Com inflação, consumidor toma mais banho só com água e troca sabonete em barra pelo líquido

Levantamento mostra que as ocasiões em que os brasileiros não incluíram qualquer produto de higiene no banho cresceu 9% na comparação com 2018

Se na hora de comprar comida o brasileiro tem adotado substituições e até deixado de consumir alguns itens, os produtos de higiene e cuidados pessoais - também fortemente afetados pela alta dos preços - não passariam incólumes às mudanças nos hábitos de consumo provocados pela corrosão no poder de compra.

Uma pesquisa da Kantar revela que o brasileiro está recorrendo menos a produtos de higiene no dia a dia: as ocasiões em que não houve uso de qualquer produto na hora do banho cresceram 9% na comparação com 2018. Apesar disso, o percentual é menor que o crescimento de 28% (também em relação à 2018) observado no último trimestre de 2021.

Também conforme o levantamento, um em cada cinco banhos tomados pelos brasileiros são feitos apenas com água. Esse hábito está sendo adotado por 31% - ou 46% dos que tomam dois banhos por dia.

Inflação dos produtos de higiene pessoal

O consumo cai ao passo que os preços nas prateleiras são um verdadeiro balde de água fria. A inflação dos produtos de higiene pessoal avança paulatinamente e chegou a 13,69% no Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em Fortaleza, o cenário não é diferente: o índice chega a 12,78%. O sabonete é o principal vilão, com inflação de 24,51% acumulada em 2022 no Brasil e de 23,1% na Capital cearense.

Diante da alta dos preços do sabonete, a vendedora Maria José Ferreira Torres, que antes usava o sabonete em barra, aderiu ao produto na versão líquida após observar que esse último possui um rendimento melhor.

“Eu vi que o sabonete em barra está muito caro e resolvi comprar o líquido, que a gente economiza muito mais. Sai mais barato e dura muito. O sabonete em barra está quase R$ 5”, destaca a consumidora.

“Tá com um mês que eu comprei um litro, que sou só eu que uso, e ainda tá pela metade. Em barra não dura uma semana toda, enquanto o líquido a gente passa um pouquinho na esponja e dá para ensaboar o corpo todo”, compara Maria.

Além disso, ela também pontua que prefere usar o desodorante roll-on ao spray.

“Eu gosto de usar coisas de qualidade, mas infelizmente é muito caro. Meus filhos usam o spray, que é mais caro e acaba rápido. Eu gosto mais do roll-on porque dura mais”.

Novos hábitos de consumo

Jenifer Novaes, executiva da Kantar, explica justamente que os novos hábitos de consumo diante desse “momento delicado” não afetaram apenas o uso do sabonete.

“Nós vemos também o brasileiro fazendo escolhas que o ajudem a equilibrar a balança dos gastos também em relação a outros produtos e momentos de sua rotina. Ele vem incluindo menos produtos, também, em sua rotina de cuidado com os cabelos. O uso de até dois produtos cresceu 11% no último trimestre se comparado com o primeiro trimestre de 2022 e, no mesmo período comparativo, a rotina de cuidados com os cabelos que incluam 5 e 6 produtos caíram, respectivamente, 11,6% e 53,7%”, pontua Jennifer.

Ela também frisa que as embalagens econômicas para cuidados com cabelo, especialmente aquelas com mais de 600ml, vem crescendo, enquanto todas as outras embalagens, em especial as de 300ml a 399ml, estão perdendo espaço na cesta do consumidor.

Para a executiva, os números da pesquisa indicam um grande impacto da inflação dos preços de itens de consumo massivo no bolso do brasileiro que, com menor poder de compra, precisa fazer escolhas mais balanceadas.

“Os mais afetados, quando o tema são as ocasiões de banho, foram os brasileiros da Classe D e E e do Sudeste, dos quais 53% são mulheres, com destaque especial para as mães que trabalham em tempo integral, com filhos de até 15 anos, em lares com 4 pessoas ou mais e com aproximadamente 75% dessas mulheres não sendo casadas”, ressalta Jenifer.

Por que os preços subiram

O economista Ricardo Coimbra avalia que a elevação dos preços desses produtos está ligada a redução na oferta de sebo animal, além da elevação do câmbio.

“Essa alta do câmbio encareceu insumos utilizados na produção desses bens, encarecendo esses itens. Isso de certa forma faz com que parte significativa da população busque reduzir o consumo ou procure outras alternativas”.

Ele também acredita que uma recuperação desse consumo ocorrerá se houver estabilização dos preços no médio prazo, o que poderia acontecer a partir da redução no câmbio e do aumento na produção de insumos.

“A princípio não se observa grande crescimento na comercialização de sebo, então essa recuperação (do consumo) só deve acontecer se houver uma recuperação salarial e de inserção no mercado de trabalho”.