Demonstrando potencial de crescimento em diversos segmentos inovadores, como as energias renováveis e a economia do mar, a atividade econômica do Ceará promete ser promissora a longo prazo.
A perspectiva gera otimismo entre especialistas, que acreditam em um desempenho econômico do Estado superior ao nacional, descolando a tendência local da brasileira.
Convidado desta semana do Diálogo Econômico, um dos economistas que aposta em bons cenários para o Ceará é o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e presidente da recém-lançada Academia Cearense de Economia, Lauro Chaves Neto.
Ele reforça o objetivo do Ceará 2050 de dobrar a participação do Produto Interno Bruto (PIB) cearense no PIB nacional, de forma a igualar à participação na população.
Ainda assim, ele elenca alguns gargalos que precisam ser resolvidos para propiciar esse ambiente virtuoso de recuperação e, posteriormente, crescimento econômico, como o avanço de investimentos em educação profissional e infraestrutura, e a melhora do ambiente de negócios.
Confira a entrevista completa:
Já vamos completar dois anos da pandemia. Como a nossa atividade econômica tem se comportado? Já conseguimos nos aproximar dos patamares anteriores à crise sanitária?
É sempre bom entender que entre 2014 e 2016 nós tivemos a pior recessão da história desde 1930 no Brasil. Isso debilitou muito a maior parte dos setores da economia, de forma desigual, uns mais outros menos, e que em 2017, 2018 e 2019, o Brasil teve um crescimento muito tímido, algo em torno de 1% ao ano, o que é totalmente insuficiente para retomar o patamar antes da recessão de 2014 a 2016.
Coloco isso, porque no início de 2020 estávamos com uma economia abaixo do que estava em 2013 e que em 2020 existia uma perspectiva de um crescimento maior para 2020, 2021, 2022. Porém tivemos a pandemia e muda todo o cenário.
Então, eu faço esse contexto pra mostrar que a economia brasileira, quando a pandemia chegou, já estava fragilizada, nós já tínhamos o maior desemprego da história.
Quando veio a pandemia, as questões sanitárias eram uma grande interrogação no mundo inteiro, com paralisação das atividades em quase todos os setores. Isso provocou uma paralisação total da economia durante três, quatro meses e as pessoas precisam entender que a economia é como uma engrenagem, que tem vários elos da cadeia, desde as matérias-primas até o consumidor final.
Então, quando você tem o sistema de engrenagem dessa complexidade e você paralisa esse sistema, pra você retomar a atividade econômica, isso leva meses e às vezes anos em algumas atividades produtivas.
O que nós tivemos em 2020 foi uma queda de 4,5% do PIB, que foi muito menor que a queda média que aconteceu nos outros países do mundo ocidental, e isso se deve basicamente a 2 fatores.
O primeiro e mais importante deles: o auxílio emergencial. Quase um terço da nossa população recebeu auxílio de R$ 600 na época e muitas casas da periferia e no Interior existiam até dois ou três auxílios na mesma casa.
Isso significa que, com a nossa concentração de dinheiro, com o problema grave de distribuição de renda que temos, grande parte da população brasileira e mais ainda cearense teve naqueles meses de auxílio emergencial uma renda média maior que tinha antes da pandemia.
Esse contingente de pessoas direcionou todo esse recurso pro consumo, alimentação, vestuário, pequenas reformas das residências. Muitas das empresas que têm como público-alvo as pequenas cidades e periferias venderam mais naquele período que normalmente, porque o público-alvo estava maior que antes da pandemia.
E o outro ponto foram as medidas de proteção para as empresas. Houve crédito, suspensão ou adiamento do recolhimento de tributos, as medidas provisórias do BEm.
Então, se você soma a injeção de renda da demanda do auxílio emergencial com o suporte ao setor produtivo isso fez com que a economia brasileira em 2020 caísse apenas 4,5%.
Olhando para agora, em 2021, nós devemos ter um crescimento em torno de 4%. Ainda não voltamos em todos os setores ao nível pré-pandemia, mas o que eu estou tentando mostrar, alertando, é que o nível da economia pré-pandemia era muito baixo, ainda não tínhamos retomado o patamar de antes da recessão.
Na verdade, nós vamos crescer a economia brasileira quando começarmos a crescer acima do patamar antes da recessão de 2014 a 2016.
Já dá pra ter um vislumbre de quando isso pode acontecer?
Não, porque isso vai depender muito de quem vai ser eleito, de qual política econômica vai ser adotada.
O que temos escutado dos assessores econômicos dos principais candidatos à presidência, o Bolsonaro, Lula, o Ciro, e o Sérgio Moro, é que nenhum deles vai fazer uma irresponsabilidade ou loucura na economia. As equipes econômicas todas defendem uma responsabilidade fiscal, uma melhoria da produtividade, são fatores que reduzem a incerteza do cenário político eleitoral no cenário de hoje.
Então, imaginando um cenário com essa responsabilidade, não vai ser em menos de cinco anos de crescimento sustentado pra poder o Brasil voltar ao patamar de antes da recessão. Agora, nós temos que abrir um parêntese para a economia do Ceará.
O que a gente observa é que o Ceará, em tempos de crescimento, cresce mais que o Brasil e em tempos de recessão cai menos que o Brasil. Nós estamos nos descolando da economia nacional?
Pra analisar a economia cearense, precisamos primeiro relembrar que temos uma dívida com a renda dos cearenses, porque historicamente o Ceará tem aproximadamente 4,5% da população brasileira e nós só temos aproximadamente 2,2% do PIB brasileiro.
E se olharmos a internacionalização, pelo critério da exportação, é pior ainda, porque nós temos menos de 1% das exportações brasileiras.
Então, para o cearense ter a renda média do brasileiro, nós precisaríamos que o Estado do Ceará tivesse 4,5% do PIB nacional. Isso seria dobrar nossa participação e é algo que, se for conseguido nos próximos dez, vinte anos, será um case econômico de sucesso pro mundo inteiro.
Na economia cearense, nós temos os setores tradicionais: na agricultura é a de sequeiro, a pecuária extensiva; no comércio, setores tradicionais; na indústria, setores tradicionais, como construção civil, metal-mecânico.
Todos esses setores estão se modernizando, ganhando competitividade, mas mesmo que tivessem competitividade de primeiro mundo, sozinhos não conseguiriam proporcionar esse salto no PIB cearense para chegar ao que nós queremos, que é de pelo menos 4,5% do PIB brasileiro.
O que tem de animador? Se nós pegarmos o agronegócio, temos toda uma parte de fruticultura e outros cultivos irrigados de elevadíssima produtividade, temos pesquisas de inovação com o trigo, soja, frutas, flores e isso tomando fôlego nós vamos dar condições pra nossa economia dar esse salto.
Quando falamos de comércio e serviço, o empreendedorismo do cearense, que é notório no Brasil todo, tem feito um avanço gigante, na digitalização do comércio, estando mais próximos dos clientes.
Um exemplo disso é que talvez Fortaleza seja a capital do Brasil onde as grandes redes de supermercado mais têm dificuldades de entrar. Você pega os supermercados cearenses, os grandes como São Luiz, Frangolândia, Cometa, eles competem em igualdade com as grandes redes nacionais. Os de bairro também conseguem competir com os maiores. Isso é um exemplo de como o comércio cearense tem condição de competir.
No caso da indústria, é onde pode estar a grande chave desse salto do nosso PIB se nós pegarmos os setores inovadores da indústria, energias renováveis, economia do mar e economia da saúde.
Considerando somente as energias renováveis, o hub de hidrogênio verde, a ZPE do Pecém, a integração que a Transnordestina está trazendo na ZPE; quando eu falei na agroindústria, na irrigação, é importante lembrar da transposição do rio São Francisco que deve contribuir muito para a garantia hídrica dessa modernização da agropecuária.
Das energias renováveis, tem a eólica que já é forte, mas tem um potencial muito grande. Se nós pegarmos esses projetos de energia eólica offshore, é muito maior que tudo o que já existe instalado. Temos um potencial gigantesco pra energia solar e para o hidrogênio verde.
Então, toda essa questão das energias renováveis somada à economia do mar, tem um potencial gigantesco em tudo o que envolve nosso litoral, da fronteira com o Piauí até a fronteira com o Rio Grande do Norte.
Na economia da saúde, nós temos polos de distribuição para o mundo todo de uma série de insumos que possam ser produzidos aqui e através da ZPE exportar isso.
E não podemos esquecer que Fortaleza hoje é uma das cinco capitais do mundo que mais recebe cabo de fibra ótica e isso tem também um potencial muito grande de gerar negócios atrelado ao transporte e armazenamento de dados, temos vantagens competitivas de desenvolver esses negócios.
Eu sou otimista quanto à economia brasileira, mas muito mais otimista quanto à economia cearense.
Mas temos que melhorar ainda mais a educação profissional, porque tivemos grandes avanços no fundamental e médio, mas para gerar inovação e competitividade, temos que ter uma educação profissional muito mais universalizada que o que temos hoje.
O segundo ponto é que temos que melhorar muito mais nossa infraestrutura de estradas, de ferrovias, de energia, de distribuição, de logística.
E, por último, melhorar nosso ambiente de negócios. Nós estamos num País extremamente burocrático e precisamos de investimento em medidas que podem ser feitas com o Estado, com os municípios para melhorar isso, que não obrigatoriamente dependam da união.
Quando falamos em economia e falamos de 20 anos, as pessoas acham que é muito longe, mas não é. 20 anos foi de 2002 para cá.
Falando de mercado de trabalho, esses segmentos que você pontuou e que devem puxar a economia no longo prazo devem gerar vagas suficientes e aumentar a renda da população de forma satisfatória?
Esses setores que mencionei vão gerar novas vagas, porém mais qualificadas. E o mercado, se não encontrar pessoal suficiente com qualificação pra essas vagas, essa mão de obra vem de fora.
Então, temos que avançar com os centros de pesquisa, com as universidades, com a atuação do Sistema S. Nós somos privilegiados por termos no Ceará talvez um dos melhores Sistemas S do Brasil.
Nessa questão da formação, da educação profissional, nós temos que juntar as escolas de ensino médio com o ensino superior, com o Sistema S, para que os jovens que estão saindo das escolas consigam chegar no mercado de trabalho preparados para essa nova economia.
Sobre a academia cearense de economia, qual o papel que vocês esperam que a instituição assuma dentro das discussões e debates locais e dentro da própria economia cearense?
Nós estamos implantando a academia, é um passo a passo. Nós já devemos estar lançando daqui dois ou três meses um ebook com reflexões de economistas cearenses. Esse é o ponto inicial, porque nesse período em que esse ebook vai ser elaborado vamos ter condições de construir coletivamente esses eixos principais.
As academias normalmente fazem debates de textos, sendo que desde seu nascedouro a Academia Cearense de Economia vai ter debate de textos, mas queremos trazer a ciência econômica para que ela pertença mais à sociedade.
Já tenho 30 anos de magistério em economia, mas a universidade muitas vezes não tem proximidade nem no linguajar nem nos temas a serem explorados, porque ela tem um papel de desenvolvimento teórico.
Mas quando entramos na Academia, estamos pensando em gerar uma integração com a sociedade. No lançamento, estavam presentes a Fiec, a Fecomércio, o Sebrae, a UFC e a Academia Cearense de Letras.
Como o evento foi fechado, nós tivemos os acadêmicos e essas instituições, que ficaram bastante animadas com a possibilidade de ter esse diálogo com a economia, não com a teoria, mas em como as reflexões sobre teorias econômicas podem ajudar a desenvolver esses setores.
Como primeiro presidente da Academia, quais são os objetivos e metas da sua gestão?
O primeiro (objetivo) é implantar e consolidar a Academia, mas queremos, ao longo dos dois primeiros anos, criar pontes da Academia com a sociedade. E essas pontes vão servir de alicerce para a consolidação da academia.
Nossa principal meta é criar pontes entre a economia e a sociedade nos seus mais diversos setores, em tudo que a Academia possa contribuir para que a ciência econômica ajude e seja uma ferramenta de desenvolvimento de cada setor da sociedade.
Se nós fizermos isso nesses primeiros dois anos, será um grande passo para a consolidação da Academia.
Historicamente, o ambiente de negócios e a economia em geral são dominados pelos homens e muito se tem debatido sobre a ocupação desses espaços pelas mulheres. Como você vê essa evolução e o que ainda precisa ser feito para que as mulheres também ocupem esse espaço?
Na faculdade de Economia, no passado, a participação feminina era muito menor. Essa participação cresceu muito, mas as mulheres ainda são minoria no sistema Corecon, que envolvem economistas do Brasil.
Dentro da Academia, nós temos três economistas de relevante serviços prestados ao Estado do Ceará: a professora Mônica Amorim, a economista Mônica Clark e a economista Silvana Parente, que é a atual presidente do Corecon.
Elas mostram o destaque que as mulheres tiveram na economia, embora a presença feminina ainda seja em menor proporção. Mas esses três nomes de economistas de referências que têm grande contribuição para o Estado mostram essa valorização da mulher.