Gentili e Porchat e suposta pedofilia: a censura tecnicamente já voltou ao Brasil?

Polêmicas à parte, pergunta-se: o filme fez apologia à pedofilia? O governo fez censura à obra? A resposta passa por conceitos jurídicos.

Um adulto, interpretado por Fabio Porchat, pedindo para ser masturbado por adolescentes, que se negam a fazê-lo, sem nudez: essa é a cena do filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, que foi apontada por bolsonaristas, cinco anos após seu lançamento, como sendo apologista à pedofilia. Logo após as críticas, o Ministério da Justiça alterou a sua própria classificação indicativa de 14 para 18 anos e determinou que não seja exibido nas plataformas de streaming.

A polêmica tem movimentado bastante as redes sociais. O comediante Danilo Gentili chegou a afirmar que um dos denunciantes, o político André Fernandes, inobstante ter denunciado a cena, já divulgara um vídeo ensinando adolescentes a depilarem o ânus.

Internautas encontraram tuíte do Pastor Marco Feliciano elogiando o filme em 2017, razão pela qual referido ministro religioso se apressou em dizer que tinha ido beber água quando da cena específica.

Polêmicas à parte, pergunta-se: o filme fez apologia à pedofilia? O governo fez censura à obra? A resposta passa por conceitos jurídicos.

O QUE É APOLOGIA

O nosso Código Penal, no art. 287, impõe a quem faz, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime, a detenção, de três a seis meses, ou multa.

Para o Dicionário Caldas Aulete, o substantivo feminino apologia significa “1. Discurso ou escrito que tem por fim justificar, defender, louvar alguém ou alguma coisa”, ou ainda “2. Elogio, louvor”.

Para o Mestre de Direito Penal Julio Fabrini Mirabete (Manual de direito penal, volume III, 22ª edição, pág. 167), o delito de apologia importa em elogiar, louvar, enaltecer, gabar, defender o crime ou o criminoso.

Ora, o personagem de Fabio Porchat, que pede para ser masturbado, é denunciado e satirizado pelo próprio filme como um moralista que esconde, sob uma imagem de “cidadão de bem”, sua perversão e violência. Desta feita, não há, nesse caso, apologia. Pensar o contrário seria entender que na película o Grande Ditador, de Chaplin, há apologia ao Nazismo, o que nos filmes de “bang bang” há apologia ao assassinato.

Um exemplo perfeito de apologia a fato criminoso seria elogiar a atitude de quem infringe medida sanitária (art. 268, CP), ou enaltecer quem tenta abolir com violência o Estado Democrático de Direito (art. 359,-L, CP) – bem diferente do caso estudado.

A PEDOFILIA NO DIREITO PENAL

Os art. 217-A e seguintes do Código Penal, em apertado resumo, consideram crime a prática e induzimento de relação sexual ou ato libidinoso com criança ou adolescente menor de 14 anos, ou até sua mera exposição a esses atos.

Já o art. 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente considera crime, inclusive, o ato de adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente. Essas são as condutas, ligadas à pedofilia, que são criminalizadas no Brasil. Vale salientar que tão-somente a condição de pedófilo ainda não é crime no Brasil.

HOUVE CENSURA?

Censura é a proibição, feita por censor estatal, de exibição pública, publicação ou divulgação de trabalhos artísticos, informativos, publicitários e de opinião com base em critérios exclusivamente morais ou políticos.

Ora, como inexiste no Direito Brasileiro algo que impeça a veiculação do filme em comento, a proibição de exibição no streaming, por motivos notoriamente morais e políticos, é censura e, como tal, é repelida pela Constituição Federal de 1988 (CF/88). Vale salientar que a mudança de classificação indicativa de 14 Para 18 anos não dá poder ao Ministério de proibir a exibição da obra.

Com efeito, para o artigo 5º da CF/88 (caput, IV e IX) todos são iguais perante a Lei, garantindo-se a inviolabilidade do direito à liberdade, a livre manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade artística, independente de censura. Assim, a mesma liberdade que autorizou o Deputado André Fernandes a fazer seus vídeos, que até onde sei não são ilegais, deve ser estendida a Porchat e Gentili.

Outrossim o art. 220 (caput e § 2.º) da CF/88 determina que é livre a criação e a expressão, sob qualquer forma, processo ou veículo, sendo vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Vale salientar que discursos moralistas tem sido muito eficientes em influenciar cidadãos pelo chamado Pânico Moral (algo de que falarei em coluna posterior). Não fosse apenas antiético, faz-se isso também em sacrifício da liberdade das pessoas e da democracia – e é o que, justamente os autointitulados arautos da moralidade de 2022, estão fazendo.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.