzir os investimentos privados.

Quanto à mudança da tributação da origem para o destino, ele acredita que o Ceará, como estado mais consumidor, será beneficiado. “Como em toda mudança de regra sempre temos incertezas, inclusive qual será a alíquota cheia para bens e serviços, mas um aspecto interessante da reforma é a transição bem lenta, o que dará aos estados tempo de ir se adaptando ao novo modelo”.

Desigualdade entre estados

As desigualdades socioeconômicas entre os estados do Brasil perdura anos a fio, principalmente, entre regiões do País.   

Essa disparidade entre os estados reflete diretamente, por exemplo, no tamanho dos investimentos industriais de cada ente federativo, uma vez que o setor é um dos que mais emprega no País.

Em Santa Catarina, a indústria emprega cerca de 100 pessoas a cada mil habitantes. No Ceará, o número cai para 29 empregos a cada mil habitantes. No fim dessa lista, tem o estado do Amapá, no Norte do País, que emprega cerca de seis pessoas a cada mil. 

No topo dessa lista, concentram os estados do Sul e Sudeste, enquanto que no fim dela, estão os estados do Norte e Nordeste.

O número de empregos na indústria é apenas um dos exemplos da tamanha desigualdade regional do Brasil. Há ainda outros indicativos, como infraestrutura de ferrovias, rodovias e portos, além de índices de educação, saúde e segurança, que colocam regiões à margem do desenvolvimento.