Há trezentos metros de terra e pedra para dentro do mar que, às vezes, soam como salvação ali pelas bandas do Náutico. Ok. Há quem diga que os espigões construídos na orla de Fortaleza conseguiram a proeza de quebrar o mar, engolindo as ondas e tirando o chão dos nossos pés poucos metros dentro d`água. Alô, Moisés Loureiro! Então me dêem licença para passar pano essa vezinha pro Espigão do Náutico, porque aquele mar quebrado também pode ser refúgio gratuito quando a vida atropela o fortalezense.
Há quem se arrisque em se livrar do estresse na base da braçada no mar de manhã bem cedinho. Põe um óculos de natação, amarra a pranchinha na cintura e só vai, com os olhos bem abertos pra não barruar nos nadadores mais desatentos. Tem espaço para todo mundo.
Vai lá medir o treino nos bancos de cimento do espigão que dá bom. Nado livre duas vezes até o primeiro banco, depois mais duas voltas peito. Agora é hora do crawl até o quarto banco, e as costas já começam a pesar menos. E daí que não faz natação? Mesmo uma vezinha ou outra lá faz bem pra saúde mental. Aluga o flutuador e se joga!
Não tá afim de se molhar? Beleza. Trezentos metros de caminhada ou pedalada por aquela pontezinha rodeada de pedras também tá valendo. Vai e volta cinco vezes que tá ótimo. Só não esquece o filtro solar e nem vai se distrair fazendo fotografias demais na paisagem de tirar o fôlego. A rede social quase sempre atropela, o espigão que salva.
É de graça e não precisa gostar de se exercitar. Vai lá no fim da tarde que sempre tem gente com uma caixa de som ou protagonizando uma nova leva dos desacontecimentos mais incríveis da cidade. É sério. “Caiuuuuu!”, diz um jovem ambulante. Não se assuste nem tenha raiva ao descobrir que se trata de uma queda fake do preço de umas trufas ou jujubas.
Já é fim de tarde, aproveite o espetáculo. Do outro lado do calçadão, os meninos do skate saltam e se movem com velocidade. Sairão dali novas Fadinhas? Sei lá. Corre ali na barraca do Léo e compra o coco mais gelado do Náutico pra ver o pôr-do-sol mais bonito da cidade. Tem dias que, de noite, só uma pergunta é feita com mais frequência que a busca pelo preço do coco naquela barraca: “Cadê o Léo?”. “Já foi, tava aqui desde manhã cedinho”, responde o novo atendente a meia dúzia de clientes leais.
Pera, que tem mais gente. Um pouco mais adiante, no rumo do Mucuripe, está seu Josué, meio descrente da política, mas totalmente sincero quando o assunto é a temperatura do coco. Um ouro de ser humano. “Hoje não gelou bem não. Melhor comprar mais na frente”, ele me disse certa vez para fidelizar a cliente.
Vai andando e sentindo o cheiro do caju e do abacaxi nas banquinhas de frutas, prêmio que os corredores costumam dar a si próprios após os treinos. Ou, se você está totalmente fora da dieta, de manhãzinha rola comprar um queijinho esperto do Jaguaribe. Bom demais!
Em dia de tristeza, vai lá. Há um show de humor ao ar livre com os personagens da cidade (e os empreendedores mais criativos e peculiares). Nunca viu o Dr Din-din com seu jaleco branco procurando quem curte chupar um? Quem sabe você não dá sorte e se mete em uma rodinha de apresentação de números de facas ou de homens-estátua desconhecidos? Mas, cuidado! Tem que desviar dos brinquedos que piscam rebolados ao alto a cada minuto pelos ambulantes.
No mínimo, quando passar o Trenzinho da Alegria (ok. Hoje tem quase uns ônibus de led da alegria), você vai rir do Homem-Aranha desajeitado subindo nos postes e ainda vai conhecer uns dois ou três personagens dos quais provavelmente nunca ouviu falar. Tudo atualizado, mas não no nível da estátua de Iracema botocada uns quilômetros adiante, no rumo da Praia dos Crush.
Tem dia que, do lado direito do Espigão, tem luau com canoagem para os mais dispostos. Mas se tiver sem paciência pra tudo isso, só vai lá e sente a brisa do mar. Respira. Insiste em ouvir o barulho das pequenas ondas em meio ao caótico barulho da cidade. Concentra que, em Fortaleza, a salvação às vezes mora no Espigão do Náutico.