Entenda o que é a desoneração da folha de pagamento e os impactos da prorrogação para o Ceará

Após vaivém em Brasília, texto mantém inalteradas alíquotas tributárias para contratação de diversos setores por pelo menos mais quatro anos

O Congresso Nacional derrubou, nesta quinta-feira (14), integralmente o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em cima da desoneração da folha de pagamento. Com isso, fica renovado, até 2027, a alíquota diferenciada para contratação em 17 setores produtivos brasileiros, e entidades empresariais do Ceará preveem aumento na contratação de profissionais.

Na prática, não há mudanças reais no sistema já vigente. O texto, que no fim de agosto havia sido aprovado na Câmara, foi integralmente vetado por Lula no mês passado. Com a decisão do Congresso Nacional de derrubar o veto do presidente, segue válida a legislação atual, pendente apenas de promulgação.

A única alteração no texto foi apenas relativa ao tempo de duração da medida. Antes, a lei valia até o fim deste ano, mas com a decisão, vale até 31 de dezembro de 2027. A desoneração da folha de pagamento é um instrumento legal vigente desde 2011, no primeiro ano de mandato da então presidente Dilma Rousseff.

A legislação autoriza que os contratantes, antes tributados com uma alíquota de 20% sobre a contribuição para a Previdência Social, paguem entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta. Isso gera, para o setor produtivo, uma redução de encargos para a contratação de profissionais, beneficiando 17 setores produtivos.

Veja os setores que permanecem beneficiados com a prorrogação da desoneração:

  • Calçados;
  • Call center;
  • Comunicação;
  • Confecção/vestuário;
  • Construção civil;
  • Construção e obras de infraestrutura;
  • Couro;
  • Fabricação de veículos e carroçarias;
  • Máquinas e equipamentos;
  • Proteína animal;
  • Têxtil;
  • TI (Tecnologia da Informação);
  • TIC (Tecnologia de Comunicação);
  • Projeto de Circuitos Integrados;
  • Transporte Metroferroviário de Passageiros;
  • Transporte Rodoviário Coletivo;
  • Transporte Rodoviário de Cargas.

MAIS POSTOS DE TRABALHO NO CEARÁ

A rejeição do veto no Congresso pode ser encarada como uma dura derrota para a equipe econômica de Lula. Ao todo, o placar foi de 60 a 13 no Senado pela derrubada da decisão do presidente, enquanto na Câmara, o placar foi de 378 a 78 contra o Governo Federal.

O alinhamento dos parlamentares com o setor produtivo evidencia que a prorrogação da desoneração da folha era um desejo urgente das entidades empresariais, como explica o economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Wandemberg Almeida.

“Se você não tivesse derrubado o veto, poderia encarecer contratação, produtos e serviços, o que poderia ser oneroso por parte de alguns investidores e isso poderia comprometer a geração de empregos. Perceba a importância de manter essa desoneração, entender que é necessário, em um momento em que o País está retomando a economia e não tivemos uma recuperação 100% de todos os mercados, a mão do Estado para conseguir controlar as contas dessas empresas que são geradoras de emprego”, reflete.

A medida adotada pelo Congresso Nacional deve gerar, aliada a outros fatores econômicos, incremento significativo na geração de empregos em todo o Brasil, como pondera Marcelo Maranhão, presidente da Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Ceará (Setcarce).

“A desoneração é fundamental para a estabilidade e contratação de novos cargos no segmento de transporte logístico, o qual é um grande empregador. O setor de logística e de transportes de carga é o termômetro da economia, é transversal a todos os setores. Quando o setor de transportes e logística cresce, é porque a economia está sendo aquecida. Esperamos que, com a desoneração, possamos continuar crescendo na economia nacional”, celebra.

O presidente do Setcarce acrescenta que, nos próximos quatro anos, o setor de logística e transporte de cargas deva empregar mais 15% de mão-de-obra nos próximos quatro anos. Atualmente, Marcelo Maranhão afirma que 19 mil postos de trabalho sejam ocupados, diretamente, por profissionais do segmento no Ceará.

“O Ceará tem a grande oportunidade de se tornar o grande hub de energia e de logística do Nordeste e um dos grandes do Brasil através da transição energética. Principalmente com o novo projeto do hidrogênio verde, energias solar e eólica, deveremos ter, em um futuro próximo, um grande aquecimento da economia em todo o estado. (…) Isso vem com a questão da desoneração”, vislumbra o gestor.

10 MIL POSTOS DE TRABALHO NA CONSTRUÇÃO CIVIL ATÉ 2026

Outro setor que também comemora a prorrogação é o da construção civil. De acordo com Patriolino Dias, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE), a área é a que mais emprega no segmento industrial no Estado. Em conjunto com demais medidas econômicas, são previstos mais 10 mil postos de trabalho até 2026.

Com a diminuição da taxa Selic, que a gente tem uma sinalização que vai continuar caindo, chegando a 9,25% no próximo ano, novo programa Minha Casa, Minha Vida e com a desoneração, esse conjunto, a gente acredita que nos próximos três anos vamos gerar 10 mil novos postos de trabalho em todo o Ceará.
Patriolino DIas
Presidente do SInduscon-CE

Diário do Nordeste entrou em contato com a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec) e com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) para repercutir o impacto da desoneração nos setores produtivos.

Até o fechamento desta reportagem, a Faec não retornou o contato com as informações solicitadas. Já a Fiec informou, por meio da assessoria de imprensa, que não conseguiria fontes para tratar do assunto nesta quinta-feira (14).

DOR DE CABEÇA PARA O GOVERNO

O veto de Lula à desoneração da folha de pagamento tinha como objetivo, segundo analistas da área, aumentar a arrecadação de tributos frente a um cenário de elevação da dívida pública. Com isso, especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste acreditam que o Governo Federal tem de pesar na balança qual seria o problema com maior probabilidade de solução.

Isso porque a equipe econômica do Governo chegou a oferecer uma alternativa à desoneração em vigor desde 2011, mas sem sucesso, principalmente após o resultado da votação do Congresso Nacional, onde mais de 80% dos parlamentares aptos a votarem se manifestaram a favor da derrubada integral do veto, sem possibilidade de novos acordos.

R$ 9,4 bilhões
Esse é o valor que o Governo Federal deve deixar de arrecadar com a prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores

Para o economista Alex Araújo, o Ministério da Fazenda já esperava que o Congresso fosse derrubar o veto de Lula, e medidas como taxar fundos offshore e apostas esportivas online, as chamadas bets, podem compensar, em um primeiro momento, essa redução.

“O Governo precisa encontrar uma alternativa a esse valor e fechar a proposta de orçamento público para 2024. Como já se articulava uma iniciativa do executivo para amenizar o impacto do veto, é possível que a Fazenda possua um mapa das possibilidades e, por se tratar da prorrogação de um benefício, fica mais fácil o ajuste no orçamento”, explica.

O especialista ainda completa com a preocupação do setor produtivo com a volta da alíquota cheia, principalmente com a possibilidade “de ter que reduzir despesas e pessoal em janeiro, como forma de ajuste ao veto. Com a derrubada, o ambiente fica mais estável e permite o planejamento de curto prazo das empresas desses setores e maior tranquilidade para os trabalhadores”.

Ainda na visão de Alex Araújo, a prorrogação da desoneração, embora seja bastante comemorada por entidades ligadas ao setor produtivo, terá efeito em cima já das melhorias dos indicadores econômicos, e deve ser voltada, principalmente neste novo prazo, em aumentar a taxa de produtividade.

O mercado de trabalho vem passando por profundas transformações nos últimos anos e não há dúvidas de que a desoneração foi importante para manutenção de empregos. A necessidade de contínua prorrogação, entretanto, dá a entender que não foi suficiente, talvez por ter se concentrado apenas nos aspectos de custos do trabalho, sem mudanças significativas nas taxas de produtividade.
Alex Araújo
Economista

Já na análise de Wandemberg Almeida, a derrubada do veto incrementa a melhoria significativa da economia nacional em 2023, cujo Produto Interno Bruto (PIB) deve se aproximar de crescimento na casa dos 3%, ante 0,5% nas projeções iniciais.

“Sabemos que são setores produtivos, setores geradores de empregos, setores que contribuem para a economia, setores que mexe com o bolso do consumidor, principalmente com aquela população de baixa renda.  Você tem 70% da população que são das classes C, D e E, as quais são os maiores consumidores de algum desses produtos e precisa, em um momento como esse, equilibrar o cenário econômico, e começa a entender que a desoneração nesse momento vai fortalecer a economia, que possa gerar emprego, dar melhor direcionamento e investimento e aí sim fortalecer cada vez mais o mercado”, argumenta.

É fato que a queda na arrecadação com R$ 9,4 bilhões pode trazer dificuldade no cenário das contas públicas no Brasil, mas o conselheiro do Corecon-CE pontua que é preferível manter a desoneração para continuar alavancando os resultados econômicos.

No momento, R$ 9,4 bilhões faltando no cofre do Governo, pode atrapalhar alguns investimentos, mas atrapalharia muito mais se a gente gerasse desemprego, reduzisse a renda do País através dessa tributação. É importante que o Governo ache bons mecanismos, através da Reforma Tributária, para recuperar essa receita perdida, mas lembrando para manter a economia aquecida e geradora de renda e de emprego.
Wandemberg Almeida
Economista e conselheiro do Corecon-CE

SETORES NACIONAIS COMEMORAM PRORROGAÇÃO DA DESONERAÇÃO

Além de segmentos cearenses se manifestarem de forma positiva, entidades nacionais das áreas afetadas também celebraram a derrubada do veto da prorrogação da desoneração da folha de pagamento. 

Uma delas foi a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), que desde o começo endossou o coro de críticas à decisão de Lula. O presidente-executivo da entidade, Haroldo Ferreira, fez estimativas com a prorrogação da medida.

“Com uma carga extra de mais de R$ 720 milhões por ano, as indústrias de calçados precisariam recalcular suas rotas, investimentos e contratações. Com uma possível reoneração, teríamos uma queda de produção de mais de 150 milhões de pares e a perda de milhares de empregos logo no primeiro ano”, expõe.

Outro setor a se manifestar foi o da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Através de nota divulgada à imprensa, a entidade pressupõe que será menos onerosa a manutenção dos 1,5 milhão de trabalhadores que atuam na área em todo o País.

Ainda de acordo com a associação, juntos, os 17 setores que tiveram a desoneração prorrogada são responsáveis por empregarem 8,5 milhões de pessoas no Brasil. 

“[A desoneração] contribuirá para que as empresas do setor continuem gerando empregos e ajudem na agenda de industrialização do País. Na avaliação da entidade, 'a geração de postos formais de trabalho é o melhor programa social que existe'”, declara em nota a Abit.

Já a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) informa que somente os setores de avicultura e suinocultura “geram 500 mil empregos apenas nas plantas frigoríficas, alcançando quatro milhões de postos de trabalho diretos e indiretos”. Além disso, a prorrogação da desoneração evita maior pressão sobre o preço dos alimentos.

“É uma medida que defende estes empregos, e seus efeitos positivos são reconhecidos e renovados constantemente por todos os governos, independentemente da linha política. Neste sentido, a derrubada do veto traz segurança jurídica a todos os setores, evitando os impactos drásticos na inflação dos alimentos que uma eventual suspensão da medida traria, com a alta direta dos custos com a elevação dos impostos”, destaca a ABPA em nota à imprensa.