A busca dos cearenses por soluções para afastar a insônia durante a pandemia aumentou em até 4 vezes a compra de medicamentos para dormir. Em 2021, só até julho, foram vendidos no Ceará mais de 905 mil frascos e caixas de 5 das principais drogas para o sono.
Os registros são de itens comprados em farmácias e drogarias privadas, e estão disponíveis no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O maior salto foi contabilizado nas vendas de fármacos com os princípios ativos zopiclona e eszopiclona, ambos indutores do sono.
Entre janeiro e julho de 2019, foram vendidos 2.911 frascos e caixas em farmácias do Ceará, número que saltou para 12.918 no mesmo período de 2021 – quase 5 vezes mais.
Medicamentos com as substâncias zolpidem e hemitartarato de zolpidem, para insônia em adultos, também foram mais buscados na pandemia: em 2019, a venda foi de 147.731 unidades; em 2021, foram 193.995, cerca de 31% a mais, conforme a Anvisa.
Os medicamentos citados foram mencionados como os mais frequentes pelos profissionais ouvidos pela reportagem. O Diário do Nordeste procurou a Anvisa para saber mais informações e qual droga para insônia é a mais vendida no Ceará, mas não teve resposta até esta publicação.
O que causa insônia?
O médico Manoel Alves Sobreira Neto, doutor em Neurologia e professor de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que existem mais de 80 tipos de doenças do sono, de modo que as causas da insônia, por exemplo, podem ser múltiplas.
Na pandemia, porém, o isolamento social, a perda da rotina e a “bagunça” dos horários para as atividades do dia a dia – marcadores importantes do sono – foram determinantes para o aumento do número de pessoas com problemas para dormir de forma regular.
Houve ainda uma redução da exposição à luminosidade natural durante o dia, com as pessoas ficando muito em casa, e um excesso de luminosidade de equipamentos eletrônicos à noite, prejudicando o sono.
O professor também cita como causa “o aumento significativo de transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão, por conta do isolamento social, do risco de adoecimento, da perda de familiares e da tensão da pandemia”.
Para a dona de casa Elani Gomes, 41, o período pandêmico trouxe sintomas físicos e mentais: a ansiedade levou ao aumento do refluxo, que não a deixava dormir. A otorrinolaringologista prescreveu, então, um medicamento para insônia. E não adiantou.
“Quando tomei, tive o efeito oposto: não dormi a noite toda. No dia seguinte, fui bater no hospital com efeitos colaterais, taquicardia e braços dormentes. Parei o remédio e fiquei tomando chás de camomila, erva doce, chás noturnos”, narra Elani.
Além das substâncias naturais, outro fator foi determinante para o sono de Elani ser regulado: a volta das atividades de rotina. “Agora que minhas filhas estão indo pro colégio de novo, a rotina voltando, tô bem melhor. Essa insônia veio na pandemia, antes eu não tinha isso”, pontua a dona de casa.
O médico Manoel Sobreira reforça que as medicações para insônia, “quando usadas de forma adequada, têm sua utilidade, mas quando utilizadas sem critério têm potencial de causar sérios efeitos adversos”.
Além das substâncias químicas – que só devem ser usadas se prescritas por médicos, jamais em automedicação –, o doutor em neurologia pontua outras alternativas para uma melhor noite de sono:
- Ter rotina adequada, com horários bem definidos para deitar e levantar;
- Não trabalhar ou fazer outras atividades no ambiente de dormir;
- Evitar usar equipamentos eletrônicos até tarde;
- Evitar o consumo de cafeína (café, chá preto, chá mate, refrigerantes) após as 15h;
- Praticar atividades físicas de forma regular, não muito próxima ao horário de dormir.
Uso abusivo de remédios para dormir
Mirian Parente, doutora em Farmacologia e professora do Departamento de Farmácia da UFC, explica que existem dois grupos de medicamentos para insônia: os benzodiazepínicos e os não benzodiazepínicos. Ambos os tipos podem causar dependência física e psíquica.
A prescrição médica é indispensável, então, não apenas para garantir o uso da substância correta, mas para determinar o tempo ideal de utilização, como alerta a farmacêutica.
“As pessoas têm o imaginário de que medicamento é um biscoito, um bombom, como se não tivesse implicações. É uma substância química que vai interagir com o seu organismo. É perigoso usar um medicamento que você não precisa”, pontua.
Mirian frisa que é preciso, antes de tudo, diagnosticar a causa da insônia antes de adotar providências. “Para isso, precisa-se de uma abordagem médica, saber como começou, quando, que fatos se relacionam com a falta de sono”, lista.
A busca pelos medicamentos para solucionar a insônia faz parte de um discurso de medicalização da sociedade, de imediatismo. As pessoas não querem empreender esforços para conseguir resultados: se têm um comprimido que dê resultado, é mais fácil.
Episódios de insônia ligados a outros transtornos da saúde, como ansiedade e depressão, exigem ainda mais cautela. “Para esses casos, os fármacos são utilizados não para tratar a insônia, mas o quadro de saúde. À medida em que a saúde melhora, o mesmo ocorrerá com o sono”, destaca.
Na pandemia, além da saúde mental, a emocional também sofreu interferências, como menciona Mirian, impactando na regularidade do sono.
“Se uma pessoa perdeu um parente para a Covid e não consegue mais dormir, é consequência do luto, de perdas emocionais. E não se medica o luto. Não se medica perdas afetivas, infelizmente.”