“Temos limite de leitos e humano”, diz gestor do Hospital Leonardo Da Vinci ao defender isolamento

Unidade, que completa hoje (23) um ano de funcionamento, já tem 35% mais vagas de internação para tratar Covid do que no pico da primeira onda de casos

A constatação é simples: o Ceará vive um dos piores momentos de toda a pandemia de Covid-19, com multiplicação rápida de casos graves e mortes. O alerta é reforçado por José Emídio Rocha Teixeira, diretor do Hospital Estadual Leonardo Da Vinci (HELV).

A unidade foi adquirida pelo Governo do Estado, exclusivamente para tratar pacientes com Covid, quando a pandemia chegou ao Brasil e completa um ano de funcionamento, nesta terça-feira (23), com 35% mais leitos do que no pico da doença em 2020.

A expansão constante é necessária num contexto em que Fortaleza e o interior do Estado vivem a segunda onda de casos simultaneamente, pressionando todo o sistema de saúde.

Mas, como alerta o gestor de uma das unidades referência no combate à virose, existe um limite: “não queremos que chegue a um ponto que não poderemos atender”.

Confira entrevista completa:

O HELV foi ativado com uma semana da pandemia no Ceará. Já havia projeção da força com que a Covid nos atingiria?

Quando o Governo do Estado pensou no hospital, tinha um levantamento que mostrava que haveria necessidade muito alta de leitos de UTI. Foi pensado que o Da Vinci viesse a dar todo esse suporte. No pico do ano passado, em maio e junho, o hospital chegou à capacidade máxima planejada para 216 leitos, 150 de UTI e 66 de enfermaria. Justamente porque a Covid vinha com a necessidade respiratória muito grande.

Inicialmente, houve dificuldade para “recrutar” profissionais, já que seria um hospital 100% Covid?

Houve uma grande ação com cooperativas de profissionais. É notório que não existe médico intensivista suficiente para atender toda essa demanda de necessidade de UTIs. Então, foram mobilizadas tanto cooperativas de intensivistas como médicos que estavam para se formar, assim foi formada a equipe. O hospital abriu as portas para todos os profissionais da saúde. Eles aceitaram o desafio.

Qual o momento mais crítico enfrentado na unidade? Chegou a faltar pessoal ou espaço para a demanda?

Foram dois momentos. Na primeira onda, a dificuldade era realmente a gente ter profissionais com experiência para cobrir esse dimensionamento de 216 leitos. E tivemos, sim, que ir reforçando e animando os que estavam dentro, a cada dia, porque se deparavam com uma experiência não vivida antes, tanto pela seriedade da doença em si como pela falta de experiência dentro da UTI. Foi muito difícil, mas todos ajudaram muito. 

"Fomos muito rígidos na questão dos EPIs, no fluxo entre as alas, para evitar ao máximo que os profissionais se infectassem. Pensando também nas famílias: muitos terminavam o plantão e iam pra casa. Um dos desafios era esse: estar trabalhando num local exclusivo para tratar Covid e, ao término, voltar pra casa e não levar o vírus."

Houve momentos em que tivemos a necessidade de cobrir as escalas, remanejar médico de um andar ao outro, solicitar que plantonista virasse o plantão porque o próximo não poderia vir. Hoje, estamos com 291 leitos, e uma necessidade maior ainda de profissionais.

A chegada de pacientes do interior é sintomática sobre a situação epidemiológica do Estado. Como essa demanda se expressa no Da Vinci?

Quais os perfis dos pacientes na primeira e na segunda onda?

Percebemos uma mudança: a doença fica mais grave mais rapidamente, e o tempo de internação fica mais longo. O paciente que vai pra enfermaria e teria alta em sete dias, hoje evolui e precisa de UTI. Então a média hoje é essa: sete a oito dias de enfermaria e 14 dias de UTI. Isso é preocupante, porque os leitos têm um limite máximo. 

Outro fator é que a população mais jovem está se contaminando e precisando de leitos muito mais do que no primeiro momento. Jovens de 30 a 50 anos, muitos sem comorbidades, e se agravando. A população está se expondo mais, e necessita mais de hospitalização nessa faixa etária, que na primeira onda era bem reduzida.

Então, a gente precisa entender esse segundo momento. Por isso o isolamento social é tão importante, para não haver um colapso, uma necessidade maior de leitos do que a oferta dos hospitais.

O hospital chegou a abrir para cirurgias eletivas, em outubro. Hoje, é só Covid novamente?

Quando a curva de casos de Covid ficou bem menor, a Secretaria da Saúde resolveu usar o Da Vinci para diminuir a fila de cirurgias. Mas em fevereiro, o aumento da curva retornou o hospital ao perfil inicial, 100% Covid. Em outubro, ainda tínhamos 34 leitos Covid, e o restante era todo voltado para cirurgias gerais, de urologia, ortopedia. Em fevereiro, voltamos toda a capacidade para Covid.

Quantos pacientes passaram pelo hospital, ao longo de 2020?

Em um ano, tivemos 4.238 internações e 2.427 altas só de Covid. Pacientes que passaram pelo tratamento e voltaram para suas famílias. Hoje*, a ocupação é de 94%, 265 pacientes internados, fora os que já foram regulados e estão vindo para o hospital. Até ontem (21), foram 1.552 (37%) óbitos.

*A entrevista foi concedida na segunda-feira, dia 22 de março de 2021

Os profissionais estão cansados. Como lidar com isso em plena segunda onda?

Estamos aqui trabalhando direto para tentar dar o melhor serviço e salvar vidas. Infelizmente, é uma doença que mata, compromete muito a pessoa, e precisamos ajudar mais. O que os médicos, enfermeiros, técnicos, serviços gerais e direção podem fazer está sendo feito, mas a outra parte fundamental é a população, o isolamento social. Nós temos um limite de leitos, e os profissionais têm limite de trabalho, limite humano. Não queremos que chegue um ponto em que nós não poderemos dar a assistência necessária.