Primeiro de tudo: não tenho absolutamente nada contra paulistas nem paulistanos. Até casei com um. Vamos valorizar este espaço aberto na coluna em pleno dia dos namorados. Conheci meu marido Humberto, o Beto, enquanto ganhava a vida como jornalista no Sudeste. Lá, aprendi a comer milho no prato, a chamar bloco de bloquinho, a acordar cedo para colocar muito glitter e aproveitar o carnaval geralmente chuvoso.
Vivi meus próprios choques culturais, com as pessoas chamando canjica de cural e insistindo em abreviar meu apelido Bia para um simples Bi. Demais, né?
Mesmo assim, nada me isenta de me divertir com os choques culturais que o marido agora vivencia no Ceará, onde moramos há dois anos. Tem dias que ele parece preso num looping daquele famoso vídeo do Porta dos Fundos sobre os Sudestinos. Em outros, ele só não consegue mesmo entender nosso jeitinho cearense.
Como assim os motoristas disputam poder no trânsito em vez de se organizar? A regra é clara: uma fila de carros em cada cruzamento, e o certo é ir um de cada lado. “Mas aqui ninguém deixa ninguém passar”, ele diz, indignado.
E a complexa norma de etiqueta para convidar amigos e parentes para as festas e eventos? Beto não aceita. “Chama quem quer e pronto”, me repete, ignorando a chateação que uma atitude assim causaria em dezenas de tias e primas. Ora, todo mundo sabe que se alguém te convida pro aniversário, você tem que retribuir.
Nós aqui gastamos horas pensando nos critérios de convites e nas narrativas para chegar à lista perfeita para festinhas cada vez mais caras. E somos galerosos. Talvez por isso no chá de bebê do nosso filho eu tivesse 80 convidados, e ele oito. Beto demorou cinco minutos para reduzir a lista dele para quatro enquanto sofri um fim de semana inteiro para chegarmos juntos nos 40. Deu tudo certo, no fim das contas.
Um amigo nosso de São Paulo até veio para o famigerado chá. “Andrei, quando você não quer ir a uma festa, o que você diz?”, perguntou o marido. “Que não vou porque não estou a fim”. Ah, não! Aqui a gente precisa explicar porque não queremos ou não podemos ir. Ser cearense é ter consideração, não é? Sigam a etiqueta!
Outro dia fomos convidados para uma festa de aniversário de criança. “Vai ser só um bolinho”, disse a nossa anfitriã. Tivemos que comprar o presente meio de última hora e decidimos comer algo no shopping mesmo pouco antes da festa. “Vamos comer logo porque lá não vai ter comida”, me disse o marido enquanto eu incorporava aquele meme da Nazaré Tedesco altamente confusa.
“Todo aniversário tem comida aqui”, eu lhe disse. “Mas a dona da festa disse que lá vai ter só um bolinho”. Ri alto. Marido, pelo amor de Deus, isso é só uma forma de baixar as expectativas dos convidados. É como dizer que a festa vai ser simples, mas não vai faltar salgadinho, jantar, docinhos e o famigerado bolinho.
Pois bem, o choque cultural também pegou de jeito meu marido paulistano. Como assim boa parte dos bloquinhos de carnaval de Fortaleza na verdade têm palcos, com foliões que concentram mas não saem? Essa história de doutor do ABC, com direito a bailinho das crianças e anel de formatura não é consenso no Brasil, ele nos avisa. Pois vou alfabetizar meu filho aqui porque disso não abro mão.
Casei com um paulistano que aprendeu a amar Fortaleza. Adora um caranguejo, faz o mesmo carneiro guisado da minha mãe e uma moqueca de arraia dos deuses. Já conjuga o verbo “frescar” e fala cada vez menos “mano”. Vive dizendo que está em processo para tirar o passaporte cearense. “Mas pra isso ainda falta”, diz uma amiga nossa. “Só quando aprender a cantar o hino-mor Planeta de Cores com a voz anasalada do cantor da Tropykália.”