Taxação da ‘blusinha da Shein' não é só sobre o nosso 'look', da Janja e da filha do Lira

Engana-se quem pensa que a discussão sobre uma "blusinha" foi longe demais. É exatamente o contrário. A pauta sobre a taxação de sites asiáticos, como Shein e Aliexpress, sequer chegou ao devido lugar na agenda pública. Até o momento, o presidente Lula (PT) adotou um discurso reducionista para abordar a questão. O Congresso Nacional também não sai da superfície. 

É inegável que essas plataformas deram à classe média baixa o acesso a itens antes não cabíveis em seus orçamentos e corpos (por produzir roupas de praticamente todos os tamanhos). 

Em uma gigante chinesa, a tal 'blusinha' custa R$ 62,36, enquanto um item semelhante pode ser R$ 179,90 em uma loja de departamento. Mágica não é. Um dos fatores por trás desse baixo custo é a escravidão moderna, na Ásia, com leniência do estado. No Brasil, a legislação trabalhista não dá brechas para esse tipo de crime. 

Mas o que dizer para uma pessoa cujo recurso para adquirir essa roupa exigiria 12,7% de um salário mínimo (R$ 1.412) e agora passou para apenas 4,14%? Para simplesmente não comprar até poder consumir o produto? Seria uma resposta fácil para quem nunca teve limitação econômica, uma fábula da meritocracia, além de ser politicamente impopular. E o presidente Lula sabe bem disso.

Não à toa, se posicionou contrário ao próprio ministro Fernando Haddad, o qual é a favor da tributação das comercializações de até US$ 50, hoje isentas de impostos federais. 

Entenda o que é Remessa Conforme

O que é Remessa Conforme?

Implementado em 1º de agosto de 2023, o programa de simplificação aduaneira inclui a isenção do imposto de importação em compras online de até US$ 50 para varejistas estrangeiros, como Shein e Shopee.

Como funciona o Remessa Conforme?

A adesão ao programa é voluntária por parte das empresas. Quem adere, pode ter a isenção de tarifas de impostos de importação quando o valor dos seus produtos para pessoas físicas não ultrapassar US$ 50. Já para compras acima desse valor, será aplicada a alíquota de 60%.

O que muda para o consumidor?

Antes do programa, o consumidor precisava esperar para saber se ia ser taxado. Agora, sabe-se que as compras acima dos US$ 50 estão sujeitas à taxação. Além disso, as empresas aderentes ao programa já informam no ato da compra o valor a ser pago de imposto, tornando o processo mais transparente e mais rápido.

Lula afirmou que poderia vetar a taxação das compras internacionais, caso o Congresso aprovasse a medida. “Quando discuti com o [vice-presidente Geraldo] Alckmin, eu disse: ‘Sua mulher compra, minha mulher compra, a filha do [presidente da Câmara, Arthur] Lira compra, a filha de todo mundo compra”, declarou, no último dia 23 de maio.

“Vai proibir as pessoas pobres? Meninas, moças que querem comprar uma bugiganga, um negócio de cabelo, sabe? Então, nós temos que tentar é um jeito de não ajudar um prejudicando o outro, mas tentar fazer uma coisa uniforme. Nós estamos dispostos a conversar e encontrar uma saída”, completou.

É importante lembrar que os mais pobres não consomem massivamente nesses sites. Mas, cinco dias após essa fala, no último 28 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o fim da isenção. Agora o texto segue para o Senado. A proposta de cobrar o imposto de importação para sites estrangeiros foi incluída como um “jabuti” na criação do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover).

No jargão legislativo, “jabuti” é quando se acrescenta um tema diferente da pauta. Por esse fato, nota-se o tamanho do imbróglio. 

Com o discurso citado acima, o presidente optou por endossar a polarização das redes sociais, mesmo diante de um problema tão complexo. Não obstante, até o momento, o Governo não divulgou a arrecadação com o regime tributário atual. 

Seria mais provável abrir mão da ‘blusinha’ se houvesse a informação sobre quanto do aumento do imposto daquele produto seria revertido em recursos para investir na saúde e educação, por exemplo. Trabalho de educação fiscal sobre o qual o governo ainda não se debruçou.

Quanto é deixado de arrecadar? O que se perde? Quem perde? Quem ganha? Como equilibrar os interesses, ambos legítimos? Ou seja, para além do lobby do empresariado — cuja insatisfação conseguiu arregimentar o apoio da população nas redes sociais —, essa questão tributária necessita de políticas combinadas e de manejo técnico. 

O governo deixou de devolver uma discussão qualificada ao Congresso, de criticar a escravidão moderna e de debater sobre como tornar a indústria brasileira mais competitiva e sustentável. A gestão petista perde, ainda, a chance de mostrar sua perspectiva sobre a atuação do estado, da qual os empresários brasileiros tanto defendem.  

O debate engloba, na verdade, um projeto econômico nacional, a igualdade de condições para desenvolver a indústria local, os empregos, o desenvolvimento e até a ecofiscalidade (mecanismo tributário para proteger o meio ambiente). Não são as bugigangas, e não são apenas os "looks" da primeira-dama Janja e da filha Lira que estão em jogo.

Para lembrar

Grande parte das roupas do fast fashion utiliza poliéster, uma fibra sintética feita 100% de petróleo (ou seja, combustível fóssil não renovável), para baratear o preço. O material pode levar aproximadamente 200 anos para se decompor. 

4 pontos que você precisa saber

O que é ESG?

ESG é a sigla, em inglês, para Ambiental, Social e Governança (Environmental, Social and Governance). O conjunto de práticas visa reduzir os impactos ambientais provocados pelas empresas e desenvolver um sistema econômico justo e transparente. Por isso, pode contribuir para a descarbonização da economia, termo usado para a redução da emissão de dióxido de carbono (CO₂), principal gás responsável pelo efeito estufa. ESG surgiu em um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2004, e também está atrelado aos Objetivos de Desenvolvimento da ONU.

Por que o ESG é importante para o consumidor?

O ESG é importante para toda a sociedade, considerando que o País é marcado por assimetrias socioeconômicas, herança do período colonial, escravista e de uma cultura patriarcal. Por isso, pode promover mudanças de equidade no mercado de trabalho, além de reduzir os impactos ambientais dos negócios, sobretudo em um contexto de crise climática. Compreender a importância da agenda ESG ajuda a tomar decisões de consumo baseadas em práticas ambientais e sociais, pressionando os negócios a se adequarem.

O que é a Agenda 2030?

A Agenda 2030 é um compromisso global firmado pelos 193 Estados-membro da ONU, com o objetivo de gerar desenvolvimento sustentável nas dimensões econômica, social e ambiental, considerando as prioridades de países e localidades. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são parte da Agenda 2030

O que é o Acordo de Paris?

O Acordo de Paris é um pacto internacional voltado para conter o aquecimento global, aprovado como lei doméstica por 194 países e pela União Europeia, em 2015. Pelo tratado, a meta era manter o aquecimento abaixo de 2ºC e, na medida do possível, 1,5ºC.