O que um filho ensina já nos primeiros dias de vida

A maternidade pode te tirar do piloto automático e te exigir focar no presente. Desrobotizar é um caminho para abrir o olhar para as pequenas grandes coisas da vida e não perder a si mesmo

Só quando me tornei mãe de um bebê me dei conta de que vivia num eterno piloto automático. Media o tempo em horas de trabalho, numa rotina planejada milimetricamente em um planner para dar conta de tudo: coluna, reportagens, edição de uma investigação na Amazônia. Equilíbrio, para mim, era conseguir fazer alguma atividade física em meio à urgência frequente de ser produtiva, efeito colateral dos tempos malucos que vivemos.

A compreensão de que o tempo é indomável não veio sequer com o bornout que tive trabalhando como jornalista e cobrindo grandes desgraças deste Brasil. Isso quem me ensinou foi meu filho, que antes mesmo de completar dois meses de vida embaralhou todas as minhas urgências.

Sempre tive a cabeça grudada no futuro, mas meu filho Bento me obriga a aterrizar no agora. O tempo todo. E todos os dias aprendo com ele a respeitar os vários tempos que nos rondam: o tempo dele, o meu e o do trabalho que nos dá dinheiro para sobreviver. Não é fácil conciliar tudo.

Faz cerca de 50 dias que estamos juntos aqui fora, neste mundo que ainda pretendo apresentar a ele com alguma delicadeza. Mas, por enquanto, é ele quem tem me ensinado sobre a vida. Aprendi na marra que é preciso se entregar, mesmo com medo e dor, para atravessar a tormenta que são os primeiros dias da maternidade. Só assim para se abrir e conseguir curtir as fases que virão.

Aprendi que desfrutar o processo é mais importante que tentar desvendar o destino final. Maternidade, para mim, é mesmo o caminho. É mágico acompanhar os pequenos grandes passos de um ser humano que saiu de nós.

Perceber seus olhos ganharem cor e seguirem nossos movimentos. Celebrar o sorriso que surge no tom da nossa voz. Ver o pescocinho começar a tentar firmar a cabeça ereta. Grandes conquistas banais para meros 50 dias de vida?

Meu filho tem me ensinado a desrobotizar. A focar menos na contabilidade das trocas de fraldas e mamadas que anoto até hoje para ter certeza de que ele está saudável e mais nos sinais que ele me dá sobre tudo. Mãos fechadas e choro insistente? Quer mamar.

Se estica demais as perninhas enquanto chora, provavelmente é cólica. Colinho bom, para ele, é com o corpinho transversal ao da mamãe, meio torto. É assim que seguimos nos conhecendo dia após dia.

Bento, meu filho, me fez aprender a confiar na potência do meu próprio corpo para alimentá-lo. Juntos, comemoramos cada nova grama adicionada em seu corpinho miúdo. Também está me ensinando a conviver com o medo e evitar que ele me paralise. A celebrar mais a vida com música e uma nova dancinha que inventei para niná-lo nos nossos momentos difíceis - e são tantos! 

Desconstruo meus próprios medos e culpas repetindo para ele que, juntos, faremos deste mundo um lugar seguro. Por ele, tenho me sentido mais esperançosa, mais potente, mais mulher. Aos poucos, vou deixando o luto que é o puerpério e que, às vezes, ainda me arrasta de volta para a tristeza.

Aos poucos, vou me sentindo capaz de preservar e cuidar do que ainda quero realizar na minha individualidade e de ser mãe, só que em tempos diferentes. No tempo que for possível, sem afobação.

É como se meu filho me dissesse todos os dias, com seu corpinho miúdo: “mãe, pode desligar o piloto automático que eu cheguei para a gente viver”. E temos vivido intensamente: com todos os medos, culpas e alegrias que não sei como puderam caber em 50 dias.

Obrigada a todos os que nos acompanharam neste mês de maio. Aqui encerro, neste espaço, as crônicas sobre a jornada de uma jornalista e mãe de primeira viagem. Se você quiser continuar acompanhando o nosso processo, estamos no Instagram MaterniBea.