A administradora Nathânia Ramos está nos Estados Unidos desde o fim de 2021 vivendo o que passou a ser o sonho de muitos nos últimos anos: aproveitando a liberdade de trabalhar de onde quiser.
O regime remoto imposto pela pandemia propiciou o primeiro contato com o trabalho a distância para centenas de pessoas. Para os que acabaram preferindo a modalidade, uma das principais vantagens é justamente a flexibilidade de exercer a atividade independente do lugar.
Nathânia é analista de sucesso do cliente em uma empresa de tecnologia brasileira, mas está exercendo a profissão em Nova York, onde está visitando o namorado.
Ela ingressou no universo do home office com a chegada da pandemia. Desde então, permanece nesse regime mesmo já estando em outra empresa.
"Eles foram para o trabalho remoto com a pandemia, mas viram que era melhor e adotaram o modelo remote first. Tanto que meu contrato é de teletrabalho e eles nem têm mais um escritório físico", afirma.
Entre os benefícios da modalidade, Nathânia indica que a principal é a recuperação do tempo de deslocamento. Morando na periferia de Fortaleza, ela levava de duas a três horas para ir e voltar do escritório em que trabalhava na Aldeota.
"Eram horas quase que perdidas do meu dia só de deslocamento, sem contar o estresse de transporte lotado, insegurança. Eu ter tirado isso da minha rotina foi o maior benefício do trabalho remoto", ressalta.
Além de recuperar horas diárias, a cearense também indica que passou a economizar mais, seja com transporte, alimentação fora de casa, ou até mesmo com compras desnecessárias.
A terceira vantagem, mas não menos importante, é poder trabalhar de qualquer lugar. Depois de meses em casa, ela revela que a rotina ficou cansativa e passou a procurar alternativas que dessem fôlego ao dia a dia, como trabalhar na casa de um amigo, em uma cafeteria, biblioteca, entre outros.
Além disso, vivendo um relacionamento a distância, ela tem aproveitado essa flexibilidade para aproveitar o tempo que pode com o namorado sem precisar esperar a chegada das férias.
"Em julho do ano passado, eu fui para o Rio de Janeiro, passei uma semana lá. Outra vantagem do meu trabalho é que tenho flexibilidade de horário, posso combinar de entrar mais cedo, mais tarde", conta.
A atual viagem de cerca de quatro meses e meio vem sendo planejada desde o início de 2021. Já portadora do visto de turista, que permite que ela fique no país por até seis meses, ela economizou durante um ano.
Estando em outro país, ela também tem aproveitado a oportunidade para conhecer diferentes cidades e até concluir a faculdade a distância. Nathânia defendeu o trabalho de conclusão de curso (TCC) em fevereiro, quando a Universidade Federal do Ceará (UFC) ainda estava em regime remoto.
Após tantas experiências positivas, ela revela que não pretende voltar a trabalhar presencialmente.
No futuro minha prioridade vai seguir com cargos e empresas onde eu possa trabalhar de forma remota, majoritariamente. Depois de experimentar essa liberdade é difícil largar"
Assistente Virtual
O trabalho remoto pode ser adotado por diversas profissões e cargos, como produtor de conteúdo, fotógrafo, gestor de mídias sociais, designer, desenvolvedor, entre outros.
No Ceará, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que cerca de 18,8% da mão de obra ocupada pode atuar com teletrabalho. O percentual representa cerca de 678 mil pessoas.
A possibilidade, no entanto, existe não apenas para empregados de empresas que fornecem essa liberdade, mas também para quem atua por conta própria.
É o caso dos chamados assistentes virtuais, que são pessoas que prestam serviços remotos das mais diversas naturezas.
Camile Just é assistente virtual e idealizadora da plataforma Just Virtual, que ajuda a conectar os assistentes a clientes por todo o Brasil e até no exterior.
Os assistentes virtuais podem atuar nas mais diversas áreas, desde Administração, Finanças, Comercial e Secretariado até Comunicação, Marketing Digital, RH, Atendimento ao Cliente, entre outras.
"É uma profissão interessante, porque a pessoa não precisa aprender algo novo, ela trabalha em cima das habilidades que ela já traz, vai apenas trazer para o regime remoto o trabalho que ela já fazia antes", explica.
Ela detalha que os profissionais atuam de forma autônoma e podem atender de cinco a seis clientes simultaneamente, podendo cobrar de R$ 800 a R$ 2 mil por cliente.
Para quem está interessado na opção, Just orienta voltar o olhar para as próprias habilidades e pensar nos tipos de serviços que podem ser oferecidos.
O segundo passo seria saber quem podem ser os clientes: empreendedores digitais, profissionais liberais, empresas.
"Nessa transição de carreira, é ideal olhar para os próprios desejos, para algo que goste, para os hobbies, e busque essa área. É um casamento interessante", aconselha.
Por fim, é importante se ater às condições necessárias para prestar o serviço de forma remota, com computadores, internet de qualidade, e demais equipamentos e infraestrutura inerentes à atividade.
"Para o nômade digital, a internet é tão importante quando o ar que a gente respira. Então, ao chegar em algum lugar novo, é importante se certificar se a internet disponível vai satisfazê-lo; estar atento ao fuso horário e combinar com os clientes o horário em que vai estar disponível. O cliente precisa ser informado dos movimentos para que não haja quebra de confiança".
Substituição de experiências
A psicóloga Sammia Almeida teve o primeiro contato com o home office ainda em 2019, quando trabalhava em modelo híbrido. Com a chegada da pandemia, o modelo à distância passou a ser o único.
Contratada por uma multinacional com sede em São Paulo, ela passou a aproveitar mais a liberdade da modalidade com a melhora da pandemia no ano passado.
Cerca de uma vez por mês, ela quebra a rotina fazendo viagens pelo próprio Ceará. Entre os destinos, Guaramiranga, Ubajara, Maranguape, Viçosa, entre outros.
"Foi a maneira que encontrei para substituir o calor humano do escritório. Então, passeio, procuro um lugar com internet boa pra trabalhar. Precisa de organização, silêncio, internet, conforto, mas dá pra trabalhar. E isso tem melhorado muito a minha produtividade com essas experiências", afirma.
Em geral, ela passa de três a cinco dias no destino. Sammia ainda esclarece que, ao contrário do que parece, ela não precisa fazer esforços para bancar as escapadas.
Economizando com transporte e alimentação fora de casa, ela consegue encaixar os momentos no orçamento sem maiores problemas. Além disso, ela ressalta que consegue tarifas mais baratas em hotéis por estadias durante a semana.
"Quero expandir meus destinos, me organizar mais e ir para outros lugares. Inclusive já pensei em morar em outros locais para facilitar essa locomoção", revela a psicóloga.
Vistos específicos
O avanço do estilo de vida nômade tem provocado até mesmo a adaptação dos consulados. Pelo menos 35 países, incluindo o Brasil, já possuem vistos específicos para essas pessoas.
A embaixada brasileira permite a permanência no País por até um ano, sendo possível renovação desse período. A taxa para a emissão do documento é de US$ 35 a US$ 290 e requer uma comprovação de renda mensal de US$ 1,5 mil ou conta bancária com US$ 18 mil. O prazo para o retorno é de sete a 30 dias.
Outros países que também possuem essa opção de visto são:
- Alemanha
- Anguilha
- Antígua e Barbuda
- Austrália
- Bahamas
- Barbados
- Bermudas
- Cabo Verde
- Colombia
- Costa Rica
- Croácia
- Curaçao
- Dominica
- Emirados Árabes Unidos (Dubai)
- Espanha
- Estônia
- Geórgia
- Grécia
- Hungria
- Ilhas Cayman
- Ilhas Maurício
- Indonésia
- Islândia
- Itália
- Malta
- México
- Montserrat
- Noruega
- Panamá
- Portugal
- República Tcheca
- Romênia
- Seychelles
- Tailândia
O especialista em vistos consulares André Schaumann explica que os vistos em geral são permissões de entrada em algum país para alguma atividade, como turismo, trabalho, negócios, etc, e que cada país tem regras migratórias diferentes.
No caso do visto de nômade digital, ele permite que a pessoa fique mais de tempo no país do que a permissão de turista, que normalmente dura de três a seis meses, sem precisar de vínculo com uma empresa local, como nos casos de vistos de trabalho.
"O visto de nômade foi criado recentemente depois que países viram que algumas pessoas têm essa liberdade de trabalhar, principalmente pós-pandemia, por conta própria ou para alguma empresa de forma remota, sem um local fixo de trabalho", afirma Shaumann.
Os critérios de elegibilidade variam de país para país mas, em geral, requerem documentos pessoais, comprovação de atividade e comprovantes de renda de que a pessoa tem essa liberdade financeira para viver no país pelo período que solicitado.
O especialista ainda alerta que as regras mudam constantemente às quais os interessados devem ficar atentos.
Adaptação
Do lado dos empregadores, a diretora da Studart RH, Gisele Studart, ressalta que ainda há um desafio a ser superado com o modelo totalmente remoto: a gestão da produtividade.
Ela relata que, principalmente após a experiência durante a pandemia, as empresas viram benefícios no trabalho a distância, especialmente com a redução de custos, desde o deslocamento dos profissionais à manutenção da estrutura física.
Nesse cenário, duas tendências tendem a acontecer. A primeira é a resistência de colaboradores que preferem o trabalho presencial. Tendo isso em vista, as empresas têm investido no modelo híbrido.
"Nota-se uma redução da produtividade, o que leva algumas empresas a quererem o modelo híbrido, que é a maior tendência atualmente, para que as pessoas não percam a convivência e mantenham a cultura ativa", explica Studart.
Na outra ponta, profissionais de determinadas áreas, especialmente ligadas a tecnologia e comunicação, tem se acostumado com o trabalho remoto e passado a exigir o regime aos contratantes.
"As empresas muitas vezes se veem obrigadas a deixar os profissionais trabalhando remotamente, porque eles se acostumaram ao trabalho a distancia e a atender a demanda dessa empresa e de muitas outras, o que pode prejudicar a produtividade", pontua.
Para evitar qualquer tipo de problema, ela reforça que é importante o profissional cumprir o número de horas e as entregas combinadas.