A popularização do cartão de crédito, na década de 1980, foi um fator que contribuiu para a redução massiva e gradual dos cheques e dos carnês como opções de pagamento no mercado varejista brasileiro. Mas ainda hoje é possível encontrar negócios populares que dispõem do crediário para faixas de rendas mais baixas, em Fortaleza.
Dentre eles, estão as Casas Bahia, a Casa Pio e a C. Rolim Modas, além de funerárias. Por parte dos consumidores, o carnê físico ainda resiste em consequência da desbancarização e devido à ligação afetiva com as marcas. Do outro lado, é vantajoso para as empresas a visita mensal dos clientes.
Para o coordenador do MBA em Gestão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Teixeira, o principal fator de sustentação da permanência da modalidade de pagamento é exatamente o interesse mercadológico.
“A princípio, pode-se dizer que o número de pessoas desbancarizadas justifica essa demanda, no caso das zonas rurais e das mais afastadas, onde há uma dificuldade de maior acesso à rede bancária", diz, pondera que alguns desses boletos já podem ser pagos em agências mesmo para aqueles que não possuem conta.
“Parece-me que esse fenômeno do carnê está muito mais ligado a uma questão da própria empresa ter interesse que isso aconteça para, de certa forma, forçar esse pagamento no guichê da loja e assim levar o consumidor de volta ao estabelecimento, gerando mais vendas”, avalia.
Portanto, pondera, nesse caso específico, os empreendimentos facilitam a emissão do papel no próprio local para conseguir aplicar a estratégia. Teixeira acredita que, nas zonas rurais, o carnê deve continuar sendo uma opção, mas tende a ficar obsoleto nas grandes cidades em razão da necessidade do deslocamento.
Segundo o Banco Central (BC), até maio deste ano, 184, 2 milhões de brasileiros têm relacionamentos ativos com instituições financeiras. A autoridade, contudo, não tem a informação do número de desbancarizados.
Mas dados de Instituto Locomotiva, de 2021, mostraram haver 34 milhões de pessoas com acesso precário ao sistema bancário, divididas entre aquelas que não possuem conta ou não a utilizam com frequência.
Sem acesso ao crédito, geralmente, essa população recorre à informalidade (comprando fiado) ou, quando pode, a formas de pagamentos simplificadas.
O que e onde ainda é possível comprar com carnê no Ceará?
Móveis, eletrodomésticos, sapatos, roupas e até a contratação de planos funerários. Esses produtos e serviços ainda estão disponíveis no crediário de alguns empreendimentos. E devem continuar, segundo as companhias ouvidas pela reportagem.
A "Casa Pio" oferece a alternativa desde 1928. Hoje, cerca de 500 mil pessoas ainda compram em carnês nas lojas da sapataria no Ceará, Pernambuco e na Paraíba, segundo a empresa.
O diretor comercial do negócio, Clóvis Rolim Neto, avalia que o cartão de crédito, de débito e o Pix são alternativas fundamentais, mas não significam a extinção do crediário. “Não temos nenhuma pretensão em acabá-lo. Pelo contrário, a intenção é fortalecê-lo cada vez mais”, pondera.
“O nosso crediário vem se perpetuando ao longo do tempo através da continuidade das famílias dos nossos clientes, passando por gerações. É comum encontrarmos em nosso cadastro clientes com mais de 200 compras liquidadas no crediário”, observa.
Atualmente, a marca possui 47 lojas, distribuídas nas capitais e regiões metropolitanas dos estados citados acima.
Desde 1954, a "C. Rolim Modas" também vende no carnê e descarta o fim da forma de parcelamento. Ao todo, são 13 lojas na Capital e na Região Metropolitana de Fortaleza.
Na rede de lojas "Casas Bahia", o carnê físico segue disponível há 60 anos, além do digital recentemente. Segundo André Calabró, diretor de Soluções Financeiras da Via Varejo e CEO do banQi, para utilizar essa opção de compra, o cliente precisa ter crédito aprovado na empresa.
“Nosso crediário permite compras tanto nas lojas físicas quanto no site e no aplicativo de Casas Bahia que, além dos produtos comercializados pela própria rede, também disponibiliza mercadorias vendidas por pelo menos 170 lojistas parceiros no e-commerce.”, explica. A rede possui 30 lojas no Ceará e 15 em Fortaleza.
Nos últimos anos, que mudou para a modalidade nas empresas ouvidas foi a rapidez para a consulta e para a aprovação do crédito que hoje é feita e minutos.
Outro segmento que utiliza amplamente a forma de pagamento é o funerário. Nesses casos, é comum a venda de planos familiares em carnês físicos.
O gerente de vendas da Funerário Paz Eterna, André Pinto, diz que o boleto é utilizado para contratos de longo prazo para famílias. No caso da compra de apenas um produto, por exemplo, são utilizados os cartões de crédito e de débito.
Quais as vantagens e desvantagens do carnê para os consumidores?
A modalidade permite a compra de produtos, sobretudo os duráveis, para pessoas que não estão inseridas no sistema bancário. No entanto, não há vantagens econômicas comparada a outras formas de pagamentos.
O coordenador do MBA em Gestão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Teixeira, pondera a haver apenas o benefício da comodidade para alguns consumidores e a ligação afetiva com a marca.
“Se hoje a gente já tem esse carnê pagável em bancos também, se esse for o caso, na realidade, vantagem mesmo não existe nenhuma porque há concessão daquele crédito feito pela loja, para essas pessoas especificamente, não ia provavelmente impactar o seu crédito na rede bancária”, esclarece.