Os dados atualizados do Censo Geral da População em Situação de Rua em Fortaleza, lamentavelmente, não surpreendem. Nós já havíamos tratado destas questões em outros dois artigos (Tristes ruas e Pobreza no passado? Pobreza no presente? Pobreza no Futuro?).
Em São Paulo, por exemplo, outras pesquisas da mesma forma detectaram o aumento desta população. Lá os números superam a casa das seis dezenas de milhar. Pandemia e crise econômica se retroalimentam e conformam justificativas para a elevação da situação verificada. É um fenômeno urbano nacional.
Por aqui, não só para quem caminha pelo centro histórico da cidade, principal área de concentração, mas para os que circulam pelas ruas e avenidas dos vários bairros da capital, verificam-se nossos irmãos cearenses abrigando-se debaixo das marquises e dos viadutos.
Lembro ter participado de um ciclo de apresentações onde o tema central eram as condições e os desafios enfrentados por homens, mulheres e crianças em situação de rua. Na oportunidade foi relatado a ação de Ongs, de entidades religiosas e da municipalidade com o objetivo de diminuir o sofrimento dessas pessoas (distribuição de comida, kits de higiene pessoal e espaços para banho e necessidade fisiológicas).
Dois aspectos destacados merecem muita reflexão. Primeiro, as múltiplas formas de violência vividas pelas pessoas em situação de rua por agentes do Estado (remoção forçada, abordagens policiais violentas e, mesmo, a dificuldade no que tange ao atendimento em serviços públicos de saúde).
Segundo a desigualdade de gênero. A mulher em condição de rua sofre muito mais que os homens porque têm necessidades específicas (ciclo menstrual e o cuidado com os filhos, por exemplo) e é, comumente, alvo de abusos morais e sexuais.
O espalhamento das pessoas em situação de rua, por si só, é um importante indicador de que os quantitativos superam os registrados anteriormente. Há uma busca por novas territorialidades, ou seja, zonas da cidade onde estas pessoas possam construir estratégias de sobrevivência mínima.
Lugares onde possam ser vistos, onde possam receber algum tipo de ajuda e, mais ainda, espaços minimamente seguros. O reconhecimento desta nova geografia das pessoas em situação de rua é o pontapé inicial para a reorganização das políticas públicas.
Há muito a fazer ou intensificar o que já é feito. A primeira questão fundamental é ouvir os muitos profissionais sérios e cientistas especializados no tema; consultá-los é essencial. Da mesma forma, é necessário treinar os agentes públicos para bem atender os cidadãos nesta condição.
Depois, pode-se construir mais espaços acolhedores para que possam ter segurança e abrigo temporário. Concomitantemente, o atendimento psicossocial é estratégia urgente a ser aprimorada. Para o caso de famílias inteiras desabrigadas pela incapacidade de pagar o aluguel, uma política mais agressiva de aluguel social é preeminente.
Também é plausível implementar oficinas para treinamentos profissionais. As parcerias entre a municipalidade e as organizações empresariais do Centro (ou de outras áreas da cidade) são uma saída para abertura de oportunidades profissionais e de empregabilidade.
Ao final, nós fortalezenses temos que nos envolver de alguma forma. Vamos buscar bons exemplos. O Padre Júlio Lancelotti, certamente, a pessoa no Brasil mais conhecida e respeitada por sua prática junto às pessoas em situação de rua, além de fazer todo o trabalho duro, cara a cara, faz algo de suma importância.
Ele humaniza o tema, põe o dedo na ferida social e luta para que esta seja prioridade nas ações públicas e privadas, individuais e coletivas.