A maternidade de Maria Geórgia não é problema, é potência

Da periferia de Fortaleza, Maria Geórgia combate os estereótipos colocados para mulheres negras tendo filhos. Sua história, e a experiência com duas gestações não planejadas, encerra a série sobre maternidade com mães de diferentes locais do Norte e Nordeste

Maria Geórgia Pinheiro, de 27 anos, é princesinha do passinho, produtora cultural, mãe e o que mais ela decidir ser. Mulher preta de periferia, engravidou pela primeira vez aos 17 anos, sem planejamento. Mas foi nos filhos que diz ter descoberto duas coisas: o valor imensurável da família e a possibilidade de ajudar a construir um futuro melhor e com mais diversidade.

Geórgia nasceu em Solonópole, a quase 300 quilômetros de Fortaleza, mas nunca foi reconhecida pelo genitor. Morou praticamente toda a primeira infância com tios e apenas aos seis anos foi viver com a mãe, em Fortaleza. "Eu era uma criança assustada com aquela situação. Fui tirada do meu conforto", conta.

A relação com a mãe nunca foi das mais fáceis, e ela acabou indo morar com outros parentes na adolescência. "A gente teve pouco contato e a convivência foi difícil. Eu hoje entendo o tamanho da sobrecarga colocada naquela mulher porque hoje tenho dois filhos", reconhece.

O amor familiar mesmo Geórgia acredita ter descoberto apenas com o primogênito Caio. A notícia da gestação dela foi desesperadora, e Georgia conta que pensou em abortar, mas a família do então namorado prometeu que a ajudaria, e ela teve a criança. "Entendi o que é ter família. Esse amor se criou dentro de mim a partir do momento em que eu tive meu primeiro filho", conta.

O relacionamento com o pai do seu filho não durou muito, e Geórgia passou a dividir apartamento com amigas. Foram tempos difíceis. A criança passava uma semana com ela e uma semana com a família do pai, e ela se mantinha trabalhando no que aparecia, de designer de sobrancelha a faxineira, para se sustentar. Um trabalho informal de babá a permitiu alugar um kitnet.

Começou a organizar a vida a partir daí, mas a vida mudou mesmo graças à cultura. Nesta época, ela descobriu o brega funk, virou princesinha da favela e participou do La Casa Duz Vetim. Arranjou um novo namorado, engravidou novamente e as coisas voltaram a ficar difíceis. Escapou de um relacionamento abusivo e começou a construir tudo de novo, como fênix.

Há menos de um ano, as coisas enfim se estabilizaram: ela conquistou o primeiro emprego CLT como recepcionista em um centro cultural e está feliz por poder dar mais oportunidades aos filhos do que as que teve. É neles que vê a esperança de um futuro melhor. "Consegui construir a minha família e me sinto super realizada nesse mundo depois de tudo que passei. Eu sinto que mudei a minha rota de vida", reflete.

Geórgia conta que foi um menina preta distante de uma educação antirracista. Só desenvolveu a consciência para mudar isso mais tarde. Por isso, ver o filho Caio, de 9 anos, assumir sua negritude nos cabelos desde pequeno ou ver a filha Rihanna, de apenas três anos, perguntar o gênero de pessoas não-binárias com curiosidade e naturalidade, a fazem acreditar que o mundo há de melhorar. 

"Os estereótipos que são colocados para mulheres negras tendo filhos é de uma problemática para a sociedade, mas temos muitas potências negras saindo das periferias. Os meus filhos também são potentes", finaliza.