São José, nossos profetas e a beleza de um tempo bonito pra chover

No Ceará, chover no dia do padroeiro São José é o símbolo final de que haverá inverno. É a última linha a ser lida pelos nossos profetas, que decifram terras e céus para antever a queda d'água

Chegou o 19 de março, dia de São José. Joelhos se dobram no sertão para pedir que as nuvens escureçam no céu. Carregadas, elas viram protagonistas da beleza que é o tempo bonito pra chover. No Ceará, chover no dia do padroeiro é o símbolo final de que haverá bom inverno durante o ano todo. É a última linha a ser lida pelos nossos profetas, que desde o ano anterior grudam os olhos na natureza e decifram céus e terras para antever a queda d'água.

Quem é sertanejo sabe que a chuva, ao contrário da seca, avisa quando vai chegar. Vem de longe essa história de ler o tempo e decifrar a terra. Quem aprendeu a fazer isso na lida diária do campo, nós, cearenses, chamamos de profetas. São homens e mulheres com os olhos grudados na natureza. Estão de olho na floração do mandacaru, na casinha do joão-de-barro, no relâmpago a clarear o céu, na posição da Estrela Dalva.

Se as formigas da roça fizerem seu caminho cheio de voltas e estreito demais, a chuva não vem. Mas se elas limpam o formigueiro e colocam a comida velha para fora dele, estão se preparando para o bom inverno. Se o corte do pau da árvore fizer a madeira chorar, também pode levantar as mãos para o céu que vai cair água. Viu aquele cupinzeiro no cajueiro? Observa, analisa, tira a casca. Se o cupim criou asa e se houver muitas larvas, a chuva vem. 

A alegria do profeta é dar notícia de chuva no sertão. No começo deste 2023, houve quem decretasse que o Ceará viveria “o inverno dos teimosos”. A chuva viria numa quadra regular, para permanecer mesmo só a partir de março. Mas não havia unanimidade, os sinais pareciam confusos. 

A profetisa Maria de Lourdes Leite Lemos, de 86 anos, já tinha dito em janeiro que este ano a chuva vinha. Ela viu a estrela Dalva passar no dia 6 de outubro do ano passado, quando só costuma passar depois do dia 10, e cravou: no ano seguinte o inverno começa cedo.

Estamos vendo as fortes chuvas derrubaram barragens e alegarem casas e avenidas em alguns pontos do Ceará, provável fruto da emergência climática e do eterno buraco nas políticas públicas para cheias e estiagens. Problemas previsíveis, inclusive pelos nossos profetas de olho na natureza.

No sertão, são muitos os avisos que a chuva dá quando vai vir. O nível da água sobe nas cacimbas entre dezembro e janeiro. O angico brota resina. O joão-de-barro jamais constrói seu ninho com a entrada virada para o nascente. E os profetas estão atentos a tudo. Com suas observações e experiências, acertaram ao menos sete previsões nos últimos 11 anos.

Mas o que São José tem a ver com tudo isso? Não é São Pedro o santo das chuvas, que tem as chaves do céu? É que São José é protetor das famílias e dos trabalhadores, inclusive os do campo.

No sertão nordestino, a quadra chuvosa coincide com o seu mês, e o sertanejo foi associando o bom inverno às bênçãos do pai de Jesus.
Nas roças e nos sítios pelo interior do Ceará, quando as nuvens escurecem no horizonte no dia de São José, é festa. Lá, a gente diz que basta uma boa queda d'água para os galhos contorcidos se esverdearem. Semana santa boa mesmo é aquela com cheiro de terra molhada e muito milho pra fazer canjica e pamonha. O tempo bonito pra chover é a coisa mais bonita do sertão.