Desde o começo do ano, o cearense já vem lidando com uma elevada carga tributária, valores que teriam rendido, entre 1º de janeiro deste ano até a última sexta (8), R$ 5,603 bilhões de arrecadação ao Estado, segundo dados do Impostômetro. O número, que representa um aumento de cerca de 7% em relação a igual período do ano passado, traz novamente à tona a discussão de quão pesada é a carga tributária brasileira.
Representando, em 2017, de acordo com o último cálculo da Receita Federal, 32,43% de todas as riquezas geradas pelo País - soma do Produto Interno Bruto (PIB) -, a carga tributária nacional supera a de países como Estados Unidos e Canadá, ficando entre as 30 mais altas do mundo.
As principais críticas ao sistema de impostos, que também ajudaram a colocar uma possível redução ou reforma tributária na pauta do novo Governo Federal, citam as contribuições como entrave para o consumo e a produção no Brasil, atrapalhando o desenvolvimento da economia.
Contudo, especialistas consultados afirmam que a situação é um pouco mais complexa do que alguns setores do mercado defendem, e que seria praticamente impossível reduzir a carga tributária em curto ou médio prazo.
Para Marcelo Lettieri, diretor técnico do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco-CE), o grande problema envolvendo os impostos brasileiros não é, em si, o tamanho da carga, mas o nível de retorno dos valores pagos pela população e a aplicação deles em serviços públicos.
Segundo ele, é preciso levar em conta que o valor arrecadado pelo poder público não é integralmente direcionado para os serviços oferecidos pelo Governo. Ao excluir do cálculo os gastos com Previdência e outras obrigatoriedades, a carga tributária líquida brasileira fica em torno de 13%, valor que não é considerado alto por economistas.
Contudo, a sensação de retorno desses pagamentos, considerando o setor produtivo e a população, seria muito baixo. Corroborando com a perspectiva do auditor fiscal, o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) divulgou um estudo, no fim do ano passado, no qual aponta o Brasil como o país que dá o pior retorno em serviços públicos à sociedade. O estudo analisou as 30 nações com maior carga tributária, apontadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e comparou com os resultados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O estudo colocou o Brasil na última colocação em duas edições consecutivas.
Desequilíbrio
Além do baixo retorno, Lettieri aponta que o sistema tributário está desbalanceado, sobrecarregando taxas relacionadas à produção e ao consumo no País, fator que prejudica os mais pobres, enquanto desconsidera cobranças sobre a renda e os lucros e dividendos empresariais.
"Quase 50% dos valores arrecadados com impostos é sobre a produção e consumo, enquanto que nos Estados Unidos é quase 17%. Mas em compensação, a nossa tributação sobre renda representa cerca de 19% da arrecadação enquanto que nos EUA, esse valor é de quase 50%", explica Lettieri. "O paraíso fiscal é receber renda no Brasil e consumir nos EUA. Lucros e dividendos são isentos aqui, então existe espaço para aumentar a tributação sobre a renda sem afetar quem já é taxado, e reduzir a taxação em cima de bens e consumo. Precisamos redistribuir a carga tributária e isso vai dinamizar a economia", completou o auditor.
Complexidade
Outro ponto relevante sobre a discussão da carga tributária brasileira, segundo Raul Santos, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef) do Ceará, é a complexidade do sistema. De acordo com ele, a tributação nacional onera direta e indiretamente as empresas, que se veem obrigadas a implantar um setor voltado apenas para lidar com todos os impostos exigidos e manter-se em dia com as obrigações com o poder público.
"A primeira coisa que assusta é a quantidade de impostos, porque isso por si só já onera as empresas que precisam criar um setor inteiro para isso. A sensação da carga ser pesada também vem pela ausência de benefícios. O cidadão não vê retorno e dá a impressão de que os impostos são muito altos. E não é diferente com as empresas", defende.
Santos defende que o sistema precisaria ser simplificado, o que daria mais agilidade aos processos de produção e mais competitividade, já que desoneraria o setor produtivo. "A primeira coisa que precisa ser feita é simplificar o sistema de impostos, diminuindo a quantidade de tributos, e deixar o processo mais ágil. Depois, o Governo precisa estimular a economia, pois se ele apenas aumentar os impostos a arrecadação pode até aumentar, mas o número de empresas pode acabar diminuindo pelo peso da carga tributária", avaliou.
Uma das soluções para deixar o sistema tributário brasileiro menos complexo, considerando empresas e pessoas físicas, seria a "aglutinação" de alguns impostos, reduzindo o número de tributos. Essa perspectiva incluiria o desenvolvimento do Imposto Sobre Valor Agregado, ou IVA, tão defendido durante a campanha presidencial das eleições de 2018. Essa opção teria de ser considerada porque, segundo João Eloi Elenike, presidente do IBPT, não há "espaço para reduzir a carga tributária no curto prazo".
Articulação
Contudo, todo esse processo dependeria de uma reforma tributária, que deverá exigir do Governo Federal e da equipe econômica liderada pelo ministro Paulo Guedes um forte poder de articulação.
"A carga tributária é injusta, porque boa parte da arrecadação brasileira vem do consumo, e também não há diferença de tributação de quem ganha mais e quem ganha menos. Sem contar que ainda temos muita burocracia e um número grande de impostos. O Governo está prometendo baixar a carga tributária para 15%, mas é preciso demonstrar como, porque para reduzir a tributação você precisa compensar para garantir que haja arrecadação para todas as esferas: municipal, estadual e federal", disse Eloi.
Entretanto, Marcelo Lettieri aponta que a decisão de criar um IVA não é tão simples assim. A medida alteraria a dinâmica de arrecadação de alguns estados, criando resistência nas unidades da Federação que recebem mais dentro do sistema atual, como São Paulo e Mato Grosso, por exemplo.
"Nós precisamos aumentar a qualidade do sistema tributário. Trocar o ICMS e criar um IVA no destino, taxar onde você consume e não onde é produzido, só que isso afetaria os estados de Mato Grosso e São Paulo, mas isso melhoraria muito a vida das empresas, pois acabaria com os pontos de fronteiras e fiscalização entre estados, agilizando muitos processos de tributação", defende Lettieri.
O que eles pensam
"A carga não só é alta, como é complexa, confusa. Tinha que ser melhor trabalhada. Estamos com problemas e o Estado está tentando melhorar, mas temos de ter cuidado para evoluir da maneira correta. Temos que enxugar e desburocratizar"
Freitas Cordeiro
Presidente da FCDL
"A alta carga tributária e a complexidade que envolve o sistema tributário brasileiro compõem uma situação que impede e desestimula o empreendedor no País"
Beto Studart
Presidente da Fiec
"Enquanto outros estados têm incentivos fiscais especiais, como é o caso da Bahia, o nosso leite encontra dificuldade para concorrer até no mercado local. E o leite representa 50% do valor bruto da produção agropecuária do Ceará"
Flávio Saboya
Presidente da Faec